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13/07/2003 - 03h40

Artigo: George, Charles e os transgênicos

MARCELO LEITE
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Nem senhor da guerra, nem príncipe da precaução. Já passou da hora de a opinião pública rejeitar as dicotomias empobrecedoras e aprofundar-se na discussão sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs), para enfim decidir se quer essa tecnologia, como e sob quais condições. Caso contrário, ficará indefinidamente refém dos fundamentalismos estéreis.

Começando pela mais recente onda de pânico do príncipe Charles, com a nanotecnologia e sua ameaça de engolfar o planeta com uma "meleca cinza" ("gray goo"), legião de nanorrobôs auto-replicantes descontrolados. Ela só vem ao caso porque é mais uma, e muito representativa, da sucessão de paranóias que acometeu o público no Reino Unido.

Vista desse ângulo, a desconfiança nada tem de irracional, como tentam rotular os adeptos fundamentalistas dos OGMs. Parece lógico recusar produtos que envolvam riscos desconhecidos, mesmo que infinitesimais, se o benefício tampouco é visível.

Racional ou não, fato é que esse temor difuso diante da engenharia genética, aplicada à agricultura, foi astutamente explorado pelos adversários dos OGMs. Assim como seus oponentes corporativos, muitos desses militantes da esfera alternativo-ambientalista apostam mais na confusão do que no esclarecimento para barrar a tecnologia que abominam.

Pode ser chamada de fundamentalista, por exemplo, a noção de que há algo de errado com a própria engenharia genética. Ela resulta em produtos muito díspares, como a soja resistente a herbicida e o milho resistente a insetos. Só a ignorância pode tentar enfiá-los no mesmo saco.

O mero pânico diante da palavra "transgênico" é tão pouco esclarecido e esclarecedor quanto passar da comoção individual à ação pública tentando banir toda e qualquer pesquisa. Seria erro tão grave quanto dificultar, por exemplo na Embrapa, a pesquisa com melhoramento tradicional ou agricultura orgânica só porque sua direção é favorável a OGMs.

Pior que isso, só mesmo invadir e queimar instalações de pesquisa licenciadas, como fizeram militantes do MST em propriedade da Monsanto em Ponta Grossa, no Paraná. Ou, então, extrapolar os limites da atividade licenciada por comitês de biossegurança e multiplicar sementes de transgênicos, ou tolerar o contrabando de sementes da Argentina, só porque a aprovação dos OGMs é dada como favas contadas ou postulada como passo necessário na marcha inexorável do progresso científico.

Para criar normas racionais baseadas em fatos, e não em lendas e paranóias de qualquer matiz, existem ou deveriam existir autoridades. Em lugar de usurpar o poder de polícia e meter-se a exercê-lo com as próprias mãos, inimigos dos OGMs devem assumir o ônus de documentar suas objeções, como faz no Reino Unido, por exemplo, o grupo liderado por Mae-Wan Ho (www.i-sis.org.uk) de adversários dos OGMs.

Pode ser que desse tipo de iniciativa surja algum terreno comum, em que um debate de fato se instale. No Brasil, porém, essa possibilidade parece cada vez mais uma miragem. Predominam as "razões" de força, e nessa matéria há argumentadores muito mais poderosos, como George W. Bush.

Não faz muito ele preveniu a Europa de que ela deveria desistir da obstrução "anticientífica" ao comércio de transgênicos, pois isso estaria levando países pobres a recusá-los e prejudicando o combate à fome na África.

Um argumento literalmente irresistível, ainda que mistificador.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
 

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