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07/08/2003 - 10h31

Italianos fazem primeiro clone de cavalo

REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Prometea é filha da própria irmã gêmea. Centenas de irmãs morreram para que nascesse, e ela está sendo transformada numa atração científica mundial dois meses depois de vir ao mundo. Parece enredo de novela mexicana, mas é só a história de uma potra da raça Haflinger, o primeiro clone de cavalo do mundo.

A façanha de manufaturar a eguinha (na verdade, pertencente a uma raça de pôneis) coube a um grupo de pesquisadores do Instituto Experimental Lazzaro Spallanzani, em Cremona, no norte da Itália. Além de adicionar o cavalo à lista dos mamíferos que foram copiados geneticamente (leia texto à dir.), os italianos conseguiram, sem querer, um truque inédito: o animal foi gestado pela mesma fêmea da qual é clone.

Acaso

"Foi pura coincidência e uma bela surpresa", contou à Folha o veterinário Cesare Galli, que liderou a equipe de pesquisa de Cremona. De todos os embriões produzidos e implantados, metade deles de uma fêmea Haflinger e os demais de um garanhão árabe, sobreviveu justamente o colocado no útero da doadora da célula de pele clonada. O estudo sai hoje na revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).

A potra foi a única a passar na peneira com 841 embriões criados por transferência nuclear, a mesma técnica que gerou a finada ovelha Dolly. Células da pele de cavalos tiveram seus núcleos (que contêm o DNA com especificações necessárias para um organismo se desenvolver) retirados e fundidos com óvulos sem núcleo.

Desse bando de embriões, 17 puderam ser implantados em mães de aluguel, gerando quatro gestações e só um nascimento. "Diferentemente de outras espécies, em cavalos as perdas foram notáveis antes da implantação e reduzidas depois dele", avalia Galli, cuja equipe usou técnicas de reprodução assistida de equinos para conseguir esse resultado. A potra, de pelagem palomino (o equivalente equino do louro), goza de boa saúde por enquanto.

O acaso que gerou o esquisito nascimento de Prometea de sua "mãe gêmea", como diz Galli, pode se tornar mais que mera curiosidade científica.

É que as atuais teorias sobre a gravidez sugeriam que um feto assim gerado seria inviável. "A manutenção da gravidez dependeria de um equilíbrio [do sistema de defesa do organismo]. A mãe reconheceria o feto como estranho e tentaria expulsá-lo, e o feto se defenderia. Imaginava-se que, se não existisse essa resposta da mãe, o feto seria facilmente perdido", explica Galli.

Gerar uma reviravolta científica desse tipo vem bem a calhar para uma potrinha batizada ambiciosamente de Prometea -feminino de Prometeu, o titã da mitologia grega que roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos homens.

O veterinário italiano conta que dar nomes polêmicos a clones é tradição do seu grupo: "Quando clonamos nosso primeiro touro, resolvemos chamá-lo de Galileo, porque estávamos esperando oposição por parte da ministra da Saúde, que é católica fervorosa".

"Ela reagiu mandando prender o touro, como o papa fez com [o astrônomo renascentista] Galileu Galilei, e nos processou. Mas acabamos ganhando a causa, e ela ainda teve de engolir as desculpas que o papa pedira alguns meses antes por causa do aprisionamento do astrônomo", ironiza Galli.

Fora das corridas

Por ser um pônei, Prometea não poderia participar de corridas de cavalo nem se quisesse, mas engana-se quem pensa que a clonagem equina vai ajudar a produzir vencedores em série do Grande Prêmio Brasil de turfe. "Só são aceitos cavalos da raça puro-sangue inglês nascidos de cobertura natural", explica a veterinária Samantha Korbivcher, do Clube Hípico Santo Amaro, em São Paulo.

Por outro lado, a competição de saltos no hipismo, que envolve raças como a do cavalo árabe e aceita a inseminação artificial, poderia se beneficiar da técnica -se e quando ela melhorar muito sua eficiência, claro. "Isso pode ajudar a manter linhagens muito boas. Mas fica sempre a dúvida se ele vai ser um indivíduo saudável", diz Korbivcher.

Edgar Foroni, do Haras Catherine, em São Roque (59 km a oeste de São Paulo), chama a atenção para outro detalhe importante: um bom cavalo depende tanto do ambiente (e nem tanto dos genes) quanto qualquer pessoa: "É ótimo poder reproduzir linhagens que de outro modo sumiriam do mundo, mas isso não significa que você vai ter garantia de desempenho. Depende do treinamento e da criação do animal".
 

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