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31/03/2006
Carta da semana

Ganhando a vida no picadeiro a céu aberto

"Após anos trabalhando em circos, ele trocou a lona colorida pelo céu aberto. No lugar dos holofotes, hoje, o seu show é iluminado pelo sol escaldante. A arquibancada foi substituída pelos assentos dos automóveis, que levam e trazem o público que o assiste. O ingresso? Paga quem quer, e/ou quem achar que deve. Este é o palco da atualidade: uma esquina da cidade de Uberlândia onde o ex-palhaço de circo, Wanderson Batista Ferreira, apresenta-se e trabalha diariamente.

É nos intervalos do semáforo, vestido com uma fantasia surrada de palhaço e fazendo malabarismo com garrafas de isopor, que Ferreira entretém os que passam pelo cruzamento da Avenida João Naves de Ávila com a Rondon Pacheco. No local, o artista conta como a vida o levou a fazer dos semáforos uma espécie de ganha-pão e de picadeiro urbano.

Natural de Uberlândia, aos seis anos de idade Ferreira foi estudar as técnicas circenses em Ribeirão Preto. Por lá aprendeu a fazer mágica, malabarismo e alguns outros truques. Permaneceu na cidade, onde se apresentou em circos durante 16 anos. Ainda no Estado de São Paulo, fez inúmeras apresentações em Campinas e trabalhou no hoje extinto Circo Garcia. “O Circo Garcia acabou e só com a escola de circo não havia a possibilidade de sobreviver. Daí eu comecei a trabalhar nos semáforos das cidades grandes”, conta.

Com a falta de espaço e em troca de alguns trocados, o artista passou a se apresentar nas esquinas. “Fiz experiências no trânsito de Ribeirão e de São Paulo e rodei o país fazendo malabarismo no semáforo”, conta. E segundo ele, engana-se quem pensa que a labuta nas esquinas é pouco rentável. “Teve época que cheguei a ganhar até R$ 150, 00 por dia”, garante.

Vida de palhaço
Hoje, aos 27 anos, com apenas o segundo grau completo, casado e com dois filhos para criar, Ferreira optou pela residência fixa em Uberlândia. “Voltei pra cá por que é minha cidade natal”, diz. Em Uberlândia, trabalhou até mesmo na Secretaria de Cultura, durante a gestão Zaire Rezende. Com a mudança de gestão, perdeu o emprego e voltou ao semáforo.

Atualmente sobrevive das gorjetas que lhe são dadas pelos motoristas no sinal de trânsito e “de algum showzinho extra que pinta por fora”. O horário de trabalho do artista é sempre o horário de pico – das 11 às 13h e das 5h30 às 19 horas. “Consagrei este ponto, pois já consegui uma boa clientela. As crianças pedem aos pais pra passar por aqui, quando estão voltando da escola. E os pais costumam colaborar. Nos outros pontos da cidade tem muito entregador de fruta, o que atrapalha a gente”, diz.

Segundo Ferreira, o trabalho no trânsito tem lá suas vantagens: “Consegui comprar uma motinha pra mim. Juntei um dinheirinho no banco. Comprei uma casinha própria. E já fui até no Paraguai com o dinheiro que juntei no malabarismo! Ou seja, está dando pra levar”. Ferreira acrescenta que, em média, arrecada R$ 70,00 por dia. “Mas tem dia, quando chove, que eu tiro só R$ 10,00”, diz.

Ossos do ofício
Olhos mais atentos percebem a fisionomia triste que Ferreira tenta disfarçar com a maquiagem colorida de palhaço. As marcas da vida sofrida estão lá para serem percebidas pelos mais sensíveis. Quando questionado sobre o fato, ele explica que às vezes até um profissional que tem a função de alegrar as pessoas, sente-se triste e desgostoso. “A maioria me trata bem, mas tem um “pessoalzinho” aqui em Uberlândia que... uns fecham o vidro na minha cara. Outros me chamam de vagabundo. Até cuspir na gente, alguns cospem. Queria que eles se pusessem no meu lugar um dia para ver como é desgostoso ser tratado assim. Afinal, eu poderia estar roubando ou vendendo drogas como outros malandros. Ao contrário, apesar de estar vestido de palhaço, eu estou trabalhando!”, reclama.

O ontem e o amanhã

Segundo o jornalista e historiador Luiz Pattoli, os registros mais antigos sobre atividades circenses são pinturas chinesas de quase cinco mil anos. São registros de contorcionistas e equilibristas. Na verdade essas acrobacias faziam parte do treinamento dos guerreiros. Mas o circo, como o conhecemos, foi invenção de um oficial inglês.

Em 1770, Philip Astley inaugurou o Astley´s Amphitheatre, um teatro com picadeiro no centro e uma arquibancada. A primeira apresentação contou apenas com números de cavalos e Philip percebeu que para manter a platéia, ele teria que inovar. Colocou um soldado que não sabia montar direito, caía do cavalo, passava por baixo do animal. Surgia então o palhaço circense. A palavra “circo” foi utilizada por Charles Hughes, que criou o Royal Circus em 1782. Anos depois, já existiam diversos circos fixos e ambulantes por toda a Europa. No Brasil, o circo apareceu no final do século XIX e logo se popularizou.


Estima-se que hoje existam cerca de 2000 companhias em todo o mundo; 80 dessas são grandes ou médias. Os problemas enfrentados atualmente são a falta de público e a escassez de terrenos grandes que comportem o circo. Os dois fatores combinados são fatais.

Devido à falta de espaço e de emprego, não é raro ver a arte e os artistas circenses migrando para os espaços urbanos. Por fim, se o circo vai deixar de existir, não sabemos, mas que o artista de circo terá que se reinventar, como fez Wanderson Batista Ferreira, na tentativa de sobreviver às imposições dos tempos modernos, isto é um fato mais do que concreto",
Claudia Zardo - claudiazardo@yahoo.com.br


CIDADÃO JORNALISTA é um espaço destinado aos leitores e ouvintes que ao relatarem fatos e experiências de sua cidade, comunidade e cotidiano, tornam-se repórteres por um momento.

 
 

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