REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
 

folha de s. paulo
01/06/2009

Você seria professor de escola pública?

Certa vez ouvi uma explicação aparentemente machista sobre uma das razões da piora do ensino público: a abertura do mercado de trabalho para as mulheres, antigamente condenadas a ter poucas opções caso não quisessem ficar trancadas em casa. Uma das opções era dar aula. Faz algum sentido.

Jovens inteligentes e cultas, dispostas a aprender, muitas delas bilíngues, viam na sala de aula um escape para não ficar apenas na rotina da casa, cuidando dos filhos e do marido; hoje, elas estão comandando empresas, meios de comunicação, governos. No final, os alunos mais pobres eram os grandes beneficiários daqueles talentos represados.

O Ibope faz um acompanhamento periódico dos valores e atitudes das mulheres. Em suma, na última pesquisa, em 2008, as mulheres estão ainda mais exigentes em relação ao trabalho. Entre as classes A e B, elas querem desenvolvimento intelectual e pessoal, destaque profissional e independência.

Na semana passada, o governo federal lançou um bilionário programa para estimular a formação de professores -não apenas o sucesso do plano, mas o futuro do país está atrelado à capacidade de atrair os talentos para as escolas públicas.

O Datafolha realizou um perfil sobre as expectativas dos jovens brasileiros, reforçando as tendências verificadas pelo Ibope: para os entrevistados de 16 a 17 anos, de maior escolaridade, não basta ter emprego. É preciso ser reconhecido e valorizado profissionalmente, com possibilidades de reciclagem. Como fazer esse pessoal se sentir tentado a sonhar em dar aulas na rede pública?

Não consigo ver um problema tão difícil (e tão relevante) para ser resolvido: estamos metidos num círculo vicioso. As nações que mais evoluíram socialmente são aquelas que melhor souberam atrair talentos para disseminar conhecimento.
O plano anunciado pelo governo prevê uma série de estímulos, como mais vagas nos cursos de licenciatura e ajuda para pagamento de mensalidade -além de provas para evitar que gente com baixíssima qualificação nem sequer consiga se candidatar a dar aula.

É algo que vai ao encontro do projeto lançado em São Paulo, em que se determinou que, mesmo aprovado em concurso, o professor terá de ficar um semestre se preparando antes de entrar na sala de aula.
Até agora, porém, não existe quase nenhum atrativo para um jovem de elite trabalhar numa escola pública.

O pior não é o salário -apesar de um professor ter a mais baixa remuneração entre os que têm diploma superior. Isso, por si só, já seria um gigantesco obstáculo.
Vida de professor de escola pública é um massacre diário, especialmente nas grandes cidades. As salas são superlotadas, boa parte dos alunos tem doenças, inclusive mentais, os laboratórios não funcionam, os pais se envolvem pouco na educação dos filhos, cujo repertório cultural é, geralmente, baixo. Existem as mais variadas formas de violência -do xingamento às agressões físicas. O sistema de aulas dissertativas é insuportável para quem gosta de criatividade e inovação.
Os alunos pouco aprendem, o que significa uma sensação coletiva de fracasso. Logo, o professor terá uma doença ou desequilibro emocional.

No momento em que se modificarem os salários e as condições de trabalho, naturalmente se vão atrair os talentos. Já existem centenas de milhares de jovens brasileiros que trabalham voluntariamente, com educação pública, atuando em organizações não governamentais -e a maioria dos que não são voluntários movem-se por idealismo e prazer de ensinar. Muitos deles foram bons alunos nas melhores faculdades.

Há uma enorme coleção de resultados extraordinários no país, graças a esses jovens. É gente que tem na veia o prazer de fazer a diferença, mas sabe que sucumbiria dentro de uma escola pública.

O desafio brasileiro é saber quando (e se) dar aula na escola pública fará parte dos sonhos -se não fizer, também não se poderá sonhar com um outro país.

PS - Só aumentar salário não funciona. Os professores da rede municipal da cidade de São Paulo ganharam aumentos salariais, convertidos em propaganda durante a campanha eleitoral no ano passado. Mas a nota dos alunos das 5ª e 8ª séries não acompanhou o movimento. Pelo contrário: o que já era muito ruim conseguiu ficar pior. A inevitável pergunta é a seguinte: aumentar o salário dos professores necessariamente melhora o desempenho dos alunos?

A nota dos alunos de São Paulo apenas confirma o que se constatou em várias partes e desmontam os argumentos dos sindicatos -não há relação direta entre mais dinheiro no bolso do professores e melhor desempenho dos alunos.


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

COLUNAS ANTERIORES:
28/05/2009
Estamos deixando de ser idiotas?
27/05/2009
As muralhas da rua Jericó
26/05/2009
Dilma será o novo Ronaldo?
25/05/2009
Até onde vai o câncer da Dilma?
20/05/2009
Filosofia dá samba
18/05/2009
O protesto da privada inteligente
11/05/2009
Lula é cúmplice dessa maluquice?
07/05/2009 Atores à la carte
29/04/2009
Ilhas de civilidade
29/04/2009
À procura de um olhar
Mais colunas