Ela provavelmente
vai ser, na política, o exemplo de resiliência
que Ronaldo se tornou, até aqui, no futebol
No dia 2 de janeiro de 1996, uma tarde chuvosa, um caminhão
matou o pai, a mãe e o único irmão da
jornalista Lina de Albuquerque. Sua dor acabou numa curiosidade
sobre pessoas que aprendem a recomeçar a vida. A curiosidade
se transformou agora no relato de 26 pessoas, entre anônimos
e famosos, que contam como superaram o que, por um tempo,
parecia insuperável.
A leitura das histórias do livro "Recomeços",
lançado por Lina, dá uma pista sobre o que espera
a ministra Dilma Rousseff caso ela consiga superar o câncer
e manter sua candidatura à Presidência.
Ela provavelmente vai ser, na política, o exemplo de
resiliência que Ronaldo se tornou, até aqui,
no futebol, e João Carlos Martins, na música
-o apreço por seres resilientes (resiliência
é a propriedade física de os materiais voltarem
ao estado natural depois de um choque) é tão
forte na opinião pública que erros cometidos
no passado são esquecidos.
No livro, com 26 histórias de vida, Lily Marinho fala
sobre a morte de um filho e de um casamento com uma velha
paixão -o jornalista Roberto Marinho, então
com 88 anos. Bárbara Paz conta como ficou desfigurada
por causa de um acidente que deixou marcas profundas em seu
rosto e cortou sua trajetória de modelo. Lucinha Araújo
revela sua estratégia para lidar com a morte de Cazuza,
seu filho.
Paulo Borges, o inventor da São Paulo Fashion Week,
mostra como recomeçou ao adotar uma criança
-e todas as dificuldades em torno dessa adoção.
Rita Cadillac, a ex-chacrete, dá detalhes sobre como,
depois de uma série de desilusões amorosas,
se casou com um homem bem mais jovem, amigo de seu filho.
Não são relatos de autoajuda nem desabafos.
Ninguém está reclamando de nada, sentindo-se
vítima nem se vangloriando de coragem ou de ser uma
fortaleza. Apenas contam sobre recomeços.
Impossível não sentir a afinidade com os personagens,
da sofisticada e cosmopolita Lily Marinho à debochada
Rita Cadillac -e aqui entra, involuntariamente, Dilma e seu
projeto presidencial.
O que me levou ao livro é minha convicção
de que as escolas deveriam trabalhar com seus alunos exemplos
de resiliência, como antídoto ao clima de "tanto
faz" que se dissemina entre boa parte das crianças
e adolescentes de classe média e alta -é a geração
sem limites.
A leitura imediatamente, porém, me remeteu a Dilma,
vendo-a como mais um daqueles personagens com uma história
para contar.
Há pudores sobre tratar abertamente o câncer
e a candidatura da ministra, que, na semana passada, viu seu
nome passar dos 20% de preferência do eleitor, segundo
pesquisas ainda reservadas.
Mas o fato é o seguinte: se o câncer for derrotado
(o que é uma possibilidade razoável, segundo
especialistas), a ministra ganha uma extraordinária
vantagem eleitoral. Nenhuma doença é, hoje,
mais acompanhada no Brasil, gerando uma empatia coletiva.
Até agora, ela vem se comportando com elegância
e dignidade -o que lhe atrai simpatias além de questões
políticas e partidárias.
De certa forma, ela se equipara a Lula. Se Lula se aproveitou
da imagem de que veio da miséria e soube superá-la,
Dilma será cercada pela auréola heroica de que
soube recomeçar. É algo que, eleitoralmente,
tem muito mais apelo do que a imagem da fria técnica
que conduz um plano de investimentos -um plano, aliás,
que está mais no palanque do que nas ruas.
Não estou dizendo aqui que Dilma vai montar uma estratégia
de marketing tirando proveito da desgraça. Nem precisa.
Não haverá um único dia sem que sua doença
não seja exposta e analisada, entre as idas e vindas
ao hospital, além do acompanhamento de sua agenda.
Talvez num país mais racional, menos emotivo, a maioria
das pessoas avaliasse que seria um risco eleger alguém
que teve uma doença tão grave. Mas o Brasil
é um país emotivo. Ela será apresentada
como alguém que, apesar de tudo, não parou de
trabalhar pelo país.
Isso somado ao fato de ser mulher e, especialmente, ter o
apoio de alguém hábil em manipular as emoções
como Lula, que, como sabemos, soube recomeçar várias
vezes -e soube também fazer marketing desses recomeços.
PS - Coloquei neste
link trechos de algumas histórias de vida do livro
"Recomeços". Aliás, impagável
a frase com que Rita Cadillac termina seu depoimento: "Quando
eu morrer, quero ser enterrada de bruços". É
uma brincadeira com Rita Lee, que, certa vez, disse que a
ex-chacrete era a "única bunda pensante do Brasil".
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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