REFLEXÃO


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urbanidade
14/11/2007

Cinema Paradiso

As projeções das películas em preto-e-branco serviram de inspiração para que Luiz Carlos Pereira enfrentasse a violência



Nos finais de semana, a praça Oscar da Silva, na Vila Guilherme (zona norte de São Paulo), se transforma num cinema ao ar livre. Os filmes gratuitos atraem moradores de todas as idades dos bairros vizinhos.

Mas a melhor história mesmo está por trás das telas. É a história de um menino que aprendeu a gostar de filmes nas projeções improvisadas no quintal da casa de um amigo. Aquelas projeções das películas em preto e branco serviram de inspiração para que ele enfrentasse a violência.

"Eu precisava inventar alguma coisa para ganhar apoio dos moradores do bairro", conta Luiz Carlos Pereira.

O sargento Luiz Carlos foi designado para comandar a base de policiamento comunitário da Vila Guilherme, onde uma das reclamações era sobre a situação deplorável da praça Oscar da Silva. "Estava suja, cheia de lixo e servia de ponto de tráfico de drogas." Comandou, então, um mutirão de limpeza. Mas só a limpeza não bastava. Precisava ocupar para sempre o espaço. Foi aí que vieram as imagens de sua infância no quintal da casa de um amigo, no interior de São Paulo.

Em Catanduva, onde Luiz Carlos passou a infância, havia uma família, cujo um dos filhos vivia nos Estados Unidos e, nas férias, voltava para casa. Esse rapaz tinha um projetor e, de noite, convocava as crianças das redondezas para mostrar os filmes na parede. "Ficávamos todos hipnotizados." Como sua família era pobre, Luiz Carlos nunca tinha ido a um cinema de verdade. "Vi esse mesmo tipo de criança na Vila Guilherme", conta.

Mas o que o inspirou, de fato, foram as lições que aprendeu sobre segurança. "Só é possível resolver o problema da violência com a confiança da comunidade." Por isso, ele forrou as paredes do posto de segurança com fotos antigas do bairro para dar um ar de acolhimento.

Também ajudou o fato de, antes de ser policial, ter se formado professor de biologia. "Um dos meus prazeres é, nos horários vagos, dar aula voluntariamente para alunos de escolas públicas." Sem dinheiro, pediu emprestado um projetor e as caixas de som; a escola pública cedeu as cadeiras. No lugar do telão, usou a parte de trás de uma placa com o anúncio de uma farmácia. Uma locadora cedia os filmes. "Era tudo improvisado, mas funcionava."

As experiências comunitárias do sargento renderam-lhe um prêmio do Instituto Sou da Paz, concedido a policiais inovadores. Com o dinheiro, Luiz Carlos comprou um telão e caixas de som -e, assim, aumentou a audiência dos filmes. "Só não tem sessão quando chove." Para que não o acusem de nenhuma irregularidade, ele está se acertando com distribuidoras e empresas privadas para apoiar o projeto.

O final feliz desse roteiro comunitário está numa estatística. Quando ele iniciou o policiamento ali, a média de roubos de carros era de 40 por mês -agora está em seis. Há ações que explicam essa queda -a melhor gerência do efetivo policial, por exemplo. Mas o sargento diz não ter dúvida de que o cinema na praça ajudou a desenvolver uma confiança em seu trabalho.


Link relacionado:
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Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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