REFLEXÃO


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urbanidade
20/02/2008

Vivendo numa vitrine

Diferentemente de uma loja, seu espaço não tem vitrines ou placa e ninguém chega
sem avisar



O designer de móveis Paulo Castellotti não tinha dinheiro para manter ao mesmo tempo uma casa e uma loja. O problema virou uma solução financeira e uma inovação urbanística.

Ele transformou todos os espaços de sua residência, um sobrado de cem metros quadrados numa vila do Itaim Bibi (zona oeste de São Paulo), em cenários para expor as suas criações -e decidiu viver lá dentro.

Morar num showroom foi traduzido por muitos clientes como um estilo que combina com o design contemporâneo proposto por Castellotti. "O resultado não previsto da minha falta de dinheiro foi fazer um espaço em que o criador e a criação, o vendedor e o produtor, o descanso e o trabalho não se separam nunca", reflete o designer.
Essa falta de separação significa também um diferente jeito de morar e de atender aos clientes. Ele recebe gente em sua casa nos horários mais diferentes, mesmo quando está prestes a dormir ou ainda de manhã, quando está saindo da cama.
Diferentemente de uma loja, seu espaço não tem vitrines ou placa e ninguém chega sem avisar. Castelotti só atende clientes com horário marcado. "Tenho de respeitar a calma da vila, não quero incomodar os vizinhos."

Até virar designer, Castellotti passou por várias fases. Desde menino gostava de artes plásticas, mas achava que esculpir e pintar quadros não lhe permitiria sobreviver.

Optou pelo estudo de publicidade, supondo que, por esse caminho, se dedicaria ao cinema. "Logo vi que estava errado." Ficou, porém, a frustração de não ter feito um filme.

"Pensei em cursar arquitetura, mas não estava disposto a enfrentar uma segunda faculdade." Já vinha experimentando, com prazer, produzir objetos em marcenarias. "Eu me sentia criando esculturas."

Descobriu-se, então, desenhando protótipos de móveis e descobrindo artesãos que pudessem, em pequenas marcenarias espalhadas pela cidade, quase todas na periferia, desenvolver suas invenções.

Faltava, porém, um local onde pudesse expor os seus móveis. Não havia nenhuma chance de fazer investimento em uma loja. Pensou muito até transformar sua casa num showroom, onde seu quarto, ainda que desarrumado, fosse observado por estranhos. Tinha medo de perder aquele ambiente aconchegante e provinciano de casa de vila. "Posso ir à padaria e deixar a porta de casa aberta." Resolveu experimentar -e, apesar de todos os inconvenientes, já não sabe se mudaria de estilo de vida. Sua vida na casa passou a ser uma parte da marca dos móveis.

Pelo menos num ponto ele realizou o seu projeto, frustrado, de cineasta: não fez nenhum filme, mas acabou vivendo dentro de um cenário.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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