Diferentemente
de uma loja, seu espaço não tem vitrines ou
placa e ninguém chega
sem avisar
O designer de móveis Paulo Castellotti não tinha
dinheiro para manter ao mesmo tempo uma casa e uma loja. O
problema virou uma solução financeira e uma
inovação urbanística.
Ele transformou todos os espaços de sua residência,
um sobrado de cem metros quadrados numa vila do Itaim Bibi
(zona oeste de São Paulo), em cenários para
expor as suas criações -e decidiu viver lá
dentro.
Morar num showroom foi traduzido por muitos clientes como
um estilo que combina com o design contemporâneo proposto
por Castellotti. "O resultado não previsto da
minha falta de dinheiro foi fazer um espaço em que
o criador e a criação, o vendedor e o produtor,
o descanso e o trabalho não se separam nunca",
reflete o designer.
Essa falta de separação significa também
um diferente jeito de morar e de atender aos clientes. Ele
recebe gente em sua casa nos horários mais diferentes,
mesmo quando está prestes a dormir ou ainda de manhã,
quando está saindo da cama.
Diferentemente de uma loja, seu espaço não tem
vitrines ou placa e ninguém chega sem avisar. Castelotti
só atende clientes com horário marcado. "Tenho
de respeitar a calma da vila, não quero incomodar os
vizinhos."
Até virar designer, Castellotti passou por várias
fases. Desde menino gostava de artes plásticas, mas
achava que esculpir e pintar quadros não lhe permitiria
sobreviver.
Optou pelo estudo de publicidade, supondo que, por esse caminho,
se dedicaria ao cinema. "Logo vi que estava errado."
Ficou, porém, a frustração de não
ter feito um filme.
"Pensei em cursar arquitetura, mas não estava
disposto a enfrentar uma segunda faculdade." Já
vinha experimentando, com prazer, produzir objetos em marcenarias.
"Eu me sentia criando esculturas."
Descobriu-se, então, desenhando protótipos de
móveis e descobrindo artesãos que pudessem,
em pequenas marcenarias espalhadas pela cidade, quase todas
na periferia, desenvolver suas invenções.
Faltava, porém, um local onde pudesse expor os seus
móveis. Não havia nenhuma chance de fazer investimento
em uma loja. Pensou muito até transformar sua casa
num showroom, onde seu quarto, ainda que desarrumado, fosse
observado por estranhos. Tinha medo de perder aquele ambiente
aconchegante e provinciano de casa de vila. "Posso ir
à padaria e deixar a porta de casa aberta." Resolveu
experimentar -e, apesar de todos os inconvenientes, já
não sabe se mudaria de estilo de vida. Sua vida na
casa passou a ser uma parte da marca dos móveis.
Pelo menos num ponto ele realizou o seu projeto, frustrado,
de cineasta: não fez nenhum filme, mas acabou vivendo
dentro de um cenário.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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