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REFLEXÃO


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urbanidade
21/06/2006
Cripta musical

Oferecer música gratuita nos subterrâneos da catedral da Sé seria um meio de ajudar a vocação à cultura do centro

O padre Juarez Pedro de Castro, 40 anos, mineiro de Lavras, está envolvido em um dos projetos musicais mais ousados da cidade de São Paulo: oferecer em todos os dias do ano uma atração musical gratuita nos subterrâneos da catedral da Sé. "A música e Deus sempre estiveram próximos", afirma o padre Juarez, um apreciador das composições sacras e da bossa nova.

O projeto começou a surgir depois da reforma da catedral da Sé, onde o padre Juarez atua como vigário auxiliar. "A Sé é, indiscutivelmente, uma das cinco mais belas catedrais do mundo", orgulha-se. Como atrair as pessoas para admirar essa beleza e, ao mesmo tempo, freqüentar a igreja? A resposta estava na cripta, onde está enterrado, por exemplo, o cacique Tibiriçá, um dos primeiros jesuítas que chegaram, no século 16, a São Paulo, para evangelizar os índios e, com uma escola, fundaram a cidade.

Um grupo de religiosos teve a idéia de transformar a cripta num auditório para apresentação de corais e orquestras de músicas eruditas, de preferência com raízes sagradas. Constatou-se que havia muitos corais religiosos que estariam interessados em se apresentar na Sé. "A história da evangelização está ligada à história da arte. Pintura, arquitetura, música e escultura eram linguagens usadas para a igreja se comunicar com os fiéis." Por esse mesmo motivo, o Páteo do Colégio, onde a cidade nasceu, planeja uma série de concertos nos finais de semana e, se tiver recursos, na happy hour. Ocupar a cripta, com arte, apenas manteria essa tradição. Faltava, porém, o essencial: o patrocínio. Afinal, se teria de bancar apresentações o ano inteiro. "Queremos que todos saibam que todos os dias, rigorosamente todos, se poderá apreciar na catedral uma boa música", diz o padre Juarez.

Os planos da cripta acabaram chegando ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. "Por mim, está aprovado", mandou dizer, de olho, de um lado, na revitalização da região central, uma das prioridades de sua gestão, e, de outro, na simpatia da Igreja Católica. Seria mais um meio de ajudar a vocação à cultura do centro, onde estão surgindo salas de concertos, teatros e museus, num esforço de combate à deterioração urbana. A poucos metros dali, o Colégio São Bento já oferece concertos internacionais de música erudita em seu teatro recém-reformado. Entra-se, agora, num debate complexo na hierarquia da Igreja Católica -o que deve ou não ser tocado na cripta . "Não se quer, com essas atrações, dessacralizar o espaço", pondera o padre Juarez. Esse debate é o único fator que, no momento, está segurando o projeto -afinal, a verba para o lançamento da idéia pelo menos neste ano já está disponível. Juarez sabe que é difícil, mas, se pudesse, gostaria de ouvir na cripta, de vez em quando, além das harmonias barrocas e do som do órgão, a batida da bossa nova que aprendeu admirar. "Sinceramente, acho que Tom Jobim é divino."


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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