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REFLEXÃO


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folha de s.Paulo
22/08/2004
Estão seqüestrando até "flanelinha"

Um "flanelinha" e um vendedor de chiclete na rua já foram seqüestrados na cidade de São Paulo. Exigiu-se um resgate de R$ 700 reais, num claro sinal de que essa modalidade de crime, comandada inicialmente por "profissionais", entrou na fase do vale-tudo dos amadores.

O número de seqüestros "tradicionais", que exigem resgate, caiu, mas os do tipo "relâmpago" viraram rotina: registram-se 40 casos por mês.
O ambiente de vale-tudo explica por que o pânico se reinstalou na cidade de São Paulo: começaram a capturar mais estudantes a caminho da escola.

Não há, neste momento, nenhum outro assunto mais importante para as classes média e alta paulistanas do que o pavor de ver os filhos raptados. Os colégios tomam medidas de segurança inimagináveis até pouco tempo atrás: ônibus monitorados por satélites, sistemas de câmeras nas ruas próximas da escola, equipes de vigias circulando pelo bairro. Quem for a uma escola de elite verá ainda mais freqüentemente estudantes chegando com guarda-costas.

Um tradicional estabelecimento de ensino sugeriu a seus alunos que não andassem a pé ostentando na roupa emblemas que identificassem onde estudam. Garagens são construídas especialmente para que os alunos evitem as ruas.

Esse pânico é a ponta mais saliente da degradação social que terá de ser assumida, pelo menos em parte, pelo próximo prefeito -uma degradação que, na quinta-feira, ganhou ares ainda mais tenebrosos com a chacina de moradores de rua.

Uma bateria de dados da Fundação Seade, divulgada na última quinta-feira, mostra o tamanho da crise social na cidade, combustão da violência. O desemprego entre jovens de 18 a 24 anos chega a quase 30%; em 1995, ficava em 18%. Olhando assim, percentualmente, a cifra pode não impressionar, mas, em números absolutos, são mais de 300 mil jovens -e isso sem contar os que já pararam de procurar emprego e não entram na estatística de desocupação.

De acordo com a Fundação Seade, em alguns bairros periféricos, de cada 10 crianças que nascem 3 vêm de adolescentes. Isso explica, em parte, que, nessas regiões, a taxa de fecundidade seja maior e concentre a maior percentagem de jovens.

Excesso de jovens e falta de ocupação juntos constituem um dos óbvios combustíveis da delinqüência.

Ainda não está sendo discutida com a intensidade necessária, nestas eleições, uma das piores heranças que estamos deixando para as crianças e adolescentes: a herança do medo. Estamos sitiados -e cada vez mais sitiados.

Mesmo que aumente o crescimento econômico, como está de fato aumentando, o suprimento de jovens desolados, atraídos pela violência ou em situação de risco é gigantesco e permanecerá gigantesco.

Uma discussão séria para o próximo prefeito é a que busca saber até que ponto se consegue articular toda a comunidade e as diferentes esferas de poder (municipal, estadual e federal) para lidar com as zonas conflagradas.

Já existem, isoladamente, experiências interessantes, com programas que tentam fugir da fragmentação de esforços. Mas estamos muito longe de ter uma rede atuando em conjunto para reduzir a exclusão social no geral e a do jovem em particular.

Articular redes dos mais diferentes núcleos de poder, a começar dos prefeitos da região metropolitana, indo do governo federal à mais humilde das associações de bairro da periferia, talvez seja a mais importante tarefa do próximo prefeito para reduzir a exclusão. Pouco, na verdade, pode um prefeito fazer quanto à repressão.

A novidade é que os ventos são favoráveis à montagem de redes para melhorar a qualidade de políticas públicas contra a miséria. Nos governos federal, estadual e municipal, além das direções de fundações empresariais e de entidades não-governamentais, desenham-se alguns consensos. Um deles é o de que se deve sempre trabalhar articuladamente e com um foco delimitado -evita-se, assim, a superposição de tarefas. O chamado terceiro setor é um laboratório de soluções baratas e criativas.

Tanto na prefeitura como no governo de São Paulo, atuam importantes técnicos, de origem na vida acadêmica, já desenvolvendo experiências férteis de trabalho em rede -é o caso dos programas de renda mínima.

Em poucas palavras, prospera uma tendência de refinamento das políticas públicas na área social e de profissionalização das entidades não-governamentais e das ações comunitárias das empresas. Falta alguém que possa fazer essa amarração, e esse alguém só pode ser o prefeito. Necessita-se menos de obras do que da coordenação de potencialidades e inteligências.

PS - Até agora, nenhum dos candidatos a prefeito de São Paulo apresentou nada, rigorosamente nada, de consistente para montar uma rede contra a violência. Seria muito importante que estudássemos as experiências da Colômbia, desconhecidas no Brasil, em que prefeitos de Bogotá, de Cali e de Medellín obtiveram êxito em programas de prevenção à violência.



Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano .

   
 
 
 

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