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REFLEXÃO


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urbanidade
25 /02/2004

O menino ficou sem as lagostas

Imagens da infância fizeram com que Geraldo Rangel, passeando pela avenida São João, onde morou quando era criança, cruzasse a rua em direção ao chafariz da praça Júlio de Mesquita à procura de lagostas de bronze. "Foi uma decepção", conta. As lagostas, fixadas na memória do menino, tinham sido arrancadas.

Decepção compreensível. Ele é um dos últimos paulistanos de classe média que, na infância, brincavam no centro. Praças, para ele, não eram cenários ameaçadores, mas locais de brincadeira. Geraldo morava na avenida São João e tinha um avô que vivia na praça da Sé. Acompanhava os pais nos então charmosos cinemas e descobria curiosidades na "feira hippie" da praça da República. As lagostas do chafariz faziam parte de seus trajetos.

De volta a seu gabinete, com as lagostas na cabeça, decidiu reagir. Começou a preparar uma ação, a ser lançada depois do Carnaval, para exigir da prefeitura que cuide melhor dos monumentos da cidade. Ação seria apenas um desabafo nostálgico de um cidadão inconformado, desses que povoam a cidade, se Geraldo Rangel não fosse promotor estadual do Meio Ambiente. "É inacreditável o número de monumentos jogados às traças."

Geraldo, para quem zelar pela cidade é uma questão não apenas de nostalgia mas de obrigação profissional, está metido em algumas das polêmicas que envolvem São Paulo. Conseguiu evitar o início do processo de despoluição do rio Pinheiros, prestes a entrar em teste, exigindo estudos mais detalhados. Isso o levou a ser acusado por gente do governo, mais especificamente do PSDB, de estar a serviço do PT. "Estou a serviço do que diz a lei", defende-se.

Resolveu atacar um dos novos cartões-postais paulistanos, o show de jatos e luzes do lago do parque Ibirapuera. Por causa das suspeitas de que aquela mistura de jatos e água poluída poderia espalhar doenças entre os espectadores, pediu a especialistas que elaborassem um laudo sobre o assunto. Dessa vez, foram funcionários da prefeitura petista que o acusaram de "radical". "Infelizmente, as pessoas ainda não entendem o papel de um promotor", afirma.

Assim como conseguiu deter as obras de despoluição do rio Pinheiros -e, depois, aceitou negociar a sua retomada se os testes fossem acompanhados de estudos de impacto ambiental-, ele promete lutar para suspender o show se houver risco à saúde pública, o que certamente vai dar bem mais trabalho à prefeitura do que devolver as lagostas ao chafariz.





Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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