A volta
aos estudos trouxe-lhe o prazer da poesia e um projeto profissional.
Agora, João quer chegar à faculdade
EM 2004, aos 42 anos de idade, João Jesus Santos,
que ainda não tinha sequer diploma do ensino fundamental,
decidiu voltar para a escola. O que o impulsionou a retomar
os estudos foi um único objetivo: conseguir escrever
poesias. A súbita decisão ocorreu no Bar do
Zé Batidão, no Jardim São Luís,
zona sul de São Paulo, quando viu, pela primeira vez,
um sarau. "Não conhecia nem mesmo a palavra sarau."
O que entusiasmou João Santos foi tomar contato, no
Bar do Zé Batidão, com uma tribo paulistana
- os poetas da periferia, reunidos sob a sigla Cooperifa,
de Cooperativa Cultural da Periferia. "Senti muita emoção
ao ver pessoas que conheci na infância declamando com
tanto entusiasmo." João tinha interrompido os
estudos na sétima série para trabalhar. "Passei
a ganhar meu dinheiro. Diversão, para mim, era só
barzinho e salão de festa." A poesia levou-o a
caminhos inesperados e envolveu toda a sua família.
Cerca de 300 pessoas se reúnem nas noites de quarta-feira
no Bar do Zé Batidão, onde João Jesus
conheceu os mais diversos personagens encantados pela poesia
- uma galeria que vai dos repentistas nordestinos aos rappers,
passando por sambistas e pagodeiros. "Somos uma espécie
de quilombo cultural", define Sérgio Vaz, um dos
idealizadores da Cooperifa. De lá se espalharam saraus
em diversos pontos da periferia.
Logo João estaria lendo Carlos Drummond de Andrade
e, num caderninho, começou a rabiscar poesias. A primeira
delas começa assim: "Se eu pudesse contar as estrelas
do céu/ Ou medir a imensidão do mar/ Podia dizer
com certeza o tempo que irei te amar."
O entusiasmo de João pelas letras atraiu o interesse
dos filhos. "Eles ficaram curiosos em ler minhas poesias.
De repente, toda a minha família estava influenciada
pela poesia." Seu projeto é lançar um livro
com suas poesias, todas românticas.
Antes do livro, porém, já conseguiu tirar uma
obra do papel. Da poesia, nasceu algo concreto. Inspirado
na animação do Bar do Zé Batidão,
ele criou um centro cultural em M' Boi Mirim, bairro da zona
sul de São Paulo, com aulas de violão, música,
esporte, artesanato - e, é claro, poesias. Até
o final do ano, deve surgir ali um telecentro, afinal eles
já conseguiram a doação de dez computadores.
A volta aos estudos trouxe-lhe o prazer da poesia e um projeto
profissional. Agora que concluiu, num supletivo, o ensino
fundamental, ele quer chegar à faculdade para se dedicar
ao direito. E, para isso, buscou inspiração
em Castro Alves, um de seus poetas favoritos, ex-aluno do
Largo São Francisco. "O que aprendi, de verdade,
com a poesia foi a sonhar."
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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