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ceará
22/07/2004
Pescadores transformam cultivo de algas marinhas em lucro

Parece história de pescador, mas não é: nos últimos cinco anos, Raimundo Nunes, de 36 anos, viu dobrar o volume de peixes recolhidos por sua rede na praia de Flecheiras, no município cearense de Trairi, a 137 quilômetros de Fortaleza. Se antes pescava de 15 a 20 quilos num dia bom, hoje ele consegue até 40 quilos de camarão, lagosta, sirigado, cioba, entre outros. A multiplicação dos peixes é resultado de um curioso e bem-sucedido projeto para ampliar a produção de algas, que influenciam o volume do pescado por estarem na base da cadeia alimentar.

De 1999 para cá, 22 famílias de Flecheiras e Guajiru, também em Trairi, deixaram de arrancar as algas gracilarias dos bancos naturais no mar e passaram a cultivá-las em cordas submersas. Isso mesmo: com o Cultivo Comunitário de Macroalgas, projeto cadastrado no Banco de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil, foi afastada a ameaça de extinção da planta, que contém um gel, o agar, usado como matéria-prima nas indústrias alimentícia, farmacêutica e de cosméticos. O extrativismo desenfreado por mais de 30 anos já havia causado uma queda de 70% na produção, levando famílias que tinham nas algas um complemento para sua renda desistirem do negócio. Além disso, o cultivo tornou mais rentável o comércio da gracilaria, que na localidade é apelidada de macarrão por causa de sua forma.

À frente do projeto está o engenheiro de pesca Dárlio Inácio Alves Teixeira, professor do curso de bioquímica da Universidade Federal do Ceará. Há sete anos, ele foi a Trairi dar uma aula de biologia aquática e, conversando com os pescadores, percebeu que era preciso interromper a atividade predatória com urgência. “A praia de Barrinhas, em Icapuí, foi o maior pólo produtor de algas e nos últimos meses não tivemos sinal delas”, lamenta Dárlio. Então ele se inspirou numa experiência de cultivo da gracilaria feita no Chile há mais de 20 anos.

Mas como se faz a plantação da alga? O primeiro passo é, nas marés baixas, a extração das mudas pelas algueiras (as mulheres coletoras de algas). Feito isso, um mutirão de cerca de 40 pessoas enxerta essas mudas e as amarra numa estrutura de cordas (uma corda central de 50 metros à qual estão presas outras 50 de um metro). Fixadas as mudas, as cordas são levadas ao mar pelos pescadores e ficam ancoradas durante os dois meses necessários ao crescimento das plantas.

E o trabalho não pára aí. Enquanto as cordas estão submersas, é preciso fazer sua manutenção, removendo outras algas e pequenos moluscos que, agarrados a elas, atrapalham o crescimento da gracilaria e podem provocar cortes nas pessoas durante a colheita. “É como tirar ervas daninhas”, diz Dárlio Teixeira. Retiradas do mar, as cordas, que chegam a pesar 200 quilos por causa das plantas e da água salgada, são transportadas por dois bois até o galpão da associação de moradores. Ali, as algueiras se sentam no chão e, com uma faquinha, dedicam-se pacientemente a soltar a gracilaria. Por fim, as plantas são lavadas e seguem para o secador, que as deixará prontas para serem vendidas. Nesta etapa, conta-se com um secador abastecido com energia solar criado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energia Renováveis (Ider). O aparato seca o material em cerca de três horas (1/3 do tempo do convencional) e custa apenas R$ 3,5 mil (1/3 do preço).

Valor mais alto
Ao contrário das algas colhidas nos bancos naturais, as cultivadas não têm areia e lodo e, por isso, atingem um preço maior no mercado: segundo Teixeira, o quilo custa R$ 2,50, bem mais que os R$ 0,30 obtidos antes. Quando arrancava as algas, Raimundo Nunes conseguia R$ 60 por mês, mas com a técnica do cultivo pode ganhar até R$ 300. “Com essa diferença, fiz uma reforma lá em casa, comprei equipamentos de pesca e agora estou fazendo um barco maior, para trabalhar em alto-mar”, conta ele, pai de quatro filhos: “é bom contar com uma renda certa, sem ficar a mercê da chuva e do calor, que afetam a pesca”.

De acordo com Dárlio Teixeira, a maior produção de algas – e o conseqüente aumento do pescado – beneficiou, direta e indiretamente, cerca de cinco mil moradores das duas comunidades. “Como a cidade vive dos frutos do mar, a economia local se tornou mais dinâmica”, ele avalia.

E pode se tornar ainda mais. Por enquanto, as estruturas de cordas para o cultivo das algas são comunitárias, mas a intenção é que cada família tenha a sua. Os produtores de alga de Trairi também vislumbram uma fábrica de cosméticos na região para absorver a produção. “Nosso sonho é ter uma fábrica que compre direto da gente e gere mais empregos aqui”, diz Marta Helena Viana, presidente da Associação de Produtores de Algas de Flecheiras e Guajiru. Os produtores, que antes só tinham como cliente a fábrica paraibana Agar Brasileiro, hoje atendem a quatro indústrias nordestinas. A expectativa é abastecer a mais de 30 empresas nos próximos anos.

Além de preservar o meio ambiente e ser uma alternativa de renda, o cultivo das algas proporcionou uma lição de cidadania na região. Para os pescadores, não era fácil ver as mulheres assumindo novas tarefas, como assistir a reuniões sobre os rumos do projeto. Daí surgiu a idéia do Instituto Terramar, ONG que apóia o projeto, de oferecer oficinas de gênero, com 40 horas-aula, para acabar com esse machismo.

“Foi uma atividade complementar, mas fundamental. Antes da oficina, era comum ver maridos proibindo as mulheres de assistirem às reuniões”, lembra Dárlio Teixeira, que também é pesquisador do Terramar. Também por iniciativa do instituto, um grupo de algueiras já visitou cinco escolas para, dentro da chamada Caravana Ambiental, dar palestras sobre a importância das algas. “Foi ótimo para a auto-estima das algueiras porque elas se sentiam isoladas, embora seu trabalho beneficiasse a todos”, diz o pesquisador.

Com os resultados positivos do projeto em Trairi, em 2001 a técnica de cultivo de algas foi levada para o Rio Grande do Norte e a Paraíba pela FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. A entidade investiu R$ 60 mil para pesquisar e produzir as estruturas de cordas no Ceará. No ano passado, chegou um financiamento de R$ 50 mil da agência ambiental do governo alemão, a GTZ, que foi usado para aperfeiçoar o equipamento. Foi mais uma demonstração de confiança no potencial do projeto, que pode ganhar relevância nacional. Isto porque o aumento da produção de algas permitirá ao Brasil reduzir a dependência da gracilaria importada, colhida principalmente no Chile. “Atualmente, o país produz menos da metade das algas que consome. Com a expansão do cultivo aqui e a reprodução da técnica em outras comunidades, essa situação está com os dias contados”, afirma Teixeira.


As informações são da Fundação Banco do Brasil.

 
 
 

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