HOME | NOTÍCIAS | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 

Desnutrição
27/08/2004

Associação Prato Cheio reúne jovens voluntários para combater a fome

Sábado, 8 horas da manhã. Os jovens vão chegando aos poucos ao lado do Mercado Municipal, em São Paulo. Eles já estão prontos para mais uma jornada. Não se trata de nenhuma atividade de lazer. O programa desse grupo tem um sabor muito mais especial. Eles se reúnem para combater a fome e a desnutrição na cidade. Após algumas horas de dedicação e trabalho, o resultado é a arrecadação de mais de uma tonelada de alimentos que serão encaminhadas a entidades assistenciais da cidade. A iniciativa tem como objetivo garantir que cerca de 1.800 pessoas tenham acesso à alimentação adequada.

Essa é a rotina escolhida por 10 jovens voluntários da Associação Prato Cheio, organização não-governamental fundada em abril de 2001. A idéia partiu da pedagoga Leny Pripas que se sensibilizou pela causa ao conhecer a experiência do projeto Mesa São Paulo, do Sesc, e passou a trabalhar no grupo "Ajuda Alimentando" da Federação Israelita. Com o intuito de ampliar a coleta de alimentos no Mercado em dias diversos dos outros grupos, Leny propôs que alguns jovens tomassem frente a uma ação similar. Nascia assim a Associação Prato Cheio.

Todos os sábados, o grupo reúne os alimentos doados pelos permissionários do Mercado Municipal, faz uma triagem inicial e separa os alimentos que têm valor nutricional, mas não valor comercial e de venda, como a banana quase madura ou o mamão um pouco amassado, de acordo com o perfil de cada organização.

"A gente sabe, por exemplo, que não adianta levar para o asilo alimentos duros que não serão utilizados ou quiabo para as creches que as crianças não comem. Hoje, muitos permissionários doam metade da barraca, cinco ou seis sacas, com alimentos em ótima qualidade, porque acreditam no trabalho. Precisamos mostrar que a entidade é idônea, pois eles têm medo de doar já que algumas pessoas pedem doação, mas vendem esses alimentos", comenta Elisa Valente, 22 anos, diretora-executiva da ONG.

Depois de tudo etiquetado, os alimentos são levados até as instituições. Todo o trabalho é repetido às segundas-feiras, no Centro de Distribuição de Alimentos Orgânicos Horta e Arte, na cidade de Cotia, e às quartas-feiras no Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). Assim, semanalmente, 15 entidades recebem verduras, legumes, frutas e pães para melhorar a alimentação dos atendidos, sejam crianças, jovens, adultos ou idosos, e ampliar e diversificar o seu cardápio, contribuindo para que essa parcela da população consuma as 2.500 calorias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

"As pesquisas apontam que 330 mil crianças no Estado de São Paulo passam fome. Mas o que é passar fome? Elas podem até comer pão todo dia, mas não tem alimentação adequada de acordo com as normas de segurança alimentar", comenta Elisa.

"Se não recebêssemos esses alimentos, teríamos que comprar e, com certeza, ficaria muito mais restrito. Agora, a gente trabalha com mais tranqüilidade. Com a parceria, podemos enriquecer a alimentação das 200 pessoas em situação de rua atendidas diariamente pela organização, oferecendo sopas mais nutritivas, por exemplo, ou um suco de fruta natural", afirma Mario Antonio Ferro, agente educacional da Associação Minha Rua Minha Casa, localizada na baixada do Glicério, no Centro de São Paulo.

Antes de receber os alimentos, os voluntários fazem uma visita técnica nas entidades para verificar o número de pessoas atendidas, as necessidades reais da organização e se já não recebem outras ajudas. A instituição precisa ter uma pessoa responsável pela alimentação e realizar projetos de reinserção social com os atendidos. "Queremos tirar a preocupação dessas pessoas em conseguir alimentos satisfatórios para que possam pensar nos seus cursos e projetos", diz Rodrigo Reif, presidente da Prato Cheio.

Durante estes três anos, a organização ampliou sua atuação e procurou alternativas para conseguir recursos, já que, no início, eram os próprios fundadores que disponibilizavam a verba. Para isso, em 2002, a entidade fez uma parceria em que toda a renda dos ingressos da pré-estréia das peças do ator Paulo Altran fosse revertida para a instituição. A organização desenvolveu ainda uma primeira linha de pratos decorativos com o tema da fome para serem comercializados e foi em busca de doadores fixos. Já em 2003, um novo evento foi organizado, com leilão de peças doadas, conquistando novas parcerias.

"O ano passado, com o presidente Lula levantando a bandeira da fome como prioritária, tivemos mais posição e criamos parcerias com o governo que, de fato, não foram para frente. Achamos que com essa postura o governo pudesse ouvir mais as ONGs, mas o presidente trouxe um programa já preparado", ressalta Rodrigo. Com o tema em evidência, a associação conseguiu o apoio de uma fundação internacional.

Comida na mesa
Desde agosto de 2003, a organização passou a desenvolver outras atividades, a fim de ampliar os impactos da coleta de alimentos. A Prato Cheio oferece, a cada dois meses, cursos sobre o desperdício e que ensinam a como melhor utilizar os alimentos doados de modo a preservar os seus valores nutricionais. "Percebemos que não adiantava enviar os alimentos se, muitas vezes, as entidades não sabiam o que fazer com eles e eram desperdiçados por falta de conhecimento. Elas tinham muitas dificuldades até com coisas básicas de higiene, como arrumar a geladeira", recorda Elisa.

As cozinheiras e merendeiras das organizações participam do curso com a nutricionista da Prato Cheio e voluntárias no laboratório de nutrição da Universidade Anhembi-Morumbi, que doa o espaço. Durante as atividades, as participantes aprendem a preparar receitas mais nutritivas e a reaproveitar os alimentos.

Na Associação Minha Rua Minha Casa, os próprios moradores de rua associados, cerca de 50, são os responsáveis por diversas atividades na organização, como a preparação das refeições. Eles também participam dos cursos oferecidos pela Prato Cheio. De acordo com o educador Mario Antonio Ferro, eles retornam para a entidade repletos de idéias. "O interessante é que é uma forma de capacitação também. Eles se tornam multiplicadores na organização e ainda tem a oportunidade de sair um pouco do isolamento", destaca.

A Prato Cheio faz ainda, mensalmente, a avaliação nutricional de cerca de 180 crianças das instituições atendidas para verificar se elas estão semidesnutridas. "Essa segunda etapa do nosso trabalho é fundamental. Uma criança que é subnutrida, com falta de algum tipo de alimento e vitamina, não terá um bom aprendizado. Pode prejudicar o seu futuro", destaca a diretora-executiva.

Kátia Moraes Santana, da Creche Lar Infantil, afirma que esta iniciativa de pesar e medir as crianças da entidade tem facilitado muito o trabalho da enfermeira, que agora tem relatórios completos e com sugestões de uma nutricionista sobre a saúde dos atendidos. "Além disso, as crianças têm aceitado muito bem os legumes e verduras nas refeições o que é ótimo para o seu desenvolvimento. Até mesmo a sopinha dos bebês foi reforçada".

Novos planos
Ação em parceria. É assim que a Prato Cheio pretende ampliar ainda mais as atividades desenvolvidas para combater a fome. A associação faz parte do Consórcio de Organizações de Combate à Fome e Subnutrição de São Paulo, que reúne 20 outros projetos que lutam pela causa, como a ONG Banco de Alimentos, o Mesa Brasil, até os bancos de alimentos da prefeitura de São Paulo, Santo André, São Jose do Rio Preto, e de outros municípios. A proposta é trabalhar em sinergia e não duplicar esforços em vão.

Com o consórcio, o grupo organizou uma lista única de entidades que precisam receber doações e, cada organização, colabora com uma. Rodrigo Reif explica que o primeiro passo é sempre procurar um entreposto de doação de alimentos e a Associação procura operacionalizar o restante, como o transporte, a partir de parcerias.

As organizações que fazem parte do consórcio estão realizando, até a próxima semana, um trabalho de sensibilização junto aos permissionários do Ceagesp para conseguir doações. Até o momento, os alimentos arrecadados são aqueles apreendidos, que chegaram ao entreposto sem nota fiscal. "Teoricamente, o Ceagesp já inaugurou um banco de alimentos, na sexta-feira passada, e as atividades estão começando. Portanto, se existe um banco, é preciso doações", explica Elisa.

A dificuldade, no entanto, de ampliar as ações ocorrem devido a problemas internos entre a administração e os permissionários. A proposta inicial do projeto, segundo Rodrigo, era modificar o atual esquema do Ceagesp, envolvendo todos para reduzir o desperdício, calculado em torno de 80 toneladas por dia.

"Estávamos animados para fazer parte disso. O Fome Zero foi instinto e essa linha de financiamento sumiu. Pela parte do governo ficou solto o projeto". Agora, as organizações tentam retomar as atividades. "É trabalho de formiguinha mesmo. Tem alimento para todos e queremos dar um fim útil para aquele alimento", comenta o presidente da Prato Cheio. Problemas similares a associação enfrenta também na arrecadação do Mercado Municipal. "Temos que andar de acordo com que está rolando. As pessoas que estão no poder são despreparadas e não tem a mínima sensibilidade", critica.

Apesar destas dificuldades, os voluntários acreditam que as ações de combate à fome estão se multiplicando pelo país e, cada vez mais pessoas, estão conscientes da importância de colaborar. No entanto, mesmo frente a essa nova postura da sociedade, dificilmente novos voluntários se dispõem a colaborar efetivamente com o trabalho da associação. Elisa afirma que é difícil um jovem se comprometer. "A gente se pergunta: o que fazer para motiva-los e fazê-los vestir a camiseta como fizemos um dia?", pergunta ela, que se tornou voluntária da associação para fazer algo de bom para a sociedade.

Os voluntários garantem que essa motivação é que traz novas idéias a cada dia para a associação. Planos não faltam na Prato Cheio. A organização pretende se aproximar das universidades e das empresas e desenvolver novas atividades, como a organização de cursos com chefes de cozinha, e ainda envolver as pessoas das entidades no processo de coleta, para estarem em conjunto com os permissionários, participando de todas as etapas do processo.

"A gente tem que começar com aquilo que está ao nosso alcance. Mas a questão da fome é muito mais estrutural. É preciso redistribuir mesmo, tanto as riquezas quanto os alimentos porque o problema do Brasil não é falta de produção. Tem para todo mundo e sobra. Temos que aproveitar enquanto existe ainda financiamento para os projetos no país, já que, cada vez mais, os fundos de recursos estão migrando para a África", destaca Rodrigo.

Associação Prato Cheio
Avenida Brigadeiro Faria Lima, nº 628, 3º andar, São Paulo, Cep: 05426-200.
Telefone: (11) 3035-1850
Site: www.pratocheio.org.br
E-mail: info@pratocheio.org.br
Como ajudar: os interessados em participar das atividades da associação podem se tornar um sócio-contribuinte, fazer doações ou ainda atuar como voluntário nas coletas. A Prato Cheio conta ainda com produtos para venda, como a linha de pratos. Os produtos e valores estão disponíveis no site.

DANIELE PRÓSPERO
do site Seto3

 
 
 

NOTÍCIAS ANTERIORES
27/08/2004 Novo projeto leva Justiça à população de baixa renda no Rio
26/08/2004 Jovens reivindicam políticas públicas de assistência e prevenção
26/08/2004
Oficinas de sensibilização familiar são alvos em projetos sociais
25/08/2004 Atendimento oftalmológico gratuito melhora desempenho de estudantes
25/08/2004
Menino faz poesia da realidade
24/08/2004
Moradores de favelas investem em hortas particulares
24/08/2004
Rede C&A investe US$ 38 milhões em empreitadas sociais
24/08/2004 Campanha defende a infância
23/08/2004 Arte de construir instrumentos musicais se multiplica em favelas
23/08/2004
Consumidor consciente busca comércio solidário