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Farmácia caseira
24/08/2004

Moradores de favelas investem em hortas para garantir vidas saudáveis

Pequenos pedaços de terra no quintal e terrenos baldios estão dando lugar a hortas particulares que têm garantido a saúde de moradores da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A prática ajuda a propagar o conhecimento milenar da cura através das plantas medicinais e ainda estimula a solidariedade, já que essas iniciativas não envolvem dinheiro. A intenção é apenas ajudar ao outro - e a si mesmo.

O barbeiro Edmilson de Oliveira Lins, de 38 anos, por exemplo, planta capim limão, boldo comum e chileno, erva cidreira, pitanga, colônia, insulina e outras ervas em um terreno em frente a sua casa, onde antes havia um depósito de lixo. Essa foi a maneira que Edmilson encontrou de dar continuidade ao trabalho da mãe, morta há um ano. "Ela falava da importância de cada planta para a saúde das pessoas. Tomava chá de insulina, feito diretamente da planta, para diabetes e sempre funcionava", garante Edmilson.

Mas é bom lembrar: apesar da comprovação da eficácia de centenas de receitas caseiras, o mais aconselhável é sempre procurar o médico para confirmar o diagnóstico e o tratamento da doença.

Xarope infalível
Quem costuma buscar ervas na horta de Edmilson é a dona-de-casa Silvana dos Santos Martins, 32 anos, que afirma ter uma receita infalível de xarope contra gripe, febre e dores no corpo. É dessa forma que ela costuma cuidar dos três filhos.

"Coloco guaco, folha de laranja da terra, capim limão, folha de pitanga e um dente de alho. O efeito é rápido. Quando comprava xarope industrializado, eu dava o vidro todo e a doença ainda continuava", conta.

A "fórmula" do xarope lhe foi passada pela sogra que, antes de falecer, deixou um caderno cheio de receitas naturais. Ensinando vizinhos e parentes, Silvana ajuda a eternizar o conhecimento entre os demais moradores da comunidade.

A diarista Joanira Coni, de 65 anos, segue a mesma linha. Além de tratar os cinco filhos e 13 netos, ela distribui as plantas de seu quintal gratuitamente sempre que um vizinho bate à sua casa. De quebra, ainda indica a receita, repassada a ela pelos pais. "Sou baiana e lá na Bahia a gente aprende a cuidar de nossas doenças sem recorrer a remédios", diz.

Longe da cirurgia
As plantas medicinais curam até problemas graves. Quem garante é a dona-de-casa Aparecida Ana Tortelote, de 65 anos, que há mais de 40 anos dedica boa parte de seu tempo à uma rica e variada horta cultivada no quintal. Ela adquiriu o conhecimento através de familiares de seu estado natal, Minas Gerais, e na Cidade de Deus faz questão de ajudar as pessoas.

Depois de muitos exemplos de cura entre seus parentes, ela hoje não duvida do poder do remédio caseiro. "Há meses meu primo vinha sentindo uma forte dor no estômago e os médicos disseram que iam operá-lo. Um senhor idoso o ensinou a tomar arnica do campo junto com levante, durante três meses sem parar. Depois disso, meu primo nunca mais sentiu aquelas dores insuportáveis", revela.

O irmão de Aparecida, que mora em Minas, também passou por uma situação delicada. Diabético, ele precisou amputar um dedo, mas algum tempo depois, o tétano ameaçava tomar conta de seu pé. Quem encontrou a "fórmula" da cura foi outra irmã deles, que amassou um punhado de erva moura e colocou sobre o local. "Aquilo cortou o tétano", garante a dona-de-casa.

Milagres
Aparecida cuida de cinco canteiros, cada um com cerca de quatro metros quadrados, onde há uma enorme variedade de ervas, entre elas, camomila, capim limão, arnica do campo, pata de vaca e amora. Uma das que estão em destaque atualmente é a macaé, ainda pouco difundida. Segundo revela, a macaé é um santo remédio contra dor de estômago e tonteira e tem a vantagem de crescer em qualquer tipo de terra.

"Muitas pessoas não dão valor; acham que são simples plantas e nem imaginam o poder que elas têm", observa. Para essas pessoas, Aparecida costuma cobrar pela planta; para as demais, não. Ela recebe pedidos até de moradores de outras comunidades, que vêm ao seu socorro.

Ela adianta que muitas vezes a certeza da cura vem apenas com o experimento. "Às vezes, a fé em Deus faz poder onde não existe. Só em saber que uma planta é medicinal o poder de Deus esta ali", complementa.


Não por acaso, muitas curas identificadas como verdadeiros milagres foram pesquisadas pela indústria farmacêutica, que recorre ao saber milenar para desenvolver boa parte dos remédios que hoje ocupam as prateleiras das farmácias.



SILVIA NORONHA
DAYSE LARA
do site Viva Favela

 
 
 

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