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protagonismo Juvenil
30/08/2004

Sala 5 leva formação e geração de renda a adolescentes de São Paulo

O inconformismo com a realidade local e a vontade de transformar a vida dos moradores do bairro da Brasilândia, zona norte de São Paulo, foram os ingredientes que motivaram dois jovens a arregaçar as mangas e assumir a responsabilidade de despertar em outros adolescentes o protagonismo juvenil. Luiz Flávio Alves de Lima, 21, e Ivan da Silva, 23, lançavam assim, há três anos, a primeira ação social desenvolvida por jovens da região: o Projeto Sala 5. O que começou como apenas um curso de desenho japonês (Mangá) e roteiro oferecido pelos jovens voluntários a outros adolescentes do bairro ganhou novas proporções e, hoje, já conta com a participação de 30 jovens voluntários em 11 turmas e mais de 150 alunos por mês.

"O jovem, antes de mais nada, precisa se incluir e sentir que faz parte do problema e também da solução. Como jovem protagonista, digo que ele tem que se preocupar com os outros mil que não estão nem aí. Devemos assumir a responsabilidade e perceber que as mudanças não estão só no poder público. E, se estiverem lá, temos que ser então o setor público. Se estiver no setor privado, mais uma vez, temos que ser o setor privado ou até no Terceiro Setor, formando organizações que trabalhem idoneamente", acredita Luiz Flávio.

As novas idéias começaram a "ferver", conta Luiz, quando os dois amigos participaram de um curso de formação de jovens agentes sociais realizado no bairro pelo Instituto Sou da Paz . Mas, muito antes disso, os jovens já vinham se mobilizando em diversas ações na região. "Com 15 anos, entrei pela primeira vez num grupo de jovens e eles estavam discutindo, entre outras coisas, os problemas do bairro que, até então, eu nunca haviam me interessado. Em pouco tempo, me tornei coordenador desse grupo e, depois, fundei o meu", lembra.

Um ano depois, Luiz e Ivan entraram para o Grêmio Estudantil da escola que estudavam e fizeram uma verdadeira "revolução". "Acreditamos que parte das soluções para os problemas e o trabalho de mudança de princípios está na escola", destaca. Pela primeira vez, os jovens conseguiram levar a comunidade para dentro da escola e passaram a desenvolver atividades culturais com os alunos, além de criar uma rádio-comunitária, organizar oficinas de teatro, entre outras atividades.

A partir daí, as dificuldades enfrentadas pelos adolescentes do bairro se tornaram mais evidentes para os amigos. "Com o curso do Sou da Paz, passamos a enxergar as estatísticas. A região é a segunda mais violenta da cidade com crimes envolvendo jovens, tanto como vítimas quanto como agressores. Antes, achávamos que era uma questão somente de os jovens se preocuparem mais com o visual do bairro e isso iria melhorar a auto-estima. Depois, percebemos que mais do que força de vontade, era na verdade uma questão de política, de investimento e de um Terceiro Setor atuante"./

Combate à exclusão
Com o lançamento do Sala 5, a proposta, segundo Luiz, era tentar reverter esse quadro de exclusão e de violência da região devido à falta de oportunidades para os jovens, além de criar um espaço de discussões. Para isso, os jovens tiraram o dinheiro do bolso, alugaram uma sala – por isso Sala 5 – e foram buscar mais voluntários pelo bairro e dentro de casa para oferecer outros cursos e oficinas.

Atualmente, o Sala 5 oferece aulas de inglês, violão, história em quadrinhos, teatro, desenho japonês e montagem de computador. A partir da próxima semana, com a inauguração da biblioteca, o projeto irá oferecer também oficina de contadores de história e leitura conduzida.

Michele Cristina dos Santos, 15 anos, participa todas as terças-feiras, desde maio, das aulas de inglês e conta que já melhorou as notas da disciplina na escola. "Aqui, com poucos alunos, a gente pode treinar mais a conversação. É muito melhor", conta a colega Geise de Lima Bernardo, 13 anos.

Há três semanas, o grupo ganhou novas alunas, as irmãs Vivian e Camila Marques de Oliveira, de 10 e 7 anos, respectivamente, estavam muito curiosas para aprender o significado de diversas palavras em inglês. "Às vezes, quando estão vendo televisão, elas colocam na tecla SAP só para tentar decifrar o que está sendo dito", conta a mãe, Raquel Marques de Oliveira, que acompanha as filhas todas as aulas e aproveita a oportunidade para aprender também.

Ação voluntária
À frente da sala, a voluntária Soninha, cineasta e comentarista da emissora ESPN Brasil, convida as alunas a caprichar na pronúncia das palavras e promove atividades lúdicas para facilitar o aprendizado. "O inglês, além de ser super útil para elas, é apenas um dos assuntos trabalhados em sala. Durante as aulas, a gente envolve temas como as Olimpíadas, música, eleições, Geografia...Além disso, outros assuntos surgem a partir das histórias que as alunas trazem, problemas do dia-a-dia mesmo", conta. Soninha, que é voluntária em outros projetos sociais, conheceu o pessoal do Sala 5 há dois anos e, desde então, se envolve em diversas atividades.

Soninha é outra voluntária inconformada com a situação em que vivem os moradores da região. Seu trabalho com os jovens do bairro começou antes mesmo de ser apresentada ao grupo do Sala 5. "Conhecia alguns jovens da favela Guarani que cuidavam de carros em Perdizes, bairro onde moro. Eles viviam pedindo dinheiro, roupa. Resolvi vir aqui e conversar com pais, ver o que realmente precisavam. Percebi que não existia nada no bairro, não havia uma união dos moradores. O trabalho era difícil, pois não partia deles. Conversando com algumas organizações, como o Sou da Paz, conheci o projeto dos meninos e vi que era isso que faltava".

Atualmente, Soninha mantém uma profissional que verifica quais são as necessidades das famílias e encaminha para os órgãos responsáveis ou outros projetos sociais, como o Centro de Estudos e Pesquisa da Criança e do Adolescente (CEPECA). A idéia é promover um intercâmbio entre as ações do Sala 5 e demais organizações não-governamentais e ampliar a atuação.

Menisqüência
Mais do que capacitar, o projeto entra agora numa nova fase, com uma visão mais empreendedora, e busca também oferecer oportunidades de geração de renda para os jovens participantes. A novidade é o lançamento, previsto para outubro, da Revista Menisqüência, uma revista de comportamento, voltada para o público jovem, mas "com conteúdo inteligente", explica Luiz. "A revista irá trazer reportagens de assuntos gerais de interesse dos jovens, histórias em quadrinhos, um horóscopo verdadeiro, não aquele que diz o que a gente quer ouvir, além de seções específicas, como sexualidade, que pretende discutir o assunto de uma maneira não banal".

O projeto, que vem sendo elaborado há quase três anos com o apoio do cartunista Laerte, conseguiu sair do papel com a conquista da parceria com o Grupo Rappa e a FASE. O nome do novo veículo de comunicação, apesar de parecer um quanto complicado, tem o seu significado, garante Luiz. "Essa era uma gíria antiga não usada há muito tempo que significava algo como irresponsabilidade. Para nós, ela significa adolescência porque explica justamente esta fase. É uma irresponsabilidade saudável. Às vezes, o adolescente é meio irresponsável, mas também assume o seu papel".

A revista está sendo produzida por 15 jovens, tanto alunos como voluntários, que tiveram a oportunidade de mostrar inicialmente seus talentos e, agora, poderão ampliar também seus recursos participando da cooperativa de produção. A "Menisqüência" irá gerar renda ainda para outros 50 adolescentes integrantes da cooperativa de distribuidores. Eles serão os responsáveis pela venda da revista em diversos pontos da cidade.

Cada adolescente irá receber 10 exemplares do produto e parte da verba da venda será revertida para eles que poderão ter acesso a mais exemplares. Luiz acredita que a revista pode ir longe e aposta alto na idéia. A tiragem, mensal, será de 15 mil exemplares, com um valor de venda de até R$ 2,50. "As revistas de histórias em quadrinhos tem um encalhe de até 60%, devido ao alto valor . Estamos prevendo, no máximo, 5%", prevê Luiz.

Cooperativa de mosaico
Outra cooperativa que será organizada em breve é a de mosaico, com a participação de 15 jovens, entre 13 e 19 anos. Além de aplicar a técnica para melhorias do bairro, como embelezar as praças, a proposta é que o grupo produza produtos para serem vendidos em lojas de decoração. Com estes novos trabalhos de geração de renda e o título de OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), que deve ser liberado ainda em setembro, o Sala 5 pretende se tornar referência em ações de protagonismo juvenil e ampliar sua atuação.

"Os jovens tem que pensar em benefícios para os outros jovens e para si mesmo. A juventude tem um grande potencial de transformação", comenta Luiz, que está desempregado, mas sonha em voltar a estudar e fazer Ciências Biológicas na Universidade de São Paulo (USP), além de Marketing e Jornalismo, e continuar atuando no Terceiro Setor, com o desenvolvimento de empreendimentos juvenis com impacto socia.

Projeto Sala 5
Endereço: rua Santa Cruz da Conceição, nº 70, sala 5, Jardim Guarani, São Paulo, Cep: 02850-100
Telefone: (11) 3983-6789
E-mail: sala5cultural@aol.com

Como colaborar: o projeto está em busca de voluntários para as áreas de Línguas (Inglês e Espanhol), Música/Violão, Marketing e Captação de Recursos Humanos. Os interessados podem enviar e-mail para sala5cultural@aol.com ou ligar para a entidade, de segunda a sexta-feira, das 13h às 17h.


DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3

 
 
 

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