|
O inconformismo com a realidade
local e a vontade de transformar a vida dos moradores do bairro
da Brasilândia, zona norte de São Paulo, foram
os ingredientes que motivaram dois jovens a arregaçar
as mangas e assumir a responsabilidade de despertar em outros
adolescentes o protagonismo juvenil. Luiz Flávio Alves
de Lima, 21, e Ivan da Silva, 23, lançavam assim, há
três anos, a primeira ação social desenvolvida
por jovens da região: o Projeto Sala 5. O que começou
como apenas um curso de desenho japonês (Mangá)
e roteiro oferecido pelos jovens voluntários a outros
adolescentes do bairro ganhou novas proporções
e, hoje, já conta com a participação
de 30 jovens voluntários em 11 turmas e mais de 150
alunos por mês.
"O jovem, antes de mais nada, precisa se incluir e sentir
que faz parte do problema e também da solução.
Como jovem protagonista, digo que ele tem que se preocupar
com os outros mil que não estão nem aí.
Devemos assumir a responsabilidade e perceber que as mudanças
não estão só no poder público.
E, se estiverem lá, temos que ser então o setor
público. Se estiver no setor privado, mais uma vez,
temos que ser o setor privado ou até no Terceiro Setor,
formando organizações que trabalhem idoneamente",
acredita Luiz Flávio.
As novas idéias começaram a "ferver",
conta Luiz, quando os dois amigos participaram de um curso
de formação de jovens agentes sociais realizado
no bairro pelo Instituto Sou da Paz . Mas, muito antes disso,
os jovens já vinham se mobilizando em diversas ações
na região. "Com 15 anos, entrei pela primeira
vez num grupo de jovens e eles estavam discutindo, entre outras
coisas, os problemas do bairro que, até então,
eu nunca haviam me interessado. Em pouco tempo, me tornei
coordenador desse grupo e, depois, fundei o meu", lembra.
Um ano depois, Luiz e Ivan entraram para o Grêmio
Estudantil da escola que estudavam e fizeram uma verdadeira
"revolução". "Acreditamos que
parte das soluções para os problemas e o trabalho
de mudança de princípios está na escola",
destaca. Pela primeira vez, os jovens conseguiram levar a
comunidade para dentro da escola e passaram a desenvolver
atividades culturais com os alunos, além de criar uma
rádio-comunitária, organizar oficinas de teatro,
entre outras atividades.
A partir daí, as dificuldades enfrentadas pelos adolescentes
do bairro se tornaram mais evidentes para os amigos. "Com
o curso do Sou da Paz, passamos a enxergar as estatísticas.
A região é a segunda mais violenta da cidade
com crimes envolvendo jovens, tanto como vítimas quanto
como agressores. Antes, achávamos que era uma questão
somente de os jovens se preocuparem mais com o visual do bairro
e isso iria melhorar a auto-estima. Depois, percebemos que
mais do que força de vontade, era na verdade uma questão
de política, de investimento e de um Terceiro Setor
atuante"./
Combate à exclusão
Com o lançamento do Sala 5, a proposta, segundo
Luiz, era tentar reverter esse quadro de exclusão e
de violência da região devido à falta
de oportunidades para os jovens, além de criar um espaço
de discussões. Para isso, os jovens tiraram o dinheiro
do bolso, alugaram uma sala – por isso Sala 5 –
e foram buscar mais voluntários pelo bairro e dentro
de casa para oferecer outros cursos e oficinas.
Atualmente, o Sala 5 oferece aulas de inglês, violão,
história em quadrinhos, teatro, desenho japonês
e montagem de computador. A partir da próxima semana,
com a inauguração da biblioteca, o projeto irá
oferecer também oficina de contadores de história
e leitura conduzida.
Michele Cristina dos Santos, 15 anos, participa todas as
terças-feiras, desde maio, das aulas de inglês
e conta que já melhorou as notas da disciplina na escola.
"Aqui, com poucos alunos, a gente pode treinar mais a
conversação. É muito melhor", conta
a colega Geise de Lima Bernardo, 13 anos.
Há três semanas, o grupo ganhou novas alunas,
as irmãs Vivian e Camila Marques de Oliveira, de 10
e 7 anos, respectivamente, estavam muito curiosas para aprender
o significado de diversas palavras em inglês. "Às
vezes, quando estão vendo televisão, elas colocam
na tecla SAP só para tentar decifrar o que está
sendo dito", conta a mãe, Raquel Marques de Oliveira,
que acompanha as filhas todas as aulas e aproveita a oportunidade
para aprender também.
Ação voluntária
À frente da sala, a voluntária Soninha,
cineasta e comentarista da emissora ESPN Brasil, convida as
alunas a caprichar na pronúncia das palavras e promove
atividades lúdicas para facilitar o aprendizado. "O
inglês, além de ser super útil para elas,
é apenas um dos assuntos trabalhados em sala. Durante
as aulas, a gente envolve temas como as Olimpíadas,
música, eleições, Geografia...Além
disso, outros assuntos surgem a partir das histórias
que as alunas trazem, problemas do dia-a-dia mesmo",
conta. Soninha, que é voluntária em outros projetos
sociais, conheceu o pessoal do Sala 5 há dois anos
e, desde então, se envolve em diversas atividades.
Soninha é outra voluntária inconformada com
a situação em que vivem os moradores da região.
Seu trabalho com os jovens do bairro começou antes
mesmo de ser apresentada ao grupo do Sala 5. "Conhecia
alguns jovens da favela Guarani que cuidavam de carros em
Perdizes, bairro onde moro. Eles viviam pedindo dinheiro,
roupa. Resolvi vir aqui e conversar com pais, ver o que realmente
precisavam. Percebi que não existia nada no bairro,
não havia uma união dos moradores. O trabalho
era difícil, pois não partia deles. Conversando
com algumas organizações, como o Sou da Paz,
conheci o projeto dos meninos e vi que era isso que faltava".
Atualmente, Soninha mantém uma profissional que verifica
quais são as necessidades das famílias e encaminha
para os órgãos responsáveis ou outros
projetos sociais, como o Centro de Estudos e Pesquisa da Criança
e do Adolescente (CEPECA). A idéia é promover
um intercâmbio entre as ações do Sala
5 e demais organizações não-governamentais
e ampliar a atuação.
Menisqüência
Mais do que capacitar, o projeto entra agora numa
nova fase, com uma visão mais empreendedora, e busca
também oferecer oportunidades de geração
de renda para os jovens participantes. A novidade é
o lançamento, previsto para outubro, da Revista Menisqüência,
uma revista de comportamento, voltada para o público
jovem, mas "com conteúdo inteligente", explica
Luiz. "A revista irá trazer reportagens de assuntos
gerais de interesse dos jovens, histórias em quadrinhos,
um horóscopo verdadeiro, não aquele que diz
o que a gente quer ouvir, além de seções
específicas, como sexualidade, que pretende discutir
o assunto de uma maneira não banal".
O projeto, que vem sendo elaborado há quase três
anos com o apoio do cartunista Laerte, conseguiu sair do papel
com a conquista da parceria com o Grupo Rappa e a FASE. O
nome do novo veículo de comunicação,
apesar de parecer um quanto complicado, tem o seu significado,
garante Luiz. "Essa era uma gíria antiga não
usada há muito tempo que significava algo como irresponsabilidade.
Para nós, ela significa adolescência porque explica
justamente esta fase. É uma irresponsabilidade saudável.
Às vezes, o adolescente é meio irresponsável,
mas também assume o seu papel".
A revista está sendo produzida por 15 jovens, tanto
alunos como voluntários, que tiveram a oportunidade
de mostrar inicialmente seus talentos e, agora, poderão
ampliar também seus recursos participando da cooperativa
de produção. A "Menisqüência"
irá gerar renda ainda para outros 50 adolescentes integrantes
da cooperativa de distribuidores. Eles serão os responsáveis
pela venda da revista em diversos pontos da cidade.
Cada adolescente irá receber 10 exemplares do produto
e parte da verba da venda será revertida para eles
que poderão ter acesso a mais exemplares. Luiz acredita
que a revista pode ir longe e aposta alto na idéia.
A tiragem, mensal, será de 15 mil exemplares, com um
valor de venda de até R$ 2,50. "As revistas de
histórias em quadrinhos tem um encalhe de até
60%, devido ao alto valor . Estamos prevendo, no máximo,
5%", prevê Luiz.
Cooperativa de mosaico
Outra cooperativa que será organizada em breve
é a de mosaico, com a participação de
15 jovens, entre 13 e 19 anos. Além de aplicar a técnica
para melhorias do bairro, como embelezar as praças,
a proposta é que o grupo produza produtos para serem
vendidos em lojas de decoração. Com estes novos
trabalhos de geração de renda e o título
de OSCIP (Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público), que deve ser liberado ainda em
setembro, o Sala 5 pretende se tornar referência em
ações de protagonismo juvenil e ampliar sua
atuação.
"Os jovens tem que pensar em benefícios para
os outros jovens e para si mesmo. A juventude tem um grande
potencial de transformação", comenta Luiz,
que está desempregado, mas sonha em voltar a estudar
e fazer Ciências Biológicas na Universidade de
São Paulo (USP), além de Marketing e Jornalismo,
e continuar atuando no Terceiro Setor, com o desenvolvimento
de empreendimentos juvenis com impacto socia.
Projeto Sala 5
Endereço: rua Santa Cruz da Conceição,
nº 70, sala 5, Jardim Guarani, São Paulo, Cep:
02850-100
Telefone: (11) 3983-6789
E-mail: sala5cultural@aol.com
Como colaborar: o projeto está em busca de voluntários
para as áreas de Línguas (Inglês e Espanhol),
Música/Violão, Marketing e Captação
de Recursos Humanos. Os interessados podem enviar e-mail para
sala5cultural@aol.com
ou ligar para a entidade, de segunda a sexta-feira, das 13h
às 17h.
DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3
|