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Como
descobrir a inteligência de São Paulo
Especialistas
em limpeza pública alertam que a cidade de São
Paulo corre o risco de, em breve, talvez dois anos, sofrer
o apagão do lixo. Esgotados os aterros sanitários,
não haveria mais espaço para despejar detritos.
Num cenário de filme de terror, montanhas de lixo se
avolumariam próximo às casas, em meio a ratos,
baratas e urubus.
A cidade
comemorou ontem 449 anos numa situação paradoxal.
Capital informal do Brasil, São Paulo nunca serviu
de morada ou de ponto de passagem obrigatório para
tanta gente tão influente - do presidente Lula ao ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, além das cúpulas
do PT e do PSDB, as áreas mais estratégicas
do governo federal, as mais relevantes lideranças empresariais,
sindicais, científicas e do chamado terceiro setor.
Tanto
poder, jamais visto, convive com uma cidade a tal ponto vulnerável
que faz germinar os mais diversos medos de apagões:
lixo, trânsito, violência, água e poluição.
Nesse período do ano, em especial, as enchentes fazem
qualquer estimativa, por mais disparatada que seja, ganhar
ares de previsão científica.
Desse confronto entre o poder e a fragilidade, surge o único
fato que realmente importa sobre a cidade-síntese do
Brasil: é um dos grandes laboratórios de soluções
sociais não apenas do país, mas do mundo. Não
exagero, e não vai aqui qualquer bairrismo.
O próprio
presidente Lula é, em parte, um produto desse laboratório
paulistano. Há pelo menos uma década prospera,
entre os empresários, tanto por marketing quanto pela
vontade de não viverem sitiados, a noção
de responsabilidade pública.
Prosperou
o princípio de que o Brasil, sem investimentos em saúde,
educação, cultura, lazer, além de distribuição
de renda e mais empregos, passaria por um apagão social.
As trevas são anunciadas diariamente nos índices,
crescentes, de violência, mais especificamente pelos
sequestros, ou em assassinatos como o que ocorreu na sexta
passada com o rapper Mauro Mateus dos Santos, conhecido como
Sabotage.
Disseminou-se
a visão de que o governo é lerdo, na maioria
das vezes incompetente, tem pouco dinheiro, e de que o papel
da empresa vai além da geração de lucros.
Redefiniu-se, assim, o conceito do que é público,
entendido, até pouco tempo, como o oficial.
Lula passou
a ser aceitável pelo empresariado e pela classe média
porque, ao aderir aos princípios da economia de mercado,
transmitiu a imagem de ser um líder confiável
para reduzir os riscos do apagão social. Não
é coincidência que vários dirigentes de
entidades empresariais que ajudaram a difundir as noções
do terceiro setor estavam próximos ao PT.
O laboratório
de tecnologia social de São Paulo consiste na união
entre a agilidade e a inventividade do setor privado - bancando
experiências sociais - e os governos, a única
dimensão capaz de garantir uma escala de atendimento.
Centenas de milhares de professores são anualmente
treinados por fundações ou institutos empresariais
em parcerias com a prefeitura e o governo estadual. Todos
os grandes centros culturais mantêm projetos para melhorar
a educação, por meio de concertos, exposições,
filmes e peças de teatro.
Disseminam-se
materiais didáticos e experiências curriculares
destinados a melhorar a qualidade de ensino.
São especialmente instigantes os processos de recuperação
do centro, atraindo investimentos públicos e privados.
Toda a operação começou justamente numa
articulação comunitária, liderada por
empresas. O que se vê é um movimento inédito
de pessoas voltando a morar no centro.
Programas
na periferia da cidade combinam geração de renda,
educação e treinamento profissional. Juntam-se
recursos federais, estaduais e municipais, além de
empresas, universidades, ONGs e entidades internacionais,
para montar modelos contra a inclusão. Além
da unificação das bolsas de complementação
de renda, todas condicionadas a alguma contrapartida, criam-se
currículos, na busca de uma consistência pedagógica.
Muitas
dessas ações mais relevantes estão sendo
documentadas e sistematizadas, além de terem os seus
impactos avaliados, por algumas das melhores cabeças
pensantes da área social, nas fundações,
institutos e núcleos universitários.
Entendo que as pessoas, mesmo as que moram em São Paulo,
digam que a minha visão é irrealista, poética,
talvez o resultado de um indigente provincianismo. É
tanto chavão negativo e rasteiro sobre a capital paulista
que se imagina ser aqui um lugar condenado. Não sabem
onde está a beleza da cidade.
Começamos
agora a contagem regressiva para os 450 anos - esse fato se
prestará ao lançamento de teses, estudos e livros
sobre a cidade, num processo de autoconhecimento. E aí
se verá com mais clareza que a cidade não é
- nem de longe - e nunca será o lugar mais aprazível
para se morar. Mas, para quem gosta de criatividade e de inovação,
é, certamente, o lugar mais interessante do Brasil.
P.S. - O mês de janeiro é, para mim, sempre um
marco de reflexão. Foi quando, há quatro anos,
deixei a cidade que considero a mais interessante do planeta,
Nova York, onde me sinto tão em casa como na Vila Madalena,
bairro em que moro. Digo, sem exagero, que o laboratório
social paulistano é tão ou mais instigante,
pelo menos para mim, do que o laboratório nova-iorquino,
talvez por ser mais adaptado aos países pobres e ainda
mais repleto de desafios.
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