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habitação
16/11/2004
Burocracia pesa no bolso do brasileiro

Em meio a uma parafernália de leis, impostos, papéis, carimbos, cartórios, taxas e contribuições, a pesada conta da burocracia continua a ser paga por todos os brasileiros e, junto dos gargalos de infra-estrutura, é um dos principais freios ao crescimento da economia. Segundo a Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC), a burocracia aumenta em 280% a 425% o custo dos imóveis para as construtoras. Esse aumento, segundo a CBIC, é atribuído não só à burocracia dos órgãos federais, mas também dos estaduais, dos municipais, do judiciário, dos cartórios e dos licenciamentos ambientais. E o pior: com tantos procedimentos a serem cumpridos, a corrupção ganha espaço, tornando a conta ainda mais pesada para o bolso dos brasileiros.

As principais entidades do setor de construção reuniram-se para elaborar um estudo sobre o custo da burocracia no setor. O trabalho concluiu que um condomínio de 930 moradias de classe média, por exemplo, leva até 42 meses para ser levantado no Brasil, cinco vezes mais tempo que os oito meses estimados com base em parâmetros internacionais. O chamado custo burocracia faz com que as construtoras cheguem a desembolsar até R$ 1 milhão para a construção de um condomínio desse tipo, enquanto a obra poderia ficar em R$ 200 mil.

O estudo aponta pelo menos 50 motivos para o atraso das obras. Entre eles, a renovação de mais de 20 certidões durante a construção, a maioria com prazos diferentes de validade, a falta de previsibilidade na tramitação de projetos, atrasos em alvarás e licenciamentos e a dificuldade para enquadrar os projetos nos programas governamentais existentes. O presidente da CBIC, Paulo Safady, afirma que tantas exigências acabam criando um terreno fértil para a corrupção.

”A burocracia é um convite à corrupção. No momento em que alguém encontra dificuldades e quer antecipar prazos, dar maior velocidade ao projeto, um dos meios é a corrupção, o pagamento de propina”, diz Safady, ressalvando que não se pode dizer que a prática é generalizada entre os empresários.

Comércio exterior
Outro setor atingido em cheio pela burocracia é justamente o segmento que iniciou a recuperação da economia brasileira nos últimos meses, o comércio exterior. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), quase 50% dos empresários da área dizem que a burocracia alfandegária é o pior obstáculo encontrado quando se trata de importar ou exportar. São mais de dez ministérios ou órgãos estaduais envolvidos na liberação dos produtos.

Segundo estimativas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do pedido até a entrega do produto no exterior, os empresários brasileiros gastam em média 120 dias, prazo que gira em torno de 30 dias para seus competidores internacionais. Grande parte desse tempo é consumido com papelada e alfândega.

”Falta ao governo eleger a desburocratização como prioridade. É preciso criar anticorpos para novas formas de burocratização, essa praga que é como uma erva daninha: a gente abate, mas ela volta a nascer. Cada centavo de custo a mais reduz a capacidade de nossas empresas competirem aqui dentro e lá fora”, afirmou o diretor-executivo da CNI José Augusto Coelho Fernandes.

O ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira — considerado um dos maiores responsáveis pela abertura comercial brasileira, no começo da década de 1990 — se orgulha de ter aberto as portas do país para o exterior. Mas lamenta que, desde então, nada mais foi feito. Segundo ele, a burocracia é ainda maior para as importações.

”A Receita Federal retém o fluxo de entrada de produtos, o que paralisa o porto. O país ainda é muito burocrático, com muita intervenção do Estado. Fui ministro entre 1991 e 1992. De lá para cá, a abertura econômica tem andado para trás”, disse Marcílio.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, já estimou que as despesas, os atrasos e os prejuízos decorrentes do excesso de burocracia e da ineficiência da máquina pública custam ao país cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas geradas ao longo de um ano). É uma quantia em torno de US$ 80 bilhões anuais.

A burocracia não traz apenas prejuízos financeiros. A imagem do país no exterior também fica arranhada. Levantamento do Banco Mundial divulgado este ano mostra que o Brasil é um dos países onde se leva mais tempo para abrir uma empresa: 152 dias. Na lista de 144 países analisados, pior do que o Brasil só Laos, Congo, Moçambique e Haiti. Nos Estados Unidos, a abertura de uma empresa leva quatro dias; na Austrália, dois.

Pendências
Nem mesmo os projetos do próprio governo para a população de baixa renda escapam da burocracia. O Programa de Arrendamento Residencial (PAR), que financia com recursos do FGTS habitações no valor de até R$ 32 mil (no caso de Rio e São Paulo) para famílias com renda de até seis salários-mínimos, é uma das vítimas.

O gerente nacional do PAR, André Marinho, confirma a burocracia que é exigida das construtoras pelo programa. Segundo ele, para aprovar um projeto, a Caixa é obrigada a observar, entre outros, os aspectos de direito civil, tributário, previdenciário, trabalhista e ambiental, se defrontando com legislações diferentes que dependem de cada unidade da federação. Marinho disse ainda que cada certidão exigida tem custo e prazos de expedição e de validade distintos.

Ele admite que toda esta burocracia faz com que as pessoas tenham que esperar e também gastar mais para terem sua casa. Mas, segundo ele, a Caixa não tem outra alternativa:

”Como órgão público, não posso deixar de ver o aspecto legal. Quando a Caixa entrega um imóvel tem que se certificar de que tudo está devidamente legalizado”, afirmou.

A Receita é identificada pelos empresários como um grande foco de burocracia. Retirar uma certidão negativa no órgão é encarada como uma corrida de obstáculos, na avaliação de executivos e contadores. Segundo eles, em alguns casos a Receita impõe mais de 200 pendências a serem esclarecidas, muitas vezes envolvendo dívidas inexistentes. Uma reclamação constante é que a Receita notifica as empresas até cinco anos depois do fato gerador da dívida. E deixa para a empresa o ônus da prova. Procurada, a Receita Federal não quis se manifestar sobre o assunto.

Segundo o presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul, Enory Luiz Spinelli, a burocracia em vez de diminuir vem aumentando. Ele cita como exemplo as alterações na cobrança do PIS/Cofins aprovadas em 2003 e que, neste ano, segundo Spinelli, resultaram em mais dor de cabeça. Agora, as empresas têm que apresentar um novo demonstrativo, o chamado Dacon (Demonstrativo de Apuração das Contribuições Federais).

VALDEREZ CAETANO
DEMÉTRIO WEBER
do jornal O Globo

   
 
 
 

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