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11/12/2005 - 09h32

Edemar pagava propina a fundo de pensão

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MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo

Documentos apreendidos pela Polícia Federal na casa do banqueiro Edemar Cid Ferreira apontam que o Banco Santos pagava comissão para que fundos de pensão canalizassem seus investimentos para aquela instituição.

Entre os papéis apreendidos, obtidos pela Folha, há uma série de e-mails de Vera Lúcia Rodrigues da Silva, que foi secretária de Edemar por mais de 30 anos, com ordens para que um doleiro faça pagamentos cujo valor é sempre um percentual da aplicação feita pelo fundo.

Todas as operações citadas nos papéis apreendidos ocorreram de fato, segundo os fundos de pensão. O que não é fácil comprovar é a entrega da comissão por meio de doleiro. Há, no entanto, testemunhas de que esse tipo de pagamento era uma prática habitual.

Três ex-executivos do banco ouvidos pela Folha afirmam que diretores de fundos de pensão eram recompensados pelas aplicações que faziam no Banco Santos --o que é ilegal. Os executivos conhecem o procedimento porque muitas vezes eram eles que faziam a entrega da comissão, como está descrito em alguns e-mails apreendidos. A secretaria de Edemar, segundo eles, era a responsável por pagamentos em dinheiro vivo, feito por meio de doleiros.

Em apenas 15 dias, o caixa dois do banqueiro contabiliza o pagamento de propina a oito fundos de pensão, entre os quais o Centrus, mantido pelos funcionários do Banco Central, e o Postalis, dos Correios. As comissões pagas nesse período somam R$ 1,7 milhão. Com isso, o banco conseguiu captar investimentos que atingem R$ 79,2 milhões.

Os fundos de pensão foram uma das principais vítimas da bancarrota do Banco Santos. A perda dos 56 fundos que mantinham recursos na instituição chega a R$ 550 milhões, segundo contas da Secretaria de Previdência Complementar, órgão do Ministério da Previdência. A perda dos fundos corresponde a praticamente um quarto do rombo deixado pelo Banco Santos, de R$ 2,29 bilhões, de acordo com números do Banco Central. Em setembro, a Justiça decretou a falência do banco de Edemar.

Maior perda, maior propina

Curiosamente, o fundo que mais perdeu recursos com a quebra do Banco Santos, o Real Grandeza, é o que aparece associado ao maior valor de propina anotado nesses 15 dias de caixa dois -- de R$ 450 mil, correspondente a 3% da aplicação feita em CDB (Certificado de Depósito Bancário) do Banco Santos, de R$ 15 milhões.

Como acontece com esse tipo de documentação, a informação aparece de forma cifrada, e raríssimos nomes são mencionados. No caso do Real Grandeza, a instrução na página da aplicação é lacônica: "Valor a ser liqüidado até 02/07 no Rio. R$ 450.000,00".

Há duas exceções, no entanto, a essas instruções das quais não se conhece o eventual beneficiário. Um dos correios eletrônicos enviados pela secretária de Edemar ao doleiro pede a ele que agende para o dia 19 de julho do ano passado o pagamento de R$ 178.100, a serem entregues na "rua 7 de Setembro, 99 -- 11º andar -- Rio de Janeiro, At. Pinoh".

O endereço é o da corretora Dimarco, cujo diretor chama-se Edgard Luiz Pinaud Filho. Os R$ 178.100, segundo outro documento apreendido, correspondem à comissão de 2,5% que alguém supostamente recebeu pelo fato de a Fapes (Fundação de Assistência e Previdência do BNDES) ter comprado R$ 7.122.472 em debêntures da Procid, a holding do Banco Santos.

A corretora Dimarco trabalha para a Fapes. Pinaud Filho, aparentemente citado no e-mail como "Pinoh", diz não entender a razão pela qual o endereço de sua empresa foi citado: "Nunca tive nenhuma relação com o Banco Santos. Acho totalmente absurda a menção de meu nome e do meu endereço. Nunca comprei debêntures da Procid. Isso pode ser coisa de algum concorrente", especula.

Sonia Fonseca, diretora de investimentos da Fapes, diz que a Dimarco só cuida de operações do fundo que são feitas na Bolsa. "Esse documento não faz o menor sentido para nós. As debêntures da Procid foram compradas sem a intermediação de uma corretora", diz.

Pinaud Filho afirma que não existe a hipótese de a corretora ter recebido a comissão para repassá-la a alguém do Fapes: "Eu sei de tudo o que acontece na corretora, e isso não aconteceu aqui".

A senha da entrega

Outro prenome é citado em uma operação do Nucleos, o fundo de pensão das empresas estatais nucleares. E-mail da secretaria de Edemar manda entregar, em 15 de julho do ano passado, R$ 76.125 na "rua Tabapuã, 1.105, cj. 57. At. Paulinho". Para não haver enganos, o portador era orientado a "falar a senha Cita". O ocupante do conjunto na Tabapuã, no Itaim (zona oeste de São Paulo) mudou-se, e os porteiros do prédio só informam que funcionava ali um escritório ligado ao mercado financeiro.

O valor citado equivale a 2,5% dos R$ 3.044.934,00 que o Nucleos comprou em debêntures da Procid. Paulinho é um nome comum, mas o antigo presidente do Nucleos chama-se Paulo Roberto Almeida Figueiredo --a Folha procurou-o na quinta e na sexta-feira na entidade, sem sucesso.

O Nucleos perdeu R$ 7,1 milhões com a derrocada do Banco Santos.

Figueiredo e outros diretores foram punidos pela Secretaria de Previdência Complementar por causa das operações com o banco de Edemar --receberam também outras quatro autuações. Figueiredo perdeu o cargo e terá de pagar multa de R$ 20 mil.

Houve "imperícia e imprudência" nos investimentos, segundo a SPC. Entre outras irregularidades, a antiga diretoria do Nucleos autorizou a compra de debêntures da Procid pelo prazo de três anos, enquanto a análise de risco estabelecia o limite de 90 dias para esse tipo de investimento.
Investigação feita pela empresa de auditoria KPMG descobriu que as perdas do Nucleos só com a compra de títulos públicos chegam a R$ 22,7 milhões.

Como a investigação não acabou, estima-se que o rombo possa ultrapassar R$ 50 milhões. "Não sabia que os diretores podem ter recebido propina de um banco, mas tenho certeza de uma coisa: pagamos mais do que valia pela carteira de investimentos que temos", diz Marcos Elias, presidente do Nucleos.

A Polícia Federal tem duas ou três certezas sobre a documentação apreendida. Vera era a secretária de Edemar, e Alejandro, a pessoa para quem ela mandava os e-mails ordenando os pagamentos, é funcionário do doleiro uruguaio Ricardo Sanches.

O procurador da República Silvio Luís Martins de Oliveira, que atua na acusação contra Edemar no processo em que o banqueiro é réu na Justiça federal, vai pedir à Polícia Federal que investigue o eventual pagamento de propinas a fundos de pensão: "Há dinheiro público nesses fundos de pensão porque são mantidos por empresas estatais. A União tem de apurar quem foi beneficiado por esses desvios".

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