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17/12/2005 - 17h00

Economista alerta sobre desindustrialização

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SANDRA BALBI
da Folha de S.Paulo

Para o engenheiro e ex-industrial Paulo Francini, diretor do Departamento de Economia da Fiesp, as políticas macroeconômicas desenvolvidas pelos governos Collor, FHC e Lula criaram um clima hostil à produção.

Francini, que em 2002 vendeu a Radio Frigor, fabricante de equipamentos de refrigeração que pertencia à sua família, para o grupo americano Emerson, diz que esse ambiente hostil se caracteriza por taxas de juros elevadas que encarecem o custo do crédito ao setor privado, pela falta de previsibilidade com relação ao futuro, por uma taxa de câmbio errática e pela carga tributária elevada. A seguir, trechos de sua entrevista à Folha.

Folha - Houve ou não um processo de desindustrialização no país, nas últimas décadas?

Paulo Francini - A palavra desindustrialização não carrega nenhum juízo de valor, nem para o bem nem para o mal, de ganho ou perda. Os países desenvolvidos passaram por essa transformação, como um processo natural da vida econômica na sua rota do desenvolvimento.

Folha - O que caracteriza esse processo?

Francini - A desindustrialização caracteriza-se por uma situação na qual a indústria deixa de ser a maior promotora da geração de emprego e é substituída pelo setor de serviços. Isso não significa que a indústria não continue sendo geradora de riqueza, mas ela não é mais aquela que lidera a geração de empregos.

Folha - E no caso do Brasil, como ocorre a desindustrialização?

Francini - O processo que vem ocorrendo no Brasil é uma desindustrialização precoce e, por isso, passa a ser preocupante e danosa. Porque, longe ainda de atingir aquele nível em que a indústria tem a capacidade de puxar a economia para uma renda de US 10 mil a US 12 mil per capita, ela perde força e não é substituída por nada. E o que acontece com o PIB per capita? Ele plana, murcha.

Folha - Mas o setor de serviços cresceu no Brasil. Não foi suficiente para substituir a indústria?

Francini - O setor de serviços não tem dinamismo. Ele cresceu ou inchou? No nosso caso, inchou, pois tem muita informalidade, até o flanelinha está no setor de serviço. A Índia é um dos raros casos no mundo em que seu processo de crescimento é conduzido pelo setor de serviços. A participação dos serviços no PIB da Índia passou de 42% para 52% nos últimos anos; 63% do seu crescimento vem do setor de serviços. Mas ele tem fontes dinâmicas para gerar renda: a indústria de software e de call-centers, por exemplo.

Folha - A partir de quando se identifica o processo de desindustrialização no Brasil e o que a determina?

Francini - A participação da indústria no PIB cresce nos anos 70, e começa a perder espaço no começo dos 80 e desde então a renda per capita estagna. Se a gente comparar com a China, por exemplo, a indústria começa a crescer a partir de meados da década de 70, acelera nos 80 e 90 e a partir daí vemos a renda per capita do país dobrando.

Há várias teorias que buscam explicar porque ocorreu uma desindustrialização precoce no país. Alguns economistas dizem que a origem disso está na forma de inserção que o país assumiu no processo de globalização. O Brasil abriu simultaneamente seu mercado para o comércio e seu mercado de capitais, durante o governo Collor.

Folha - Outros países não abriram seu mercado de capitais?

Francini- Índia, Malásia, Coréia e China não abriram seu mercado de capitais. Segundo alguns economistas foi partir daí que o país ficou prisioneiro do mercado de capitais, acentuando a volatilidade de sua taxa de juros e de câmbio. O fato é que criaram-se mecanismos através dos quais o ambiente para a produção e a indústria se tornou extremamente hostil. Esse ambiente promove a incapacidade de continuação do crescimento da indústria.

Folha - O que caracteriza esse ambiente hostil?

Francini - Taxa de juros elevadas, custo do crédito ao setor privado, falta de previsibilidade com relação ao futuro, taxa de câmbio errática, carga tributária elevada. Ou seja, cria-se um invólucro hostil à produção. A taxa de câmbio, por exemplo, influencia enormemente o crescimento. Países como Coréia do Sul, Malásia, China e Chile tiveram uma forte desvalorização de sua moeda precedendo um período elevado de taxas de crescimento. Mas isso também é válido para a Alemanha e o Japão do pós-guerra.

Folha - A que o senhor atribui essa hostilidade?

Francini - Uma parte dessa hostilidade é uma falta de percepção, uma alta de cuidado, de carinho, de afeto pelo sistema produtivo. Ela se estabelece no governo Collor, de forma declarada, se segue na política econômica do [presidente] Fernando Henrique [Cardoso] e continua no governo Lula. Não se encontra figuras voltadas para a produção ou com o pensamento na produção nesses governos. Ou seja, você perdeu a ligação da gestão econômica com a produção e o crescimento.

Se dissessem para nós, da indústria, olha achamos uma nova fonte para puxar o crescimento do país e a indústria não tem nada a ver com ela. Tudo bem, as industrias fecham, a gente aluga o prédio, e teremos um crescimento do PIB per capita obtido de outra forma.

Folha - Essa opção existe?

Francini - Se nós fossemos uma ilha do Caribe e nos dissessem: "querido não coloque indústria aqui, compre um barco, pois nosso negócio chama-se turismo", tudo bem. Mas, quando se tem um país da dimensão do Brasil, com 180 milhões de habitantes, não há alternativa: ou você faz o crescimento com a sua indústria, ou não tem outra atividade indutora do crescimento.

Folha - Esse processo econômico não se deve também à perda de poder político da indústria?

Francini - A indústria perdeu poder político ou nunca teve? O que houve no passado foi o convencimento da gestão pública de que a indústria era importante. Mais do que o poder da indústria -- que não era maior há 20 anos -- havia o convencimento de quem fazia a gestão. O que teve na verdade foi um Delfim Neto, que é um obstinado pela produção, um programa de metas do [ex-presidente Ernesto] Geisel, um Juscelino [Kubistcheck] que queria industrializar. O imaginário de que a riqueza tem a ver com a produção foi perdido. A riqueza passou a ter a ver com o jogo financeiro.

Folha - Mesmo com o PSDB?

Francini - Lógico, lógico: o PSDB com o Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central), também. Houve na verdade uma mudança no pensamento econômico. Todos formaram-se no mesmo lugar, com outra ideologia que não é voltada para a produção.

Há 20 anos a produção era um orgulho e o empresário um condutor desse orgulho. E, de repente, essa imagem se perdeu; o empresário passou a ser o gerador da inflação, depois mamute, retrógrado, dinossauro e sua imagem passou a ser muito denegrida -- e de forma injusta.

Folha - O senhor acha que esse processo tem volta, é possível uma reindustrialização?

Francini - Mesmo passando por uma forte desindustrialização a indústria manteve alguma integridade, no sentido de ter múltiplos setores e uma certa modernidade nos seus processos. É evidente que nós já criamos crateras dentro disso. Por exemplo: a indústria eletrônica foi para o espaço. Mas ainda se tem uma estrutura razoável. Quando se dá condições adequadas, essa indústria mostra vigor. A indústria de São Paulo cresceu 12% em 2004.

Folha - Essa indústria tem condições de crescer sem novos investimentos?

Francini - Fizemos uma pesquisa junto a mil empresas em São Paulo, para ver a flexibilidade da produção usando instrumentos que elas têm na prateleira como horas extras, turnos adicionais e eliminação de gargalos na linha de produção. Existe uma grande flexibilidade aprisionada nas empresas que permite aumentar a produção. Só com esses instrumentos, seria possível aumentar em 73% a produção.

Folha - Qual seria o caminho para que a indústria retomasse seu papel de indutor do crescimento? Falta uma política industrial?

Francini - Nós sempre dissemos ser necessário uma política industrial, mas isso sempre foi visto como uma intervenção do Estado, um dirigismo. E contrapunha-se a tese de que o mercado resolve. Analisamos dez países da América do Norte, Europa e Ásia e vimos que há uma série de mecanismos específicos em cada um mostrando uma forma diversificada de expressar a preocupação com uma política indutora.

O atual governo tem uma virtude: a de fazer um ato expresso de reconhecimento dessa necessidade ao anunciar uma política industrial. O governo Fernando Henrique nunca achou que isso fosse necessário -- para não se falar no governo Collor.

Folha - Mas só houve o anúncio, a política industrial não saiu da gaveta...

Francini - A política industrial que foi feita passa pela questão da capacidade de gestão, o que não é um ponto forte desse governo. Essas políticas são de gestão muito complexa. É muito mais fácil uma gestão econômica baseada na administração das taxas de juros e de câmbio, feita entre as quatro paredes do Copom e do Banco Central, do que fazer políticas indutoras mais amplas, porque é preciso uma coordenação de estado que claramente o atual governo não tem.

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