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22/01/2006 - 09h16

Brasil desperdiça "ajuda" da demografia

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ANTÔNIO GOIS
da Folha de S.Paulo, no Rio de Janeiro

O Brasil está desperdiçando uma oportunidade única, do ponto de vista demográfico, de promover o crescimento econômico.

Essa chance não se repetirá, mas, se for bem aproveitada, o país poderá repetir nos próximos 30 anos o mesmo crescimento do PIB per capita das décadas de 50, 60 e 70, marcadas pelos anos JK e pelo "milagre econômico" do regime militar.

Um estudo do demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, mostra que, com a queda do crescimento populacional, se o PIB crescesse 5% ao ano até 2030, igualaria o crescimento per capita verificado de 50 a 70.

A principal razão desse "bônus demográfico" é a queda na taxa de fecundidade, que, em 2004, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, chegou a 2,1 filhos por mulher, nível de mera reposição populacional.

Com menos crianças, cresce a participação da população em idade ativa, entre 15 e 64 anos, no total. Essa participação é medida pela taxa de dependência. Em 1960, para cada grupo de 100 brasileiros em idade ativa, havia 81 crianças e 6 idosos. A taxa era, portanto, de 87 "dependentes" por 100 em idade ativa.

Desde então, a taxa vem caindo, e as projeções populacionais indicam que chegará ao menor nível histórico nos próximos 30 anos. Com menos população "dependente", aumenta a possibilidade dos trabalhadores de acumularem poupança e investirem.

Prazo de validade

Os demógrafos alertam, no entanto, de que esse bônus tem prazo para acabar. A partir de 2030, a queda na fecundidade deverá chegar a um limite, enquanto a proporção de idosos no total deve aumentar em ritmo acelerado. Após ter chegado a 46 por 100 em 2020, a taxa de dependência será de 59 (28 crianças e 31 idosos) para cada grupo de 100 brasileiros em idade ativa em 2050. Em 2000, essa taxa era de 53 por 100.

"Em qualquer país, a transição demográfica só acontece uma vez e somente uma vez se pode utilizar o bônus. No entanto, essa janela de oportunidade de nada adiantará se o país não absorve a mão-de-obra disponível, e o maior indicador de desperdício hoje desse bônus são as altas taxas de desemprego", afirma Alves.

Poupança

O comportamento do emprego nos próximos 30 anos será fundamental para definir se os idosos do futuro ficarão dependentes da população jovem e adulta ou se, em vez disso, atuarão como incentivadores do crescimento econômico por terem acumulado poupança nos anos em que a situação era mais favorável a isso.

Para Cássio Turra, pesquisador associado da Universidade de Princeton e do Cedeplar (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, da UFMG), uma população idosa com poupança e capacidade de investir pode até se reverter, no futuro, em uma espécie de segundo bônus.

"Daqui para a frente, a pressão por gastos públicos com idosos será cada vez maior. Quanto melhor aproveitarmos o bônus demográfico, mais excedente será gerado para fazer frente às novas demandas que acompanham o envelhecimento. Ignorar isso é abrir mão de uma oportunidade única. O problema é que estamos ao menos dez anos atrasados nesse debate", diz Turra.

Eduardo Rios-Neto, presidente da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento e professor do Cedeplar, afirma que o país já perdeu grande parte do dividendo demográfico causado pelo aumento da proporção de população ativa, mas ainda há tempo para se beneficiar.

"Os próximos 15 anos devem ser marcados por um planejamento de reformas e aproveitamento da dinâmica demográfica. O país deverá ter feito todas as suas reformas estruturais e a transição para o crescimento econômico sustentado até 2020. A partir daí, a pressão demográfica na previdência só aumentará por causa do envelhecimento populacional", diz Rios-Neto.

Segunda rodada

Para Turra, é preciso também manter a estabilidade: "O país cresceu menos do que o esperado pela instabilidade macroeconômica dos anos 80 e inicio dos 90. A manutenção da estabilidade nas próximas décadas é central para que o segundo bônus demográfico seja bem aproveitado".

Na avaliação de Sônia Corrêa, pesquisadora da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, é preciso considerar que as condições globais para o crescimento dos países latino-americanos não são tão boas quanto as dos países desenvolvidos e de alguns tigres asiáticos no momento em que essas nações puderam aproveitar seu bônus demográfico.

A pesquisadora alerta também para o risco de querer criar políticas de controle de natalidade. "A queda na taxa de fecundidade de fato constituiu uma janela de oportunidade, mas isso não pode ser usado como argumento de que é preciso cair mais a natalidade para beneficiar a economia", diz Corrêa.

O demógrafo José Eustáquio Alves concorda: "Não estamos defendendo queda na fecundidade, até porque ela já caiu, mas, uma vez que isso aconteceu, é preciso aproveitar a chance".
 

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