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03/12/2000 - 11h09

"FHC perdeu a batalha do desenvolvimento", diz Mendonça de Barros

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CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial da Folha

Luiz Carlos Mendonça de Barros, que deveria ter sido o ministro da Produção no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, dá por perdida, neste governo, a batalha do desenvolvimento.

Ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e homem que comandou o polêmico processo de privatização das teles, Mendonça de Barros acha que o presidente não tem nem condições políticas nem disposição pessoal para alterar o que chama de "hipertrofia" do Ministério da Fazenda e da opção preferencial pela estabilidade, em detrimento da produção.

Afastado do governo por causa das fitas resultantes do grampo nos telefones do BNDES e do Ministério das Comunicações, que então chefiava, Mendonça de Barros culpa PMDB e PFL (especificamente os senadores José Sarney e Antonio Carlos Magalhães) por terem maximizado o episódio dos grampos para "detonar o Ministério da Produção", temendo o fortalecimento dos tucanos.

O ex-ministro não poupa críticas ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, a quem acusa de tentar desqualificar os críticos, em vez de discutir os conceitos. Também ataca toda a turma de economistas da PUC do Rio de Janeiro, que forneceu o núcleo básico da equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso. Acusa-os de especialistas em estabilidade, que descuidaram de todo o resto.

Mendonça de Barros falou à Folha no escritório de seu apartamento em Moema, zona sudoeste de São Paulo, pouco antes do almoço de sexta-feira.

Folha - O sr. é a voz mais estridente hoje a cobrar do governo uma agenda para o desenvolvimento. O que é concretamente essa agenda?
Luiz Carlos Mendonça de Barros
- É preciso um sinal político muito claro. Precisa ser criado um ministério forte, que cuide daquilo que chamo de microeconomia. Nós temos um ministério muito forte, que cuida das questões macroeconômicas, que é o Ministério da Fazenda. E você tem um ministério atrofiado, hoje chamado de Desenvolvimento.
Tem que haver uma decisão política que diga que a questão da estabilidade evidentemente continua, entregue ao Ministério da Fazenda, mas que o governo vai começar a tratar de questões relacionadas com a produção, a atividade econômica.

Folha - Mas, do ponto de vista da conquista do presidente, não lhe parece uma batalha perdida?
Mendonça de Barros
- Essa batalha está perdida. Não vejo o presidente Fernando Henrique Cardoso mudando isso. Primeiro porque não vejo condições políticas para tomar essa decisão, pois a dinâmica do governo levou a uma hipertrofia do Ministério da Fazenda. O Malan (Pedro Malan, ministro da Fazenda) é um sujeito muito hábil. Ele tem procurado desqualificar a questão do desenvolvimento ao colocar uma falsa questão, que é ou estabilidade ou desenvolvimento. Ou, então, diz que quem deseja desenvolvimento é populista, irresponsável.
Segundo: não vejo o presidente com disposição política de introduzir esse tipo de debate no governo. Quando eu estava no governo e se cogitava de criar o Ministério da Produção, esse debate havia sido introduzido, mas não como uma postura de confronto. Eram agendas complementares.
O que se estava discutindo era exatamente isso: sempre que houver -e vai haver em vários momentos- uma certa incompatibilidade entre a agenda do desenvolvimento e a agenda da estabilidade, o presidente arbitra.
Uma das incompatibilidades mais claras é a questão tributária. O Brasil tem hoje um equilíbrio fiscal razoável, mas baseado num sistema tributário que agride a produção. E, nessa defesa que a Fazenda está fazendo de uma abertura maior da economia, com a consequente redução da proteção à produção interna, esse quadro fica ainda mais inconsistente. Ora, quando você tem um sistema tributário que agride a produção interna, a proteção é um mecanismo compensatório.

Folha - Como o sr. demonstra para a opinião pública que é possível, sem populismo e sem coisa de iluminados, como diz o ministro Malan, conciliar estabilidade e desenvolvimento?
Mendonça de Barros
- Nós temos um exemplo clássico, que é a introdução da indústria de equipamentos de telecomunicação no Brasil. Hoje, já exporta perto de US$ 1 bilhão.
O Renato Guerreiro, diretor-geral da Anatel, me surpreendeu: hoje, a indústria, para cada US$ 100 de importação de equipamento, já exporta US$ 100. Como é que começou essa indústria? Começou de uma articulação do Sérgio Motta (ministro das Comunicações, morto em abril de 98) com o BNDES. Com a privatização do setor e as metas que já estavam estabelecidas, o Ministério das Comunicações calculou o volume de investimentos que as novas operadoras teriam que fazer. Eram dezenas de bilhões de dólares.
Em cima disso, o BNDES fez uma equipe de cinco funcionários, que eu chefiei, para viajar aos Estados Unidos, Canadá, Finlândia, Inglaterra, contar o que íamos fazer na privatização, dizer que geraria tal tipo de mercado e convidar para que montassem uma fábrica no Brasil para atender uma parcela dessa demanda.
Além disso, nós temos aqui linhas de crédito de exportação para que, além de produzir para o mercado interno, você produza para exportação, a fim de dar escala para a coisa, que foi o que aconteceu. A Fazenda, que é o centro do pensamento liberal, acha que isso é ilegítimo.
Conto o caso de uma grande empresa, empresa líder, cujo nome não vou citar e que foi uma das visitadas. Eles nos disseram que preferiam produzir lá mesmo e vender para o Brasil.
Nós voltamos, e uma das empresas que ganharam a banda B (de telefonia) procurou o BNDES para financiamento dos seus equipamentos, que eram dessa empresa que havíamos visitado. Dissemos que esse equipamento nós não financiaríamos porque não seria produzido no Brasil.
Duas semanas depois, recebemos uma carta da empresa que tinha se recusado a vir para cá, dizendo que estava vindo. Por quê? Simplesmente porque o cliente ligara para eles e dissera que ia cancelar o pedido. São ações de governo que não agridem a lógica de mercado, mas que usam a própria lógica de mercado.
Então temos que ter um programa que replique o que foi feito em equipamento de telecomunicação. Nós temos mercado, nós temos tamanho, temos um BNDES.
O problema é que o Ministério da Fazenda vê o BNDES como um aleijão. Se pudesse acabar com ele, acharia ideal.

Folha - Quem compartilha dessas teses?
Mendonça de Barros
- O PSDB tinha dois grupos na área econômica. Um grupo da PUC do Rio (André Lara Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha, o próprio Malan, o Gustavo Franco, o Armínio Fraga) e um grupo de São Paulo, mais heterogêneo, que inclui o Beto, meu irmão (José Roberto Mendonça de Barros), Guilherme Dias, eu, a Lídia Goldenstein.
O grupo do Rio se especializava na questão da estabilidade.
Quando Fernando Henrique Cardoso foi escolhido ministro da Fazenda, tinha duas coisas na cabeça: foi o primeiro político, acho, que entendeu que a população estava cheia da inflação e queria estabilidade monetária. Quando apareceu a oportunidade de ser ministro da Fazenda, ele já sabia o que ia fazer.
O segundo mérito é que ele sabia a quem recorrer para fazer. Tanto que a equipe econômica foi toda ela montada em cima da PUC do Rio de Janeiro.
Esse pessoal da PUC do Rio trabalhou durante muito tempo a questão da estabilidade e deixou de pensar um pouco sobre o resto. O Beto é que usa sempre a idéia de que a turma da PUC do Rio tinha a tecnologia para fazer a estabilidade, mas não tinha para fazer a transição da estabilidade para o crescimento.
Quando começou a conversa sobre o Ministério da Produção, a tese era exatamente a de trazer para o governo no nível operacional um grupo de pessoas que não se preocupem com a estabilidade, mas com a transição para o crescimento. As duas coisas juntas vão permitir que o presidente da República arbitre sempre qual é a melhor das alternativas.

Folha - Mas, se me permite a agressividade da pergunta, não acaba sendo um pouco covarde apontar os canhões para o Malan e a PUC do Rio e esquecer que o chefe deles chama-se FHC e, portanto, é o responsável por ter abandonado essa pata do desenvolvimento em favor da camisa-de-força da estabilidade pela estabilidade?
Mendonça de Barros
- A minha leitura é diferente. Acho que o presidente tem uma outra qualidade importante: ele não improvisa. Acho correto. O governo não pode improvisar, não pode correr o risco de uma aventura.
Ele deu passos para criar o Ministério da Produção. Chamou-me, conversei com ele, sabia o que era para fazer, ele me disse que esse ministério teria que trabalhar com o Malan e deu para o Clóvis Carvalho (então chefe do Gabinete Civil) a missão de fazer com que eu e o Malan nos entendêssemos sobre uma agenda comum.
Nós estávamos nesse estágio quando houve o problema do grampo (a divulgação de fitas em que Mendonça de Barros discutia aspectos da privatização das teles), relacionado a um problema político que foi o medo do PMDB e do PFL de ter um outro tucano num ministério com essa possibilidade de desenvolvimento.
Houve lá uma jogada política, e o presidente não estava atento.
Quando deu a crise, o presidente ficou sem um grupo no qual confiasse. Aí, e isso aprendi agora com meu neto que tem um problema no rim: quando um rim não funciona, a natureza faz com que o outro cresça. Aconteceu exatamente isso: como não se criou esse ministério, se hipertrofiaram de novo a Fazenda e a questão da estabilidade.

Folha - Posso deduzir, então, que, perdida a batalha pela mente e pelo coração do presidente, a sua pregação é para a opinião pública, para criar uma corrente ou uma agenda. Como essa agenda se traduz política e eleitoralmente?
Mendonça de Barros
- O objetivo é o seguinte: já que neste governo não tem mais espaço, que na próxima eleição um dos itens a ser discutidos seja a questão do desenvolvimento com estabilidade.
Acho que o discurso do candidato Ciro Gomes (presidenciável do PPS) mudou um pouco nesse sentido. Não tenho dúvida de que o candidato que vai obter a maioria terá esse discurso.

Folha - Por que o ministro Malan, como o sr. disse, procura desqualificar os críticos? É também um jogo político? O sr. vê viabilidade em Malan-2002?
Mendonça de Barros
- Primeiro, o ministro Malan sabe como fazer as coisas. Sabe que é muito mais fácil personalizar a crítica e dizer que o ministro Mendonça tem é uma certa revolta por ter saído do governo, quer voltar para o governo. É mais humano, digamos assim, do que tentar desqualificar do ponto de vista conceitual.
A outra desqualificação é dizer que eles querem voltar ao sistema anterior, de subsídio, de economia fechada. A personalização serve para desqualificar perante a opinião pública mais singela. E o fato de voltar atrás tenta me desqualificar diante do pessoal da área econômica.
Segundo: a minha impressão é a de que a possibilidade de o ministro Malan ser presidente da República é hoje zero. Até porque a minha capacidade de enxergar a economia permite dizer que a economia, no ano que vem, vai estar pior do que este ano. Não por culpa nossa, mas da situação internacional. Ora, se já estamos vivendo um ano em que o crescimento foi de 4%, mas que não tem uma melhoria clara nem no emprego nem na renda, e o ano que vem será pior que este, essa situação não vai melhorar.
A coalizão do presidente Fernando Henrique Cardoso tem dois candidatos, o Serra (o ministro da Saúde, José Serra) e o Tasso (o governador do Ceará, Tasso Jereissati). Os dois são críticos dessa situação. Mas evidentemente há uma restrição, que é a de como passar essa crítica sendo candidato oficial.
Mas, de todo modo, mesmo o candidato da coalizão (governista) vai dizer: olha, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi fundamental para a estabilidade, mas agora a estabilidade só se consolida com o crescimento.

Folha - É curioso que um acidente de percurso como o caso dos grampos tenha dinamitado seu projeto. Não há uma razão de fundo?
Mendonça de Barros
- O problema é que esse evento (o dos grampos) foi maximizado por outros interesses.
Até recebi uma carta dos senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA, presidente do Senado) e José Sarney (PMDB-AP), porque em entrevista que dei a uma revista fiz referência a uma informação dada por jornalistas de Brasília de que os dois, numa festa na casa da filha do senador Sarney (Roseana Sarney, governadora do Maranhão), teriam ouvido a fita (dos grampos no BNDES) e acertado ali, PMDB e PFL, que era o momento de detonar com o Ministério da Produção.
Eles estavam olhado aquilo como fortalecimento dos tucanos.
A pessoa que me cravou a faca nas costas foi o (então) senador Élcio Álvares (PFL-ES), que era líder do governo. Quando fui à Câmara dos Deputados, depois de três, quatro horas de agressões que sofri ali, inclusive de membros do PFL, menos, e do PMDB, foi dada a palavra regimentalmente ao Élcio Álvares. Todo mundo esperava que ele fosse defender o ministro para defender o governo. Ele foi para o microfone e disse que nada tinha a dizer.
Os dois senadores (Sarney e ACM) negaram (a articulação para detonar o Ministério), mas eu tenho a informação de que isso ocorreu, com data, hora e local.

 

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