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09/10/2006 - 09h35

Assaltos e seqüestros elevam poupança

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JANAINA LAGE
da Folha de S.Paulo, no Rio de Janeiro

As pessoas poupam mais em cidades com aumento nas taxas de crimes contra a propriedade, como furtos, roubos e extorsão por meio de seqüestro, diz estudo elaborado pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e pela Universidade de Nova York. Com base nos dados do Estado de São Paulo, os autores concluem que um aumento de 1% nas estatísticas de crimes dessa natureza resulta em um crescimento de 0,20% no nível de poupança.

Violência e poupança podem parecer, à primeira vista, temas pouco relacionados, mas o elo entre segurança pública e economia são os hábitos de consumo, normalmente afetados pelo aumentos das estatísticas de criminalidade.

O aumento no nível de poupança, neste caso, não está relacionado à solidez financeira. As pessoas poupam por falta de confiança nas entidades públicas, por medo de se tornarem potenciais vítimas de assalto ou de seqüestro-relâmpago ao comprar um carro mais luxuoso ou uma roupa de grife.

Para o sociólogo David Morais, da Universidade Cândido Mendes, o crescimento das cidades nas últimas décadas trouxe não só a ascensão dos níveis de criminalidade como disseminou o medo do crime. Segundo ele, as mudanças se traduzem em pequenos hábitos, como evitar circular em certos bairros à noite, evitar usar artigos de valor ou diminuir a freqüência a bares e restaurantes.

Com isso, as pessoas acabam substituindo o consumo "de risco" pelo mais seguro: em vez de ir ao cinema, alugam um filme, em vez de sair para jantar, pedem comida em casa.

O estudo elaborado por João Manuel Pinho de Mello, da PUC, e Eduardo Zilberman, da Universidade de Nova York, conclui que existe uma relação direta entre as estatísticas de crime e o nível de poupança, mas a relação só é válida para os crimes contra a propriedade. A pesquisa foi realizada a partir do cruzamento de dados das diferentes cidades do Estado de São Paulo com os índices de criminalidade. Crimes considerados mais violentos, como homicídios, têm efeito contrário e acabam por contribuir para uma redução no nível de poupança. Poupar significa, na prática, adiar a perspectiva de consumo. Quando há risco de morte, não existe estímulo para deixar o consumo para depois.

Os dados da pesquisa são referentes a 2000 devido à necessidade de uso de dados do Censo, mas as conclusões indicam uma tendência. "O que acontece em ambientes onde a prática desses crimes é disseminada é que as pessoas reagem saindo menos, vão menos a restaurantes, ajustam o consumo de artigos que podem chamar a atenção, como carros de luxo, porque a chance de ser assaltado é maior", diz o economista João Manuel Pinho de Mello.

Cautela

Nilson Oliveira, coordenador do Instituto Fernand Braudel, afirma que o estudo é pioneiro, mas que deve ser avaliado com cautela. "Os próprios autores destacam que não estão defendendo políticas de indução a esse tipo de crime para aumentar os níveis de poupança. Estão mostrando a relação entre crime, violência e poupança."

Oliveira citou como exemplo um entrevistado de uma pesquisa feita pelo instituto com 1.092 famílias na periferia de São Paulo. "Visitamos o dono de um mercado no Capão Redondo que resolveu construir em cima do mercado um espaço para alugar, em vez de expandir os negócios. Ele acreditava que, assim, tinha menos chances de se tornar vítima de seqüestro." Segundo o pesquisador, o comerciante preferia investir em casas do que na ampliação dos negócios para que eventuais criminosos não vissem sinais de enriquecimento. Além disso, pensava em inibir iniciativas dos possíveis seqüestradores com a dificuldade da família de se desfazer de um imóvel da noite para o dia. "Do ponto de vista econômico, o raciocínio dele é exemplar."

A pesquisa da PUC e da Universidade de Nova York foi realizada com dados disponíveis do Banco Central. Segundo o estudo, a maior incidência de crimes estimula a poupança bancária, e não outras modalidades, como aplicações em fundos de investimento ou acúmulo de dinheiro em casa. Além disso, somente os crimes locais têm influência sobre as decisões financeiras pessoais.

Um dos maiores estímulos à poupança em ambientes de alta criminalidade é a necessidade de realocação. Pesquisa realizada no Rio pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social mostrou que 51% das pessoas gostariam de se mudar em razão da violência. No caso dos fluminenses, a violência se traduziu também em mudança de hábitos: 34% dos entrevistados deixaram de sair de casa à noite e 26% tomam mais cuidado.

Segundo Mello, o estímulo à poupança para a aquisição de um imóvel em outra vizinhança ganha ainda mais peso em um país com mercado de crédito pouco desenvolvido.

Além de reduzir o consumo, o medo de se tornar potencial vítima da violência também reduz as oportunidades de consumo, especialmente em diversão. "Negócios ligados a entretenimento reagem ao aumento da criminalidade fechando mais cedo ou com mudanças para áreas com menor incidência de crimes", diz o estudo.

Apesar dos resultados, São Paulo é o berço da indústria de artigos de luxo no país, mas Mello destaca que esses itens seguem o crescimento da renda. "Se fosse possível reduzir as estatísticas de crimes, provavelmente o consumo destes produtos seria ainda maior."

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