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05/04/2001 - 08h22

"Septicemia" do Mercosul adiou visita de FHC à Argentina

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CLÓVIS ROSSI e JOSÉ ALAN DIAS
da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

O presidente Fernando Henrique Cardoso decidiu adiar a visita de Estado que faria à Argentina, nos dias 16 e 17 deste mês, na mais clara evidência de que o Mercosul, o bloco que Argentina e Brasil formam com Paraguai e Uruguai, está em processo de ''septicemia'', expressão ouvida pela Folha de S. Paulo de diplomatas brasileiros não envolvidos com o Mercosul.

Diplomatas dos dois países estabeleceram uma ponte de comunicações entre Buenos Aires, Brasília e Roma (onde se encontram o presidente Fernando de la Rúa e seu chanceler, Adalberto Rodríguez Giavarini) para tentar apresentar o cancelamento de forma a fazer o menor estrago possível.

Cancelamento, aliás, é uma palavra vetada. Será usada, em seu lugar, a expressão ''adiamento'', uma vez que a visita de FHC deverá acontecer em maio.

O presidente FHC decidiu antecipar sua viagem para a 3ª Reunião de Cúpula das Américas, que acontece em Québec, no Canadá, entre os dias 20 e 22 deste mês.
Segundo o porta-voz da Presidência, Georges Lamazière, FHC quer ir ''uns dois dias antes'' para reuniões bilaterais com outros chefes de Estado e de governo e para fazer reuniões preparatórias com assessores. A viagem de FHC ao Canadá deve ocorrer entre os dias 17 e 18 deste mês.

As diplomacias brasileira e argentina tratam de minimizar o adiamento, apresentando-o apenas como consequência da mudança de cenário na Argentina, desde que a visita foi definitivamente acertada, no dia 12 de fevereiro, quando o chanceler Celso Lafer esteve em Buenos Aires.

À época, a idéia era fazer a visita de FHC funcionar como evidência pública de respaldo a uma Argentina que pouco antes havia conseguido a chamada 'blindagem'' financeira, um empréstimo de quase US$ 40 bilhões de organismos internacionais e da Espanha para evitar o risco de moratória no pagamento de sua dívida.

De lá para cá, no entanto, a Argentina trocou duas vezes de ministro da Economia. Saiu José Luiz Machinea (que obtivera a 'blindagem'') e entrou Ricardo López Murphy, que logo saiu para dar lugar a Domingo Cavallo.

As medidas anunciadas pelo ministro mais recente são duras de engolir tanto pelo governo como pelo empresariado brasileiro.

Para começar, Cavallo anunciou mudanças unilaterais nas tarifas de importação da Argentina, o que, para todos os efeitos práticos, rompe a união aduaneira que é (ou deveria ser) o Mercosul.

Uma união aduaneira pressupõe que, além de zerar as tarifas de importação entre os países-membros (característica de uma zona de livre comércio, que o Mercosul também é), se adote uma TEC (Tarifa Externa Comum, para exportações provenientes de países não-membros).

Cavallo anunciou a redução a zero das tarifas de importação de bens de capital (aqueles destinados a produzir outros bens). Significa, nas contas do governo brasileiro, um prejuízo de cerca de US$ 620 milhões, por um motivo simples: os bens de capital produzidos no Brasil entravam na Argentina com tarifa zero, ao passo que os de outros países pagavam cerca de 14%, ficando portanto mais caros e menos competitivos.

Ao zerar a tarifa para os outros países, a Argentina dá a eles vantagem sobre o produto brasileiro, mais caro por força do chamado 'custo Brasil''.

Ciente de que o Brasil reclamaria, Cavallo correu a Brasília para explicar as medidas e recebeu respaldo tanto do Itamaraty como do Ministério da Fazenda.

Mas não foi um apoio de boa vontade e, sim, fruto da situação de refém que o Brasil ficou da Argentina. Quanto mais piora a crise no vizinho, mais o Brasil é afetado, como o prova o fato de que o dólar, na terça-feira, alcançou a cotação recorde desde o lançamento do Real, em grande medida por culpa da crise argentina.

Para piorar as coisas, Cavallo esqueceu-se de mencionar que, entre os bens de capital, estava incluindo a área de informática, decisão que o governo brasileiro considera inaceitável. Por mais que o ministro já tenha avisado seus pares brasileiros de que vai recuar na questão da informática, o estrago já estava feito.

O cancelamento ou adiamento da visita de Estado (a de mais alto nível, no ritual diplomático) acontece na esteira dessa sequência de fatos, que levou Arturo Porzecansky, economista-chefe para mercados emergentes do ABN Amro Bank em Nova York, a dizer para o jornal britânico 'Financial Times'' que, 'como todas as outras tentativas de criar áreas de livre comércio na América do Sul, o Mercosul morre lentamente''.

 

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