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20/05/2001 - 08h54

Zylbersztajn quer tarifaço permanente

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KENNEDY ALENCAR
da Folha de S.Paulo, em Brasília

O diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), David Zylbersztajn, defende que o tarifaço energético seja permanente, com adaptações.

A sobretaxa de até 200% para os maiores consumidores residenciais e a manutenção da tarifa normal para quem gasta até 200 kWh/mês são os núcleos do plano de racionamento. Para ele, esses parâmetros poderiam ser usados em um novo modelo tarifário.

"Quem consumir no horário de pico paga mais, como na conta de telefone. Defendo isso mais o princípio de cobrar mais de quem gastar mais energia", afirma, referindo-se ao sistema da França. Naquele país, Zylbersztajn, engenheiro de 46 anos, fez doutorado em economia da energia.

Segundo ele, 70% dos consumidores ainda pagariam menos, como no plano que o presidente Fernando Henrique Cardoso adotou. "Todo mundo pagar igual é como não dar progressividade ao Imposto de Renda".

Revela que o governo estuda acabar com a obrigatoriedade de terno e gravata no trabalho: "O ar-condicionado, que gasta muita energia, poderia funcionar numa potência menor".

Para Zylbersztajn, foi "imaturidade e irresponsabilidade" do presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Horacio Lafer Piva, dizer que o plano faria a indústria "regredir ao Terceiro Mundo" por proibir novas ligações elétricas.

Avalia que, se o plano for bem-aceito, deve durar até março do ano que vem, para evitar apagões em 2002. Nega que isso tenha motivação eleitoral.

Ex-secretário de Energia do Estado de São Paulo, ele afirma que não alertou o presidente do risco de crise porque estava cuidando da ANP, órgão que dirige desde 1998. "Agora, aparecem especialistas que fizeram alertas. Não há como individualizar culpas. Foi um sistema, com órgãos que interagem, que falhou." Leia os principais trechos da entrevista.

Folha - O sr. apresentou a proposta que virou o plano de racionamento e interveio quando FHC elaborava seus primeiros planos. Como convenceu o presidente?
David Zylbersztajn -
Como integrante do governo e cidadão, seria omissão não dar opinião. Apesar de não estar diretamente na área de energia elétrica, fiz carreira no setor. O apagão para atender à meta de 20% tinha de ser de seis a oito horas no momento em que as pessoas consomem mais energia. Não dá para medir a consequência disso para o emprego, a produção industrial, o atendimento hospitalar. Tinha o dever de falar que o apagão seria um desastre literal, não uma figura de linguagem. Corte de pouca duração programado não adianta porque tem efetividade muito baixa. É fácil o cidadão ou o comércio reprogramar a rotina e fugir dele. Se o corte não for programado, os semáforos apagam e acontece um acidente em cada esquina.

Folha - Por que o sr. sugeriu que não fosse aplicado o sistema de multas, mas o tarifaço?
Zylbersztajn -
Havia erro conceitual, injustiça social e causaria inadimplência. Não eliminava o apagão e o consumidor ficaria "apagado" porque não pagou.

Folha - Sua proposta não é parecida, uma multa disfarçada?
Zylbersztajn -
De jeito nenhum. A multa ia até 45 vezes. Começava com cinco vezes a tarifa, para qualquer consumidor. No sistema adotado, até 200 kWh, a meta de 20% só serve para ganhar bônus. Até esse limite, está 70% da sociedade. Agora há premiação e sobretaxa. E, acima de 501 kWh, a sobretaxa atingirá 4% da população. Será atingido quem consome mais, tem mais espaço para economizar e dinheiro para pagar.

Folha - Com adaptações, esse plano poderia servir de base para um novo sistema tarifário?
Zylbersztajn -
Sim. E, para o setor residencial, não só pelo critério do consumo, mas pelo da hora. Na França, há a chamada tarifa amarela, que considera a hora. Quem consome no horário de pico paga mais, como na conta de telefone. Todo mundo pagar igual é como não dar progressividade ao Imposto de Renda.

Folha - Em quanto tempo isso seria implementado?
Zylbersztajn -
Demora porque tem de mudar os medidores.

Folha - Seria possível começar no governo FHC?
Zylbersztajn -
Poderia ser tentado. Defendo como uma questão de justiça social. Quem consome mais é quem tem mais renda. Hoje, usa-se um dinheiro de todos para favorecer uma parcela menor da sociedade.

Folha - O sr. tem uma idéia de custos e parâmetros?
Zylbersztajn -
O parâmetro estamos usando agora. Com um consumo mensal de 200 kWh, abarcamos 70% dos consumidores, que continuariam a pagar menos.

Folha - Os valores seriam semelhantes aos do racionamento ou deveriam ser suavizados?
Zylbersztajn -
Os valores hoje têm correlação próxima ao custo da escassez da energia. Logo, faz sentido tê-los como parâmetro.

Folha - As distribuidoras de energia dizem que o plano não dará certo, que é complicado e que os apagões serão inevitáveis.
Zylbersztajn -
É muito mais fácil para as distribuidoras fazer o apagão. É a teoria da comodidade.

Folha - Se não houver queda de consumo, apesar da sobretaxa, o governo tem um plano B?
Zylbersztajn -
São os apagões, que podem ser mais suaves.

Folha - Até quando deve durar o plano? Acaba no final de outubro ou se estende até março?
Zylbersztajn -
A duração dependerá de três fatores. Da adesão da sociedade, o que não tenho dúvida de que ocorrerá, das chuvas e dos projetos de aumento de oferta de energia. Haverá uma série de medidas. Elas darão uma margem para não precisarmos repetir isso em 2002 e termos uma situação confortável em 2003.

Folha - Se for bem-aceito, deve se estender o plano para fevereiro, março do ano que vem?
Zylbersztajn -
Sim. O presidente até falou de um conceito chinês: da crise, tirar um resultado positivo. A sociedade vai ter desenvolvido uma cultura contra o desperdício. A população vai perceber que ela pode, sem abrir mão do conforto, gastar menos energia e pagar menos. Boa parte das indústrias vai se tornar mais competitiva, porque produzirá o mesmo gastando menos energia.

Folha - Evitar os apagões em 2002 tem relação com a eleição e com a aspiração de FHC de terminar com boa imagem o mandato?
Zylbersztajn -
Não houve preocupação se era ano eleitoral porque o problema se colocou hoje. Se apagão tem impacto eleitoral negativo? Tem. O melhor eleitoralmente e para o governo é não esticar até março. Por uma questão de responsabilidade, se precisar esticar, estica.

Folha - O plano tem medidas que vão afetar o PIB. A Fiesp diz que a indústria pode abortar o crescimento e "regredir ao Terceiro Mundo". Está certa?
Zylbersztajn -
Falaram antes de ver as medidas. Cadê a solução, Fiesp? Ah, vão dizer "estamos há anos falando". Não adianta agora. Querem apagão? Foi muito precipitada a opinião, no dia do anúncio do plano. Tem certa dose de irresponsabilidade e de imaturidade nessa história.

Folha - Da Fiesp? Do seu amigo Horacio Lafer Piva?
Zylbersztajn -
Sim, da Fiesp, do meu amigo Horacio Piva, inclusive. Vai entender primeiro direito o que está acontecendo. Tem de ver o conjunto do Brasil. O Brasil não é a Fiesp.

Folha - Por que não houve a diversificação da matriz energética?
Zylbersztajn -
Até um ano e pouco atrás, o Brasil batia no peito e dizia: "Junto do álcool, o Brasil é o país que tem a matriz energética com mais recursos renováveis". Acho que tem de ser feita, mas não conheço ninguém, inclusive eu, que defendia a ampliação da matriz com combustíveis fósseis que emitem gases e aumentam o efeito estufa. Devemos ter alternativas complementares ao setor hidrelétrico, que deve continuar a ser a menina dos olhos.

Folha - Ser o principal autor das medidas lhe rendeu críticas de ser eminência parda do setor e de usar o fato de ser genro do presidente para interferir em assuntos fora de sua alçada.
Zylbersztajn -
Não quero ser eminência parda de nada. Ninguém é obrigado a aceitar minha opinião. Ninguém é presidente por acaso. Quem é presidente sabe calcular riscos, fazer avaliação e tem outros interlocutores.

Folha - No governo, diz-se que ser genro de FHC facilita a relação com ele, mas o impede, por exemplo, de ser ministro de Minas e Energia. O sr. é beneficiado ou prejudicado?
Zylbersztajn -
Fora a relação pessoal, profissionalmente me dá muito mais trabalho. Prejudica mais do que ajuda. Com exceção deste momento, só dou opinião quando chamado. Nunca pleiteei nem tenho intenção de ser ministro de Minas e Energia.

Folha - Em 1994 e 1998, quando FHC ganhou a eleição, ele usou o discurso de que a oposição não era capaz de gerenciar o Brasil. A crise energética colocou essa capacidade em xeque.

Zylbersztajn -
E os outros setores? Veja os indicadores da educação, da saúde, das telecomunicações, de petróleo. O gerenciamento não pode ser generalizado pela exceção, mas pela maioria.

  • Veja especial sobre a Crise Energética
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