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02/06/2001 - 08h43

Argentina paga caro para rolar dívida

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CLÓVIS ROSSI
ROGERIO WASSERMANN
da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

A Argentina ganhou um tempo, mais curto do que o inicialmente imaginado, mas não conseguiu sair da UTI (Unidade de Terapia Intensiva), com o início, ontem, da operação de megatroca de títulos da dívida pública.

A metáfora médica foi ouvida pela Folha de mais de um analista, ao final de uma semana em que as más notícias se acumulavam uma atrás da outra.

A evidência mais notória de que os termos da megatroca (cujos detalhes só serão anunciados na noite de domingo ou na segunda-feira) não satisfizeram os mercados está dada pelo comportamento do índice de risco-país. Subiu 36 pontos e instalou-se em 1.017 pontos, o que significa 10,17% de sobretaxa em relação ao que os Estados Unidos pagam pela colocação de seus títulos.

O total de ofertas recebidas pelo governo argentino para a operação de megatroca de títulos soma US$ 32 bilhões, segundo anunciou ontem à noite Cavallo.

O índice de risco-país é considerado o principal termômetro de confiança (no caso, desconfiança) dos investidores.

Por que a reação do mercado foi negativa? Acima de tudo porque a taxa de juros que o governo pagará pelos títulos que serão oferecidos em troca dos antigos ficará, na média, entre 15% e 16%, uma taxa elevadíssima.

Para o ministro Domingo Cavallo, as altas taxas de juros oferecidas pelo governo não são um problema, 'porque são as taxas que estão no mercado, e são mais baixas que as que a Argentina pagaria para rolar sua dívida sem fazer essa operação'.

O economista Juan Alemann, ex-secretário de Finanças, chega a dizer que o novo perfil da dívida, resultante da troca, poderá ser 'catastrófico' para os futuros governos.

Há a possibilidade, diz Alemann, de que, em 2008, quando vence parte dos novos papéis, a concentração de pagamentos seja ainda mais alta do que a atual.

'As futuras gerações suportarão um pesado fardo se o país não crescer a altas taxas', diz.

Reforça Walter Molano, analista da BCP Securities: 'A megatroca será ruinosa para a Argentina, no médio e longo prazos'.

Mesmo os analistas que consideram inevitáveis as taxas altas não deixam de apontar problemas. É o caso, por exemplo, de Leonardo Chialva (Delphos Investment), para quem as taxas são de fato 'preocupantes', mas necessárias para atrair os investidores e, assim, 'evitar o abismo'.

Mas, adverte Chialva, os problemas ressurgirão a curto prazo, se não houver controle do déficit público e reativação da economia, em recessão há três anos.

Em ambos os pontos tocados por Chialva, as notícias não são boas. Primeiro, déficit público: o de maio foi de US$ 1,280 bilhão, 49% superior ao de abril, segundo o Estúdio Broda e Associados, o mais renomado do país.

Se essa cifra for correta, o déficit acumulado em abril e maio chegaria a US$ 2,1 bilhões, US$ 300 milhões acima da meta fixada com o FMI para o segundo trimestre. O Estúdio Broda garante que, com o superávit que espera para junho (US$ 234 milhões), a meta será cumprida. Mas há forte controvérsia no mercado, o que só torna mais rarefeito um ambiente já volátil.

No quesito recessão, os fatos são ainda mais apocalípticos: o Índice de Confiança do Consumidor, elaborado pela Fundação Mercado, caiu 28% em maio. Pior: mais de 75% das famílias crêem que sua situação econômica não melhorará nos próximos meses.

Consequência inevitável: apenas 5,5% delas têm intenção de comprar bens duráveis, como veículos, casas ou eletrodomésticos. Não é exatamente o melhor dos ambientes para que a Argentina saia da recessão.

Há mais fatores, extra-econômicos, a pesar negativamente sobre o cenário. A ala dissidente da CGT (Central Geral dos Trabalhadores) já convocou para o dia 8 uma greve geral. Ameaça derrubar 'à força' o ministro da Economia, Domingo Cavallo.

Análises obtidas pela Folha mostram, aliás, que Cavallo já teve bem mais espaço político do que gozava ontem, justamente no dia em que se iniciava a megatroca, que daria um poderoso balão de oxigênio para o ministro tentar reanimar a economia prostrada.

No campo político, há eleições parlamentares em outubro, mês que passou a ser visto como o limite de ganho de tempo conseguido com a megatroca, em vez de um ano, como inicialmente imaginado.

Há, ainda, o fato de que até a União Industrial Argentina, geralmente preocupada só com negócios, aprovou documento no qual pede combate à fome e classifica a crise de 'a pior da história', pior mesmo do que a de 89.
 

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