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16/07/2001 - 08h45

'Desvalorização é opção menos dolorosa' para Argentina, diz analista

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RICARDO GRINBAUM
da Folha de S.Paulo

Insistir na paridade cambial (um peso vale um dólar) é prejudicial à Argentina, diz José Júlio Senna, sócio-diretor da consultoria econômica MCM e ex-diretor do Banco Central.

Senna diz que, quanto mais a Argentina tentar adiar a desvalorização do peso, pior será para o país e também para o Brasil. Para o economista, não existem boas opções em jogo.

''É como ir ao psicanalista, ao médico-cirurgião ou ao cirurgião-dentista'', diz Senna. ''Em certas horas, eles têm que dizer que não há solução.''

Muitos economistas dizem que a desvalorização do peso levaria a um calote da dívida. Isso ocorreria porque o valor da dívida, atrelada ao dólar, subiria muito com a mudança cambial. Para Senna, mesmo que o governo argentino seja levado a decretar moratória de sua dívida, essa ainda é a opção menos dolorosa para o país.

''Uma moratória é horrível? É. Mas qual é a alternativa? Continuar nesse cabo-de-guerra?''

Na avaliação do ex-diretor do BC, uma eventual moratória na Argentina poderia dificultar ainda mais o acesso brasileiro ao crédito internacional.

Além disso, o Banco Central teria de elevar os juros para limitar a alta do dólar, mas a medida seria por curto prazo. ''O dólar já subiu tanto que, se a cotação ficar mais alta, vai aparecer gente querendo vender e a moeda deve ceder um pouco'', diz o economista.

Na semana passada, Senna deu a seguinte entrevista à Folha de S.Paulo:

Folha de S.Paulo - A Argentina está caminhando para uma desvalorização ou uma moratória?

José Júlio Senna - A chance de essa interpretação estar correta é muito alta. A frase do ministro Cavallo dizendo que o crédito para a Argentina acabou e, portanto, o governo tem que partir para uma política de déficit zero é muito forte. É o reconhecimento da mensagem que o mercado já estava mandando havia algum tempo para a Argentina. Esse é um momento de grande estresse e é difícil prever qual será o formato do desfecho da crise. Não acredito que o ministro Cavallo jogue a toalha e destrua sua própria criação. Cavallo vai tentar promover um forte corte de gastos, mas a sociedade argentina vai rejeitar, assim como rechaçou medidas parecidas do ex-ministro López Murphy.

Depois de três anos de recessão, é muito difícil efetuar um corte de gastos. Teremos um impasse político cada vez mais severo, podendo levar a uma ruptura da conversibilidade. A Argentina não tem esperança há muito tempo. A insistência na defesa do currency board (sistema de paridade cambial) tem sido prejudicial. Isso não quer dizer que a transição para outro regime vá ser suave ou fácil. Será extremamente custosa.

Folha de S.Paulo - Qual seria a solução para a crise argentina?

Senna - Tenho visto muita gente discutir qual seria a solução. Mas é como ir ao psicanalista, ao médico-cirurgião ou ao cirurgião-dentista. Em certas horas, eles têm que dizer que não há solução.

O que há são coisas mais sensatas a ser feitas numa situação crítica, de maneira a minimizar os custos e provocar o menor impacto adverso possível.

É mais sensato parar com a insistência de defesa do currency board. Isso vai implicar uma moratória? Vai. É horrível? É. Qual é a alternativa? Continuar nesse cabo-de-guerra?

A cada 15 dias em que tiver um novo leilão de títulos do governo será o mesmo inferno. Não tem feriado toda hora para negociar taxa com banqueiro.

Folha de S.Paulo - Se a Argentina desvalorizasse sua moeda e tivesse que declarar moratória, como prevêem muitos economistas, quais seriam as consequências para o Brasil?

Senna - O Brasil já tem uma dificuldade significativa para conseguir crédito. Levantar dinheiro no exterior está mais difícil e mais caro. A gente paga um spread (diferença de juros em relação aos títulos do Tesouro americano) acima de 900 pontos-base (nove pontos percentuais) e essa dificuldade vai aumentar. Por quanto tempo, a gente não sabe.

Provavelmente, essa situação vai exigir que o Banco Central promova um aumento mais forte da taxa de juros. O dólar já subiu muito nos últimos tempos. Se subir mais com a crise argentina, parte dos investidores vai achar que será um bom negócio vender a moeda americana. Ou seja, o dólar pode subir, mas recua em seguida um pouco.

Nessa hora, o Banco Central terá de ser rápido. O BC vai ter que subir os juros para não jogar a confiança na lata do lixo, mas a alta não poderá durar muito tempo.

Folha de S.Paulo - Qual a sua avaliação da economia brasileira no momento?

Senna - O Brasil, lamentavelmente, tem características semelhantes às da Argentina. Como disse o presidente do Banco Central, o Brasil não está em rota de crise. Mas o Brasil tem aspectos que o deixam numa situação parecida com a da Argentina.

Os dois países controlaram a inflação à custa do aumento da vulnerabilidade externa. O Brasil ficou mais vulnerável, mas não é por causa do regime de câmbio flexível. O câmbio flexível é o melhor para enfrentar esse tipo de situação. Estamos mais vulneráveis porque estamos usando uma parcela cada vez maior das exportações para pagar o capital estrangeiro, para remeter lucros, dividendos e juros.

Quando começou o Plano Real, usava-se o equivalente a cerca de 20% das exportações para pagar os compromissos externos. Hoje, pagamos quase 40%. O passivo externo líquido -que é a soma da dívida externa líquida mais o estoque de capital estrangeiro- em 1995 era 20% do PIB. Está indo para 75%.

O déficit em conta corrente está indo para 5% do PIB. A proporção da dívida líquida sobre as exportações é mais de quatro vezes superior. O déficit nominal vai ficar entre 7% e 9% do PIB. Se o câmbio ficar em R$ 2,35 por dólar, o déficit vai para 7%. Mas, como a taxa de câmbio está acima desse patamar, o déficit pode chegar a 9% do PIB.

Esses são indicadores ruins, e a proximidade das eleições dificulta eventuais correções de rumo da economia, mas não estamos em rota de crise.

Leia mais no especial sobre Argentina

 

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