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04/08/2001 - 07h45

Análise: Argentina passa por uma dolorosa formatura

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ERNST PREEG
especial para o "Financial Times"

A argentina está chegando ao fim da linha de seu vínculo cambial fixo com o dólar, que dura dez anos. Deve acabar dentro de semanas ou meses.

O problema fundamental é que a economia argentina não se adapta bem à dolarização. Apenas uma pequena proporção do seu comércio externo é com os Estados Unidos, e as exportações argentinas de produtos agrícolas têm baixo potencial de crescimento por lá.

Nos últimos anos, a Argentina acumulou um grande déficit no comércio com os Estados Unidos, e as transações entre os dois países estão se reduzindo, à medida que a crise argentina se desenrola. As relações de mercado, portanto, indicam um declínio secular do peso em relação ao dólar.

Um dispendioso vínculo cambial fixo entre o peso e o dólar, no entanto, impediu que esse ajuste fosse realizado.

Empréstimo do FMI
Em lugar disso, o sistema exacerbou o problema, porque os parceiros comerciais da Argentina no Mercosul desvalorizaram suas divisas. Três anos de austeridade sem crescimento e um empréstimo de US$ 40 bilhões organizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) permitiram que o governo da Argentina mantivesse o peso supervalorizado, mas o prazo está-se esgotando.

Se o vínculo entre peso e dólar fosse sólido, as taxas de juros das duas moedas seriam as mesmas, mas os juros sobre o peso agora aumentaram para 15% acima das taxas comparáveis em dólar, o que significa que o vínculo não é sustentável. Domingo Cavallo, o ministro da Economia, já semeou a dúvida ao criar um regime de câmbio diferenciado para as transações de comércio externo.

A perspectiva de uma queda substancial na cotação do peso acarreta uma questão imediata relacionada à severidade da aterrissagem que a economia terá de enfrentar. Infelizmente, será um impacto duro. O atraso de três anos no processo de ajuste, o acúmulo de dívida externa e o fato de que o sistema financeiro do país se tornou altamente dolarizado deflagrarão uma queda profunda do peso.

Ela pode ficar na faixa dos 20% a 30% ou atingir até os 80% e 90%, como previu David Hale no "Financial Times" de 18 de julho. O ajuste será particularmente doloroso para a liderança política, que procurou por uma solução para décadas de alta inflação e instabilidade na cotação cambial do peso em relação ao dólar.

Mas há indícios favoráveis quanto ao futuro, para o sistema financeiro internacional e quanto ao papel do FMI em especial. A crise da Argentina provavelmente será o último exemplo de grande pacote financeiro de assistência organizado pelo FMI, um método que proliferou nos anos 90.
Os acontecimentos na Argentina se assemelham aos do México, da Tailândia, da Indonésia, da Coréia do Sul, da Rússia e do Brasil na década de 90.

No fim, todos os seis países tiveram de abandonar sua vinculação cambial ao dólar e adotar uma política de flutuação livre do câmbio, com intervenção administrativa ligeira.

Tesebonos
Os ""tesebonos" mexicanos de 1994, com garantia de remuneração em dólar, também oferecem um paralelo para o problema do mercado financeiro dolarizado que a Argentina tem hoje, se bem que em escala muito menor.

Depois que esses seis países em crise adotaram taxas flutuantes de câmbio, Turquia e Argentina se tornaram as duas economias mais vulneráveis no grupo das que adotam âncoras cambiais.

Agora a Turquia liberou seu regime de câmbio, e a Argentina não demorará a fazer o mesmo. China e Hong Kong ainda retêm seus sistemas de vínculo ao dólar, mas informações vindas de Pequim indicam uma provável adoção de maior flexibilidade cambial. De qualquer forma, tanto a China quanto Hong Kong têm altos níveis de reservas oficiais para atenuar um possível ajuste das taxas de câmbio.

Sistema duplo
As relações financeiras internacionais, portanto, se alteraram definitivamente rumo a um sistema duplo que inclui uniões monetárias como a da Europa em uma ponta e taxas de câmbio livres na ponta oposta.

Um resultado positivo dessa transição é que a crise financeira argentina causará relativamente pouco contágio financeiro. Outras economias afetadas podem simplesmente permitir que suas divisas caiam um pouco para compensar qualquer influência argentina.

O resultado mais profundo será um novo alvorecer para o sistema financeiro internacional, envolvendo um papel muito menor para os empréstimos do FMI às economias de mercado emergente na Ásia, na América Latina e na Europa Oriental. Elas se "formarão" e abandonarão os empréstimos do Fundo, da mesma forma como os países industrializados fizeram 25 anos atrás. No total, de 80% a 90% da economia mundial será composta por países "formados" do FMI.

Em discurso realizado em Londres em 1999, Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, projetou exatamente esse percurso: "Em 1976, as pessoas não se surpreendiam por o Reino Unido recorrer ao FMI.
Hoje, isso seria inconcebível. A meta do FMI deveria ser marcar um caminho para a formatura das economias de mercado emergente, de modo que elas também cheguem a um ponto em que recorrer ao FMI em busca de apoio financeiro seja impensável".

Ainda não chegamos lá, e talvez para que isso aconteça seja necessária mais uma penosa crise econômica na Argentina.

Paul O'Neill
Mas Paul O'Neill, o sucessor de Summers, pode estar em posição de ajudar a celebrar a formatura de países como a Argentina em um novo estágio de desenvolvimento econômico, que os liberte das crises financeiras perturbadoras e deflagradas de fora, e da necessidade de acumular imensas dívidas externas.

  • Ernst Preeg é pesquisador sênior de comércio internacional e produtividade na Manufacturers Alliance/Mapi, em Arlington, Virgínia

  • Tradução de Paulo Migliacci

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