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23/09/2001 - 09h00

Brasil "joga fora" R$ 150 bilhões por ano

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FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
da Folha de S.Paulo

Um movimento antidesperdício começa a espalhar-se pelo país. Cálculos feitos por especialistas a pedido da Folha de S.Paulo revelam que o país joga fora cerca de 15% do PIB (Produto Interno Bruto), ou R$ 150 bilhões por ano. Alguns falam em até 40%.

Num restaurante da rede Habib's, no centro de São Paulo, quem raspa o prato paga o preço fixo de R$ 3,90, independentemente de quantas vezes se servir. Quem deixa restos de comida paga o dobro.

Assim como a loja do Habib's, que está querendo jogar menos comida fora, o racionamento de energia elétrica trouxe à tona um problema que é gigantesco no país -o desperdício.

As ações para economizar água, alimentos, material de construção e embalagens, ainda incipientes, passaram a ser debatidas intensamente em vários setores da economia nos últimos três meses.

O uso mais racional da eletricidade, forçado pela crise energética, despertou a consciência de que o consumidor pode economizar muito mais, sem viver com desconforto -o mesmo vale para a indústria, o comércio e o setor de serviços. O tema ganhou força nos últimos dias com o fato de o mundo estar na iminência de uma guerra.

Apesar de não ser medido com precisão, as estimativas do desperdício assustam. Economistas e acadêmicos falam que alguns setores perdem até 40% do que produzem -é o caso dos hortifrutícolas. Significa que, de cada 100 pés de alface plantados e colhidos, 40 vão para o lixo.

Os exemplos são inúmeros. Cerca de mil toneladas de alimentos por dia são desperdiçadas nas feiras livres em todo o país. Na construção civil, a cada três prédios construídos joga-se fora material para erguer mais um.

No caso da água, a estimativa é que o consumidor paulista desperdice 5%, o que equivale a 92 bilhões de litros por ano só no Estado de São Paulo. É água suficiente para abastecer a população da cidade de Guarulhos. Se forem consideradas as perdas com vazamentos, a previsão é que esse percentual chegue a 50%, dependendo da região do país.

Combate
O Provar (Programa de Varejo) da USP deu início a um programa para quantificar e combater as perdas nos supermercados. Elas correspondem a 2,5% do faturamento total do setor -ou R$ 1,74 bilhão neste ano. Esse valor dá para alimentar 600 mil famílias por um ano, considerando um gasto mensal de R$ 247 por casa.

"Só agora o Brasil começa a tomar consciência de que é preciso evitar o desperdício", afirma Cecília Leote, coordenadora técnica do Provar. Evitar o desperdício, na prática, diz ela, também significa aumentar a rentabilidade.

Nos restaurantes, o desperdício é maior ainda, especialmente naqueles que cobram preço fixo por refeição. A atitude do Habib's, em prática em uma das suas 180 lojas, espanta os clientes não-frequentes, mas ganha o apoio dos consumidores tradicionais.

A supervisora da loja, Rejane Gomes, vai de mesa em mesa explicar para o cliente o motivo do preço mais caro. "Tem muita gente morrendo de fome por aí", argumenta. Essa mensagem é transmitida diariamente para 15 a 20 pessoas das 320 que almoçam lá.

Na construção civil, o combate ao desperdício virou palavra de ordem nas grandes empreendedoras nos últimos meses. Nos cálculos de Lenilson Marques Araújo, gerente da empresa de engenharia JCM, as obras perdem, em média, 22,3% do material -o índice já chegou a 30%. As construtoras estão muito mais preocupadas com cálculos precisos.

"Estamos armando ações para pegar o rastro do racionamento de energia e levar para outros setores. Uma idéia é priorizar empréstimos para empresas que combatem o desperdício", diz Alfredo Gastal, gerente de projetos do Ministério do Meio Ambiente.

Há três meses, a Sabesp, empresa que distribui água em São Paulo, está enviando técnicos a escolas, postos de saúde, condomínios residenciais e empresas para tentar diminuir o desperdício.

Numa unidade da Ford, diz Gastal, o consumo de água caiu 35% sem abalar a atividade da empresa. Num condomínio residencial de 4.500 pessoas, a redução foi da ordem de 16%.

Desperdício até no voto
Em Santo André, a companhia municipal de distribuição de água montou, para visitação, o protótipo de uma casa econômica, que não desperdiça.

Feita de acrílico e vidro, a casa mostra quanto é possível economizar na hora da descarga, de lavar a louça ou escovar os dentes. O projeto faz parte do programa de educação ambiental que a entidade colocou em ação, diz o engenheiro Norberto Padovani Pinto.

A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) também decidiu intensificar os programas de qualidade. Pela internet, é possível participar de um sistema de auto-avaliação para verificar o desempenho de produção, estratégias e atendimento ao cliente de uma empresa.

Ao preencher os dados, a fábrica obtém uma nota e recomendações, além de um roteiro on-line para colocar em prática programas de eficiência. Desde o lançamento do SP Qualidade, em agosto, a Fiesp registrou o acesso de 1.080 empresas. "Mais de 50% delas mostraram que ainda há muito o que fazer para melhorar a competitividade", diz a técnica Alessandra Alvares.

O desperdício não está apenas na água, na luz, na comida, na construção ou não indústria. Até o setor de serviços entra nessa lista. Segundo a UBQ, o setor perde 30% do seu trabalho pela falta de qualidade. No Japão, essa perda varia de 1% a 3%. Nos EUA, está entre 5% e 8%.

A lista de tudo o que é desperdiçado no país não tem fim, segundo os especialistas. O desperdício está nas palavras, no tempo, nos impostos pagos e não-usados em benefícios, nos recursos humanos e até nos votos.

"Pode se eleger um político com poucos votos numa legenda forte, enquanto outros ficam de fora, apesar de bem votados", diz Emílio Eigenheer, professor da Universidade Federal Fluminense.

 

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