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11/10/2001 - 09h30

Por que não privatizar os bombeiros de Nova York

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PAUL KRUGMAN
Colunista do ''The New York Times"

Identifiquei uma agência do governo que, sob os critérios usuais, deveria ser alvo primordial para um corte de pessoal e funções, ou talvez até para a eliminação.

Alguns poderiam defender a atribuição de boa parte das funções dessa agência à iniciativa privada.

E não há questão de que os custos da agência seriam reduzidos se seu trabalho fosse terceirizado para as empresas privadas, que não teriam que seguir regras severas quanto à contratação e demissão de funcionários. De fato, muitos dos funcionários da agência recebem muito mais do que pessoas com qualificações semelhantes no setor privado.

Que agência estou descrevendo? O Corpo de Bombeiros da cidade de Nova York.

Por que Nova York precisa de bombeiros? É, ou deveria ser, óbvio que não podemos deixar a proteção contra incêndios aos donos de cada edifício; um incêndio que comece no meu prédio pode-se espalhar ao seu.

Mas o motivo para que Nova York não possa contratar empresas privadas para cuidar de seu combate a incêndios é menos óbvios. A resposta básica é que a cidade não tem como redigir um contrato que cubra todas as possibilidades, e assim uma empresa privada sempre teria um incentivo para economizar à custa da segurança pública.

E isso simplesmente não é aceitável quando algo de tão importante está em jogo, e em particular quando aquilo de que precisamos são funcionários públicos orgulhosos de seu trabalho, preparados para enfrentar qualquer risco a fim de nos proteger. Pessoas como os heróicos bombeiros de Nova York, em lugar de trabalhadores que sentem que recebem o menor salário possível de uma empresa cuja preocupação básica é o lucro.

Para resumir, há certas coisas que o governo precisa fazer. O que nos conduz à questão do momento: segurança nos aeroportos.

Estudos e mais estudos vêm defendendo a federalização da segurança aeroportuária, por motivos muito semelhantes àqueles que levam os governos municipais a aceitar a responsabilidade pelo combate a incêndios. Talvez não esperemos que os seguranças dos aeroportos arrisquem suas vidas, mas colocamos nossas vidas nas mãos deles.

A essa lista de motivos, mais um acaba de ser acrescentado: a necessidade de divulgar e receber acesso a informações confidenciais sobre suspeitos de terrorismo. Será que os acontecimentos recentes enfim puseram término às dúvidas?

Não, não puseram. O deputado Bob Barr, republicano da Geórgia, expressa a situação assim: "Para mim, como conservador, estudo o problema e pergunto se ele é uma função federal".

Pensemos sobre isso por um minuto. Terroristas embarcam em um avião em Boston e o empregam para matar milhares de pessoas inocentes em Nova York e Barr ainda assim não vê de que maneira a segurança dos aeroportos é função federal? O que o convenceria de que o governo federal tem papel a desempenhar?

Suspeito de que, caso o exército dos Estados Unidos já não existisse, ele se oporia a criá-lo. Talvez alegasse que milícias estaduais, auxiliadas por alguns poucos empreiteiros independentes (ou seja, companhias de mercenários) seriam capazes de fazer o trabalho.

E as opiniões de Barr estão longe de constituir exceção. Os líderes republicanos no Congresso se declararam irredutivelmente opostos à federalização da segurança dos aeroportos, alegando que isso representaria a criação de uma nova burocracia federal. Eles chegaram a denunciar a federalização como "socialismo". E ao que parece disseram ao governo Bush que prefeririam não alterar a lei de segurança dos aeroportos a trabalhar com um anteprojeto que resulte na criação de novas funções federais.

O caso aqui vai além da segurança dos aeroportos. O que ficou claro agora, se ainda restava alguma dúvida, é que a direita linha-dura norte-americana é simplesmente fanática. Não há nada, literalmente, que a convença a aceitar a necessidade de aumentar os gastos federais.

E não estamos falando sobre alguns extremistas isolados, mas sobre os homens que controlam o Partido Republicano no Congresso e que agora parecem, uma vez mais, estar no controle da Casa Branca.

Pois o governo Bush, depois de flertar com a moderação nas semanas que se seguiram ao ataque terrorista, parece nos últimos dias ter retomado sua convicção de que a direita linha-dura, incansável e sempre queixosa, precisa ser apaziguada o tempo todo, mesmo durante uma crise nacional.

Em um determinado nível, confesso que não consigo entender. Compreendo que as pessoas se oponham a qualquer coisa que soe como redistribuição de renda, embora eu me oponha. Mas como alguém pode se opor em princípio a um programa cujo único propósito é proteger o público e restaurar a confiança?

Qualquer que seja a explicação, a discussão sobre a segurança nos aeroportos não deixa dúvidas sobre uma coisa: a fanática desconfiança da direita no governo é o fato central da política norte-americana, mesmo em um momento de terror.

*Paul Krugman, economista, é professor da Universidade Princeton (EUA)
*Tradução de Paulo Migliacci

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