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20/12/2001 - 07h55

A crise mais grave na Argentina é a da desesperança

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CLÓVIS ROSSI
Colunista da Folha de S.Paulo

O aspecto mais grave da crise argentina não está dado pelos saques, pela decretação do estado de sítio, pela recessão que já dura três anos e meio, pelo recorde de desemprego, de miséria e de desigualdade registrados pelas estatísticas oficiais.

A crise mais grave é a desesperança. O país tentou de tudo, no último quarto de século, e cada tentativa terminou em um beco escuro e sem saída.

Tentou, no período 1976/83, a mais sangrenta ditadura militar de sua história já pletórica em sangue e em ditaduras.

Terminou numa derrota militar em uma insana guerra contra os ingleses pela posse das ilhas Malvinas, perdidas no Atlântico Sul, em 1982.
Festejou, no ano seguinte, a volta da democracia e a posse de Raúl Alfonsín, então líder de um partido (União Cívica Radical) quase centenário, dos mais tradicionais das Américas.

Na campanha presidencial, Alfonsín jurou que, com a democracia, viriam também boa educação, cuidados com a saúde, comida para todos.
Seu governo foi encurtado em seis meses, engolidos pela hiperinflação, que, por sua vez, gerou os saques que agora se repetem (ironia das ironias, em outro governo de um líder radical).

A Argentina tentou, então, em 1989, a volta ao peronismo, o mais clássico e bem sucedido populismo da América Latina, um continente em que o populismo fez, para o bem e para o mal, a maior parte de sua história pós-independência.

Mas a versão moderna do peronismo, encarnada por Carlos Saúl Menem, arquivou todo o receituário clássico do peronismo e enveredou pelo mais completo guia de medidas neoliberais.

Exceto por um aspecto, hoje crucial: congelou o câmbio, uma intervenção do Estado em um preço que os liberais dizem que deve ser regulado pelo mercado.

Menem ainda conseguiu um segundo mandato, mas terminou-o desprestigiado, pela corrupção e pelo fato de que a recessão já estava instalada. Tão desprestigiado que passou meses preso, sob acusação de venda irregular de armas, sem que houvesse a menor comoção no país.

Ao exuberante Menem sucedeu o "aburrido" Fernando de la Rúa, que, chamado para mudar o rumo do país, preferiu, este ano, recorrer ao mago do câmbio congelado, Domingo Cavallo, apesar de este não ter passado dos 10% dos votos quando tentou se eleger presidente.

Cavallo já não tinha mais coelhos para tirar da cartola, e o país foi afundando com uma crise aguda a cada mês, primeiro, a cada semana, depois, a cada dia, atualmente.

Contada essa história, entende-se a desesperança dos argentinos, que já se manifestou na eleição parlamentar de outubro, com recorde de votos nulos/brancos e de abstenção.

Por ironia, mais uma, é a desesperança que sustenta o derrotado De la Rúa. Se ele renunciar, pedido que se faz cada vez mais na Argentina, assume o presidente do Senado, Ramón Puerta (peronista), cinza demais para entusiasmar alguém.

Nessa hipótese, Puerta comandaria a transição até a eleição, pela Assembléia Legislativa (Câmara e Senado), de um novo presidente.
O novo presidente tem que ser escolhido apenas entre os que têm mandato eletivo (governadores, deputados e senadores).

Ou, posto de outra forma, teria que ser eleito alguém do mesmo conjunto que sofreu rejeição recorde nas parlamentares de outubro. Tudo somado, parece a letra de um tango. Pena que seja um resumo da história recente da Argentina e das perspectivas para o futuro imediato.

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