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27/12/2001 - 07h57

Análise: Maquiar desvalorização é tolice perigosa

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do "Financial Times"

A Argentina decretou moratória, como se esperava, sobre sua dívida soberana de US$ 147 bilhões. Depois da queda do governo de Fernando de la Rúa, uma moratória explícita desse tipo se tornou inevitável.

Para o novo governo, de Adolfo Rodríguez Saá, essa era também a parte fácil do que é preciso fazer. Agora, é preciso explorar essa oportunidade, e não desperdiçá-la em uma orgia de irresponsabilidade. Os presságios, infelizmente, são ruins.

Além da moratória, a principal idéia do governo é criar uma terceira moeda, o "argentino", que operará com dólar e peso. O peso continuará vinculado ao dólar e, aparentemente, não se tentará redenominar a dívida interna na nova moeda. Muita coisa sobre esse novo arranjo continua obscura, mas não tudo. Primeiro, o argentino será uma moeda real.

Segundo, será usado para pagar salários, com a quantia definida sob uma taxa de conversão de um argentino para um peso.

Isso seria uma maneira inteligente de adotar uma taxa cambial flutuante para o peso. Mas só funcionará caso não opere da maneira que o presidente e seu novo secretário de Fazenda e Finanças, Rodolfo Frigeri, explicaram. Saá disse, por exemplo, que "uma desvalorização significaria reduzir os salários dos trabalhadores".

Em lugar disso, "proporemos a introdução de uma terceira moeda para injetar liquidez. Isso não prejudicará ninguém e beneficiará os domicílios argentinos".

Trata-se de uma tolice perigosa. A meta básica de uma nova moeda deveria ser permitir depreciação real da taxa de câmbio ou redução no valor dos salários em dólares.

No entanto, Frigeri declarou que os recipientes da nova moeda seriam compensados pelo inevitável, até desejável, declínio de seu valor. Se houver uma tentativa de estabilizar o valor em dólar dos salários, a cotação do argentino despencará.

O risco de desordem monetária severa continua a ser maior do que isso. Em um país tão sedento de liquidez quanto a Argentina, financiamento monetário modesto do déficit fiscal pode ser aceitável.

Mas a ênfase deve recair sobre a palavra "modesto". Imprimir dinheiro para satisfazer o desejo popular por gastos desvinculados da tributação é uma receita de caos. A nova moeda desapareceria rapidamente, assim, em meio às chamas da hiperinflação.

Esse duplo perigo pode ser evitado. Mas o governo não deve compensar os recipientes por qualquer declínio do valor do argentino diante do peso (ou do dólar).

É preciso também entregar o poder de supervisionar a criação da nova moeda a um banco central independente com uma meta inflacionária a cumprir.

A tarefa de administrar a depreciação do novo dinheiro seria mais simples se os ativos e os passivos domésticos fossem igualmente convertidos a argentinos, com o desaparecimento do peso.

Obrigações confiáveis
O governo deve, ainda, negociar novos termos para sua dívida externa. Precisa concordar com um nível de obrigações que possa confiavelmente cumprir. Não faz sentido reestruturar a dívida de forma que leve a repetir do processo dentro de um ou dois anos.

Tudo isso pode parecer técnico. Mas não o é. O núcleo daquilo que o governo precisa fazer é político. É preciso que demonstre sua consciência quanto à grande oportunidade e ainda maior perigo que encara.

O novo governo precisa explicar ao povo que a Argentina tem uma chance de recuperação, mas não se decidir depender da impressão de dinheiro, como tantos governos fizeram no passado.

É preciso que argumente que a volta do crescimento requer salários mais baixos em termos de dólares e que isso, por sua vez, seria muito facilitado por redução geral no valor de ativos e passivos domésticos em termos de dólares, idealmente por meio de redenominação em argentinos.

A Argentina pode evitar uma repetição do desgastado ciclo de rigor desesperado a populismo irresponsável. Mas terá extrema dificuldade em fazê-lo.

Trata-se de um teste de maturidade política. Se, e só se, o governo fizer uma tentativa séria de enfrentá-lo, ele merecerá apoio externo.

Tradução de Paulo Migliacci

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