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02/01/2002 - 09h10

Novas usinas hidrelétricas destruirão reservas e história

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MARTA SALOMON
da Folha de S.Paulo, em Brasília

A Serra das Andorinhas, no sudeste do Pará, guarda milhares de pinturas rupestres com idade estimada em 8.300 anos. Parte desse cenário ficará submersa pelo lago de uma das usinas hidrelétricas cuja concessão foi licitada pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), sem licença ambiental prévia.

A hidrelétrica de Santa Isabel é a maior do lote de dez usinas licitadas em 30 de novembro. O negócio foi um sucesso, comemorado pelo diretor-geral da agência, José Mário Abdo. ''São quase R$ 5 bilhões de investimentos que o Tesouro Nacional deixará de desembolsar e ainda arrecadará R$ 4 bilhões com as usinas", disse. Não foi dito à época que metade das usinas enfrenta problemas de licenciamento ambiental.

A usina de Santa Isabel, com capacidade de geração de mais de 1.000 MW -o suficiente para iluminar uma cidade do porte de Curitiba (PR)- alcançou o maior preço entre as concessões leiloadas. Os valores são equivalentes ao tamanho do desastre ambiental esboçado: o lago da usina ocupará parte de uma reserva ecológica, o Parque Estadual da Serra dos Martírios/Andorinhas.

O desastre anunciado não é segredo nos documentos arquivados na própria Aneel sobre o empreendimento. Diz um relatório da empresa Engevix, responsável pelo projeto de viabilidade da obra: ''Há registros de sítios com características únicas na Amazônia e que serão submersos quando da formação do reservatório".

O documento cita a existência de mais de 5.000 figuras gravadas em rochas. ''A submersão desses sítios será inevitável no momento de formação do reservatório e determinará, fatalmente, a perda de um dos mais importantes e ainda pouco estudados conjuntos de gravuras rupestres do país."

O documento contesta a capacidade de a estrutura do parque estadual manter esse patrimônio: ''A ausência de mentalidade conservacionista e a inércia na reversão do evento de perdas bióticas são observadas na principal unidade de conservação estabelecida na região, denotando que mesmo a existência de áreas protegidas pouco contribuirá para a manutenção da biodiversidade local".

Sem licença

A assessoria da Aneel informou que a agência não cuida de eventuais riscos ambientais das usinas. Esse é um assunto para ser resolvido entre as empresas que ganharam as licitações e os órgãos ambientais dos Estados ou o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), quando há mais de um Estado envolvido.

A Aneel acredita que o mecanismo é mais eficaz para agilizar o licenciamento ambiental e a construção das hidrelétricas.

Pelo volume de investimentos programados, as empresas terão todo o interesse em obter as licenças. Mas o risco é pequeno: caso as licenças não sejam concedidas, os empreendedores não pagarão um centavo pelas concessões que arremataram em leilão. Faz parte da regra do jogo que as concessões só começam a ser pagas depois de um período de carência, após a conclusão das obras.

Ainda segundo avaliação colhida na Aneel, danos ambientais são inevitáveis na construção de hidrelétricas -de longe a opção responsável pela maior fatia de geração de energia no país.

A Constituição exige estudo prévio de impacto ambiental para obra ''potencialmente causadora" de degradação do meio ambiente. Resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) de 1987 diz que licenças de instalação para usinas com capacidade acima de 10 MW devem ser obtidas antes da realização da licitação para a construção das usinas. São três tipos de licença: a prévia, a de instalação e, finalmente, a licença de operação.

Das dez usinas licitadas em 30 de novembro, cinco que envolvem territórios de mais de um Estado não haviam conseguido nem a licença prévia do Ibama. Ou seja, os EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) não haviam sido aprovados pelo órgão. A informação consta de ofício do coordenador de Licenciamento Ambiental do Ibama, Leozildo Tabajara da Silva Beijamin, à Aneel.

Processos

A usina de Couto Magalhães, que obteve o maior ágio no leilão de novembro (3.089,66% sobre o preço mínimo fixado no leilão), também representa uma ameaça ambiental. Relatório do Ibama a que a Folha teve acesso afirma que um trecho de 8 km do rio Araguaia ficará a maior parte do ano (76,1%) com um nível insuficiente de água.

O relatório alerta ainda que a usina afetará o equilíbrio de ''uma das últimas áreas em bom estado de conservação do bioma de cerrado, com características únicas no tocante à fauna e à flora".

Os técnicos do Ibama fazem algumas observações irônicas sobre o empreendimento. ''Embora possa não haver interesse pela madeira, consideramos que existem outros usos mais nobres para a vegetação do que seu simples afogamento" é uma delas. Outra: ''O texto [de impacto ambiental apresentado] relata cinco espécies de mamíferos ameaçadas de extinção, mas nas tabelas pudemos contar dez espécies de mamíferos mais uma espécie de ave (arara azul) protegidas por lei".

Embora o pedido se arraste no Ibama desde janeiro de 98, a licença prévia para Couto Magalhães ainda não foi concedida.

O Ibama também considerou insatisfatórias as informações que baseiam o processo de licenciamento ambiental da usina São Salvador, outra licitada no lote da Aneel. ''Aspectos relevantes à análise do processo não foram contemplados ou nem sequer foram abordados", relatam os técnicos.

O Ibama tampouco ratificou a análise de viabilidade da usina de Pai Querê, com um balanço de ganhos bem maiores que as perdas, entre elas um sítio arqueológico histórico tombado por decreto municipal em Passo de Santa Vitória (RS) na inundação de 61 quilômetros quadrados de terras para a formação do lado da usina.

 

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