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02/01/2002 - 10h01

Análise: Osama bin Cavallo deixou a montanha

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ELIO GASPARI
Colunista da Folha de S.Paulo

Osama bin Laden teve um idéia audaciosa. Domingo Cavallo também. Osama bin Laden arruinou seu país. Domingo Cavallo também. Ambos fugiram da capital protegidos por guarda-costas e ambos refugiaram-se numa região desértica e montanhosa. Ambos foram desentocados e tomaram outro rumo. Bin Laden fugiu do aço dos blindados americanos. Domingo Cavallo fugiu do barulho das panelas de seus compatriotas. Estava na Patagônia, refugiado na casa de Ted Turner, o fundador da rede de televisão CNN.

É numa hora dessas que se deve pagar o mérito devido a FFHH e Pedro Malan. Ao primeiro, por não ter dolarizado a economia brasileira. Nem quando isso lhe era proposto por curiosos, muito menos no meio da crise cambial de 1999, quando os sábios do FMI o pressionavam nesse sentido. Vale lembrar que naqueles dias tumultuados, tanto Domingo Cavallo como o presidente argentino Carlos Menem propunham coisa parecida. (Fizeram isso numa semana em que, comprovadamente, o boato de uma dolarização acompanhada de um calote da dívida interna foi astuciosamente manobrada por pelo menos um banco americano.)

Deve-se a Malan o mérito de ter-se recusado a desempenhar o papel de salvador da pátria. Cavallo o aceitou, talvez por acreditar, de verdade, que tinha salvo a Argentina. Candidatou-se a presidente, foi desprezado e supôs que a Divina Providência dera-lhe a graça da ressurreição, tornando-se grão-vizir de Fernando de la Rúa.

É verdade que FFHH acredita no tal de Mercosul, mas também é verdade que não escorregou nas cascas de banana que os governos ineptos da Argentina puseram-lhe no caminho, com o propósito de responsabilizar o Brasil pelos males que impunham a seu povo.

De certa maneira, foi a crença de FFHH na ambiguidade dos santos do candomblé (ou na velha dialética marxista) que o afastou das medidas absolutas e radicais que desgraçaram a Argentina. Na mesma faixa de mérito, foi a vocação de Malan para patrono do iluminismo burocrático nacional que o afastou da tentação salvacionista. Contribuiu para isso um misterioso temperamento, no qual se chocam uma enorme vaidade e uma gigantesca timidez, atributo que o Criador negou a FFHH.

O Brasil poderia ter ido para o mesmo ralo da Argentina. Quem viu Cavallo em Davos, em 1999, zombando do governo brasileiro, feliz na condição de quindim da banca, sabe o preço pago por FFHH e Malan por fazerem quase tudo o que a mesma banca lhes pedia. Cavallo parecia mais qualificado porque fazia exatamente tudo.

O que há de esplêndido, e perigoso, na derrocada dos mandarins argentinos é que eles caem a golpes de panelas. Num país e numa região onde os governos caíam com golpes militares, isso é um verdadeiro bálsamo. Foi uma pena que o presidente De la Rúa, eleito pela oposição, tenha ido buscar no mágico do governo derrotado o remédio para a própria inépcia. Maior pena é verificar que os peronistas majoritários no Congresso queiram colocar na Presidência o senador Eduardo Duhalde, que, há dois anos, foi repelido pelos eleitores. Se Deus é brasileiro, FFHH deveria emprestá-lo à Argentina.

Os panelaços são perigosos quando se sabe que há restaurantes expulsando parlamentares ou anunciando, em cartazes, que não atendem a políticos nem a funcionários públicos. A fobia aos políticos é a suprema hipocrisia do eleitorado. Elegem o sujeito e aplaudem-no no sucesso. Quando a coisa desanda, fazem de conta que os presidentes, senadores e deputados foram colocados lá pelos afegãos. No caso argentino, enquanto foi carinhosamente chamado de "Mingo", Domingo Cavallo representava a velha empulhação do técnico apolítico.

Não se pode saber a extensão do contágio que a crise argentina terá no Brasil. É quase certo que ajude a soprar a chama do preconceito contra os políticos. Quem quiser que o usufrua, mas duas coisas são certas:

1) Não há político forte sem que alguém tenha votado nele.

2) Anatemizar os políticos é uma forma de fazer política. A forma mais autoritária, pois embute a idéia de que "os outros" não sabem escolher. Em muitos casos, esconde o voto do próprio anatemizador. Por exemplo: onde foram parar os eleitores de Fernando Collor, aquele que se apresentou ao eleitorado como um fenômeno acima da política?

Osama bin Laden e Domingo Cavallo têm mais isso em comum. Receberam seus mandatos de fontes sobrenaturais. Um, da divindidade. O outro, dos mercados, reflexos da pura ciência econômica.

Leia mais no especial sobre Argentina
 

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