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05/01/2002 - 08h12

Análise: Calote argentino expõe risco dos emergentes

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do "Financial Times"

A crise econômica, financeira e política na Argentina, país que já foi considerado um símbolo de reforma econômica e do chamado Consenso de Washington, provoca uma vez mais questões quanto à relação entre economias emergentes e os mercados financeiros.

A crise expôs as deficiências do sistema financeiro internacional, de maneira específica a falta de procedimentos para tratar da moratória de uma nação. Demonstrou também a necessidade urgente de alguma espécie de suspensão judicialmente válida do pagamento de dívidas nacionais, permitindo a solução ordenada de crises de insolvência, como propôs Anne Kruger, a número dois do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mas a situação também suscitou dúvidas fundamentais sobre os custos e benefícios, para os países em desenvolvimento individuais, da abertura de suas economias aos mercados internacionais de capitais. Os governos seguiram essa receita política ao longo de toda a década de 1990, com o encorajamento do Tesouro norte-americano e do FMI.

Enquanto a década avançava, marcada por sucessivas crises financeiras, o conselho foi alterado para sugerir que governos deveriam evitar o acúmulo de dívidas de curto prazo e evitar tomar empréstimos com grandes bancos, que eram volúveis demais.

A lenta crise da dívida argentina, no entanto, desenvolveu-se naquela que era vista como a fonte mais confiável de fundos de longo prazo: o mercado de bônus. Os empréstimos de governos nos mercados de títulos tinham um inconveniente bem conhecido: em caso de moratória, era um trabalho dos diabos conseguir que uma multidão de detentores de bônus concordassem com o andamento da ação para resolver a crise. Tornou-se igualmente claro, agora, que os mercados de bônus trazem outros problemas.

Círculo vicioso
Esses mercados estão sujeitos a surtos periódicos de comilança e fome. Por um lado os governos tentam tomar empréstimos excessivos quando os juros estão baixos, o que, por outro lado, os privam de recursos no refluxo, o que, em última análise, torna moratórias inevitáveis.

É evidente que a conexão entre as economias individuais e os mercados internacionais de capitais é uma potencial zona de perigo para qualquer governo. A conclusão não é novidade: os fundadores das instituições de Bretton Woods reconheceram especificamente os riscos associados aos sistemas financeiros e encorajaram países a reter o controle sobre as transações financeiras internacionais.

Uma fonte importante de risco é a diferença entre o nível de informação de que dispõe os compradores e os vendedores. Assimetrias como essa são agudas no mercado de bônus soberanos, onde os compradores estão em larga medida desinformados sobre as verdadeiras condições dos governos em países devedores.

Isso não significa que as economias em desenvolvimento deveriam dar as costas aos mercados de capitais ou abandonar a meta de uma conta de capital aberta. A maior parte dos países desenvolvidos liberalizou suas contas de capital, reconhecendo que, sob regulamentação adequada, isso é uma receita para a correta alocação de capitais.

Mas isso significa que os governos deveriam ser extremamente cautelosos antes de abrir seus mercados. Como demonstraram as crises mexicana e asiática, eles não deveriam iniciar a liberalização das contas de capital antes de estarem certos de que seus sistemas bancários estão bem capitalizados e regulamentados. Agora, a Argentina nos conta que os países deveriam ser muito circunspectos quanto aos mercados estrangeiros de bônus antes de estabelecer uma classificação de crédito inexpugnável e uma posição fiscal robusta.

Diferenciação
Um aspecto positivo da crise argentina, até agora, é que o mercado de títulos diferenciou os devedores. Ainda que o influxo geral de dinheiro tenha caído e o influxo líquido para a América Latina esteja próximo de zero, países com boas classificações de crédito, como o Chile, sofreram menos. Mas o Chile precisou de quase duas décadas para estabelecer um histórico de boa administração econômica. Em especial, o país cuidou de sua conta de capital com grande cautela a fim de atingir sua posição atualmente invejável.

Infelizmente para a população do país, o governo da Argentina aprendeu essa lição tarde demais. Não é tarde demais para que outros prestem atenção a ela.



  • Tradução de Paulo Migliacci


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