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15/01/2002 - 06h43

Benjamin Steinbruch: (Des)Consenso de Washington

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BENJAMIN STEINBRUCH
para a Folha de S.Paulo

Há limite para tudo. Essa frase banal explica bem a razão dos episódios dramáticos da crise argentina vividos nas últimas semanas. Os burocratas que governaram o país vizinho nos últimos dez anos, com apoio e incentivo do Fundo Monetário Internacional, se esqueceram de que existia um limite político para suas experiências ortodoxas: a vontade da população.

Menem, De la Rúa, Cavallo e outros políticos argentinos só deixaram a cena depois que a população, cansada de seguidos sacrifícios inúteis, os colocou no olho da rua ao som de buzinaços e panelaços. O drama argentino ainda não terminou, evidentemente. De qualquer forma, o país começa a se libertar de algumas amarras que tolheram a sua independência na última década, com efeitos danosos para o crescimento econômico.

Em 1990, um conjunto de regras conhecidas como "Consenso de Washington" foi estabelecido por economistas que se reuniram na capital americana para orientar países que desejassem ter uma política econômica sadia. As regras eram inflação baixa, equilíbrio orçamentário, equilíbrio no balanço de pagamentos, liberalização comercial e financeira, desregulamentação da economia, privatização e diminuição do papel do Estado.

Esses eram conceitos com os quais se supunha que todas as pessoas sensatas deveriam estar de acordo. Eles serviriam como remédio para economias doentes em qualquer país, principalmente os da América Latina, que haviam atravessado os anos 80 com hiperinflações generalizadas, grandes déficits públicos, políticas protecionistas e ineficiência estatal.

Diante desse quadro caótico da década de 80, imaginou-se que as regras do Consenso de Washington seriam o remédio perfeito para os males das economias da América Latina. Durante mais de dez anos, essas normas foram impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial a todos os países emergentes. Sem aceitação dessas regras e sem rigorosos programas de ajuste, não eram concedidos empréstimos.

O remédio, de fato, teve um bom efeito, principalmente na redução da inflação. Houve, porém, um efeito colateral importantíssimo: recessão. A idéia geral era a de que, com a aplicação desses remédios, a recessão ocorreria em um primeiro momento, mas seria compensada depois pela retomada do crescimento sadio, que os economistas chamam de sustentado.

Passados 12 anos, descobriu-se que a simples eliminação das distorções não levou automaticamente ao desenvolvimento. O economista de Harvard Dani Rodrik, em entrevista ao jornal "Valor", na semana passada, observou que, salvo duas ou três exceções, os países da América Latina não cresceram nos anos 90 a taxas mais elevadas do que costumavam crescer no período que vai dos anos 50 aos 80, quando viviam sob inflação elevada, políticas protecionistas e governos populistas.

Para que serviu então o sacrifício? Essa pergunta certamente atormentou a cabeça dos argentinos nos últimos anos e os levou aos panelaços e aos buzinaços que já derrubaram dois presidentes. Faltou aos idealizadores do Consenso de Washington aplicar, além dos remédios, medidas que pudessem estimular o crescimento econômico, sem o que não pode haver estabilidade social e política em nenhum país pobre.

Além disso, os países emergentes, entre eles o Brasil e a Argentina, foram vítimas no processo de liberalização comercial, um dos mandamentos do Consenso. Eles atenderam cegamente às determinações de eliminar barreiras comerciais e reduzir alíquotas, enquanto as nações ricas mantiveram seu arsenal de medidas protecionistas. Por isso, arcaram com pesados déficits comerciais durante quase toda a década. O Brasil, por exemplo, conseguiu no ano passado seu primeiro superávit comercial desde 1994. De 1995 a 2000, acumulou um déficit comercial de US$ 18 bilhões. Ou seja, perdeu milhões de empregos.

A lição vinda do sul com o desastre argentino, no momento em que caminhamos para as eleições presidenciais, nos obriga a refletir com seriedade sobre a política econômica que adotaremos no Brasil nos próximos anos. A disciplina imposta por algumas regras do Consenso dos anos 90 é boa e útil, mas não suficiente para um país cheio de carências como o Brasil.

Aqui, precisamos de uma preocupação obsessiva com desenvolvimento. Para isso, em primeiro lugar será necessário cuidar da educação da população, sem o que nenhum país pode aspirar a coisa nenhuma. Em segundo lugar, além de manter a disciplina macroeconômica, teremos de apoiar sem preconceitos os setores competitivos nacionais que têm sido abandonados à sua própria sorte nos últimos anos, com deficiências de capital, sem crédito de longo prazo e com juros elevadíssimos. A educação vai preparar o homem para o trabalho. O fortalecimento dos setores competitivos vai proporcionar investimentos, produção, empregos, paz social e bem-estar para as pessoas que vivem no Brasil. Não há outro caminho.



  • Benjamin Steinbruch, 47, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional
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