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17/01/2002 - 09h56

Queima de arquivo da Enron abala Andersen

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FLOYD NORRIS
do "New York Times"

A Arthur Andersen tentou anteontem salvar sua reputação demitindo o sócio que admitiu ter ordenado a destruição de documentos da Enron. Mas as ações que, segundo a empresa, esse sócio teria tomado fazem com que ela enfrente a possibilidade de uma investigação criminal, no momento em que tenta reassegurar ao público e a seus clientes que seu trabalho de auditoria merece confiança.

"Isso é muito, muito ruim", diz Alan M. Cohen, ex-promotor público federal em Nova York e hoje sócio do escritório de advocacia O'Melveny & Myers. "Há pouca dúvida de que os promotores tomarão a medida como um ato de obstrução. É inconcebível para mim que o sócio e a Andersen não fiquem sujeitos a uma investigação criminal, no mínimo."

Ele ressaltou que, mesmo que a Andersen diga que a destruição não foi autorizada pela empresa, a lei estipula que uma companhia tem "responsabilidade vicária" pelos atos cometidos no trabalho por seus agentes ou funcionários.

Paul R. Brown, diretor do departamento de contabilidade da Escola Stern de Administração de Empresas, parte da Universidade de Nova York, disse, sobre a Andersen: "Eles sofreram danos permanentes em sua reputação".

A emrpesa

Joseph F. Berardino, o sócio-gerente e executivo-chefe da Andersen, tentou apresentar a situação da melhor maneira possível, ao anunciar a demissão: "Com base nas medidas que tomamos hoje [anteontem", deve ficar perfeitamente claro que a Andersen não tolerará comportamento antiético, erros de julgamento sérios ou deliberada violação das nossas normas", declarou.

Apenas um mês atrás, Berardino declarou que o caso da Enron demonstrava que era necessária uma reforma nas regras contábeis e culpou os executivos da Enron por iludir a equipe de auditoria de sua empresa. Mas agora o foco está claramente na Andersen.

"A integridade da empresa está em questão", disse Berardino em entrevista por telefone. "Nossa reputação é nosso ativo mais importante."
David Ruder, ex-presidente da Securities and Exchange Commission (SEC, órgão norte-americano de atribuições semelhantes à CVM brasileira) e hoje professor de direito na Universidade Northwestern, disse que a Andersen está "fazendo o que pode parar consertar o estrago, com a demissão do responsável e mudanças em seus quadros executivos".

Mas ele afirmou que a empresa precisava realizar uma ampla revisão interna de todas as suas normas e procedimentos, para garantir que os auditores deixem um cliente sem concluir o trabalho, se necessário.

Teor desconhecido

A Andersen disse que o sócio demitido, David B. Duncan, ordenou a destruição dos documentos um dia depois de a Enron ter avisado que a SEC estava fazendo perguntas sobre balanços auditados pela empresa.

Não se sabe o que os documentos destruídos continham. Nem está claro o que, se algo, estava errado na auditoria da Enron, supervisionada por Duncan desde 1997. Mas os promotores presumem que uma pessoa que não tenha nada a esconder não destrói documentos depois que uma investigação é anunciada.

"A destruição dos documentos indicaria certa intenção de ocultar", diz Franklin B. Velie, ex-promotor público federal e hoje sócio do escritório de advocacia Salans, em Nova York. "Onde há fumaça, há fogo, e onde há muita fumaça, como no caso da destruição dos documentos, o fogo é intenso. Isso está realmente começando a se parecer com uma situação de fraude."

A reputação da Andersen foi prejudicada no ano passado, quando a SEC abriu um processo civil por fraude contra a empresa devido ao seu trabalho de auditoria na Waste Management. Foi a primeira acusação desse tipo em décadas contra uma das grandes empresas de auditoria, e as acusações chegam aos mais altos escalões da companhia.

A SEC alega que Richard Measelle, que era o sócio-gerente da Andersen então, havia apoiado a decisão de não forçar a Waste Management a corrigir erros em sua contabilidade descobertos por auditores da Andersen. Measelle não foi acusado de delitos.

A Andersen encerrou o caso por acordo, sem admitir ou negar qualquer violação, e pagou uma multa de US$ 7 milhões. Dois sócios foram multados e proibidos pela SEC de trabalhar na auditoria de empresas de capital aberto durante três anos, mas mantiveram seus empregos. Por que não houve demissões então? "É preciso ser justo para com pessoas que estão tentando fazer um bom trabalho", disse Berardino.

Documentos formais aceitando a censura da SEC pelo caso da Waste Management foram assinados por Gary B. Goolsby, então diretor mundial de administração de risco da Andersen. Anteontem, ele foi um dos quatro sócios excluídos das tarefas executivas no escritório de Houston.

Um advogado de Duncan, o sócio da Andersen demitido anteontem, disse que seu cliente não havia feito nada de errado, e que estava apenas seguindo as normas quanto a retenção e destruição de documentos que acabavam de ser enviadas a Houston por um advogado que trabalha na sede da Andersen em Chicago, no dia 12 de outubro. A Andersen alega que nada do que essas diretivas contêm teria justificado as ações de Duncan.

As normas encorajam a destruição de documentos que não sejam necessários como material de trabalho em apoio a uma auditoria. Elas estipulam que todos os documentos devem ser mantidos caso haja ameaça de litígio judicial. Mas não determinam especificamente o que deveria ser feito quando a SEC inicia uma investigação informal sobre um cliente, como a Enron revelou em 12 de outubro, ou mesmo quando essa investigação se torna formal, como revelou a Enron em 29 de outubro.

Mas advogados que não estão envolvidos no caso dizem que é evidente que os documentos deveriam ter sido preservados, quando a empresa de auditoria foi informada de que havia uma investigação oficial.

O caso contra a Andersen em relação à Waste Management se baseava quase que inteiramente em documentos internos da Andersen que indicavam que a empresa acreditava que a contabilidade da Waste Management era incorreta, mas ainda assim foi aprovada em auditoria. Muitos desses documentos não precisariam ter sido mantidos, à luz das atuais normas da Andersen a esse respeito.

Aposentadoria

O funcionário mencionado como autor das normas da Andersen sobre retenção de documentos era Robert V. Kustenda, o diretor mundial de avaliação de riscos do grupo quando as normas foram promulgadas, em fevereiro de 2000, ainda durante a investigação do caso Waste Management.

Ele se aposentou da Andersen no ano passado, depois que a SEC alegou que "se envolvera em conduta muito pouco razoável" no caso sob investigação. A SEC o proibiu de trabalhar na auditoria de empresas de capital aberto por um ano.

Silêncio

A Andersen informou anteontem que Duncan havia ordenado "a destruição de milhares de e-mails e a eliminação apressada de milhares de documentos em papel". Ela diz que "as atividades aconteceram em escala que remove qualquer dúvida quanto à violação das políticas da Andersen e das normas do bom senso".

Mas, se estava claro que as normas da Andersen estavam sendo violadas, não parece que nenhum dos funcionários do escritório de Houston envolvidos na destruição tenha se queixado aos superiores em Chicago. Berardino disse anteontem que não sabia de nada sobre a destruição dos documentos até o dia 3 de janeiro.

Isso pode indicar que para alguns na Andersen a lição aprendida com o caso da Waste Management não tenha sido aquela que a SEC desejava enviar: a de que auditores correm riscos sérios se aprovarem contas que sabem incorretas. Em lugar disso, eles podem ter concluído que o erro estava em manter os documentos até que a SEC os solicitasse.

Os serviços de uma empresa de auditoria não são úteis para um cliente caso os investidores desconfiem do relatório dos auditores. Esse é evidentemente um risco que a Andersen terá de encarar, mesmo que consiga evitar acusações judiciais.

Mas a Andersen talvez seja ajudada pelo fato de que restam agora apenas cinco grandes empresas de auditoria, um número reduzido, por uma série de fusões, ante as oito que existiam alguns anos atrás. As empresas que contratam auditores não desejam ver ainda menos competição.

Para a maior parte das empresas que prestam contas em base de ano calendário, as auditorias sobre 2001 estão em curso e mudar de auditor pode ser extremamente difícil. Mas fazer a mudança depois da conclusão da auditoria atual seria bem mais fácil. Será então que veremos com clareza até que ponto a Andersen foi prejudicada.

* tradução de Paulo Migliacci

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