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23/01/2002 - 10h17

Diretor do FMI admite erro na Argentina

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BABETTE STERN
do "Le Monde", em Washington (EUA)

O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Horst Köhler, disse que a instituição falhou em relação à Argentina. "Eu reconheço que o Fundo deveria ter mostrado mais atenção, em especial à solidez das instituições argentinas e seus valores sociais", disse.

"Nosso erro é de não termos dito com firmeza suficiente, no final dos anos 90, que a desagregação das instituições teria um custo elevado. Não prestamos a atenção que deveríamos aos desvios da política de Menem."

Ontem, a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, disse ser improvável que um novo que um novo empréstimo de ajuda à Argentina chegue a US$ 15 bilhões, "uma soma muito elevada".

Köhler alerta: "O caminho do crescimento [da Argentina" não passa pelo populismo. É um caminho doloroso. O presidente Duhalde está consciente desses problemas e devemos dar a ele o benefício da dúvida".

Pergunta - Em agosto de 2001, o FMI aceitou emprestar US$ 8 bilhões adicionais à Argentina. Em dezembro, retirou seu apoio ao país. O que aconteceu, em três meses, para explicar essa reviravolta?

Horst Köhler - Acreditávamos então que o objetivo dos dirigentes argentinos quanto a obter déficit zero tinha chance de ser atingido. Nós não lhes impuséramos essa meta, e eles a adotaram sem nos consultar. O governo tinha decidido atacar a deterioração da situação fiscal. O então ministro da Economia, Domingo Cavallo, insistia em manter a paridade de um a um entre o peso e o dólar. Para ele, essa âncora era indispensável à estabilidade política e econômica da Argentina. As consequências sociais desse déficit zero nos preocupavam, mas recusar ajuda à Argentina em agosto de 2001 teria deflagrado uma crise imediatamente. Depois, tornou-se evidente que os argentinos não atingiriam sua meta. Tornou-se acima de tudo claro que não existia coesão política nenhuma, não só entre os partidos, mas também dentro deles, e que essas diferenças impediam a busca de soluções.

Pergunta - Esse comportamento era novidade para os senhores?

Köhler - De forma alguma, mas pensávamos que a ameaça de um colapso provocaria um sobressalto. Isso não aconteceu. Eu reconheço que o Fundo deveria ter mostrado mais atenção, em especial à solidez das instituições argentinas e seus valores sociais. A ruptura da situação econômica e social é a última etapa de um declínio começado já há decênios e que envolve toda a sociedade.

Nosso erro é de não termos dito com firmeza suficiente, no final dos anos 90, que a desagregação das instituições teria um custo elevado. Não prestamos a atenção que deveríamos aos desvios da política de Menem. Advertimos que a conversibilidade deveria ser acompanhada de uma política fiscal sã, mas que não foi vigorosa. Cabe-nos responsabilidade por esse problema, assim como a toda a comunidade internacional.

Pergunta - No entanto, era essa a hora certa para retirar seu apoio?

Köhler - O estatuto do FMI o proíbe de desembolsar fundos se ele estima que as políticas adotadas são insuficientes para resolver os problemas e permitir que o país pague os empréstimos. Se continuássemos a fornecer dinheiro, teríamos apenas retardado o momento em que os argentinos teriam de encarar a realidade.

Pergunta - O senhor não teme uma radicalização na Argentina?

Köhler - É um risco que espero que não se concretize.

Pergunta - O senhor faria a mesma coisa, hoje, conhecendo as consequências de sua decisão?

Köhler - Sim, porque as raízes do mal estão na Argentina e, se os argentinos não se mobilizarem para ajudar a si mesmos, o FMI não terá o que fazer para ajudá-los. O FMI não é uma instituição que possa imprimir dinheiro para resolver problemas. Não tem o poder de tomar iniciativas políticas. Deve se concentrar nas condições econômicas, e essas se deteriorariam ainda mais se tivéssemos retardado a nossa decisão. Se tivéssemos interrompido o apoio financeiro em agosto, o choque teria sido mais rude. Os dirigentes argentinos sabiam, então, que precisavam mudar seu regime de câmbio e reestruturar sua dívida.

Pergunta - Por que o FMI não alertou todos os argentinos e a comunidade internacional sobre o crescimento da dívida do país?

Köhler - Os colaboradores do Fundo fizeram esse alerta, mas ele não foi apreciado e nem levado em conta nas medidas que se seguiram. Havia uma tamanha euforia, então, devido ao "sucesso do presidente Menem", que nossas advertências foram ignoradas. E na época a Argentina não estava pedindo dinheiro ao Fundo.

Pergunta - Carlos Menem deixou o poder há mais de dois anos...

Köhler - Concordo, mas observemos o seguinte: em 1999, De la Rúa foi eleito presidente. Talvez não fosse um dirigente político muito poderoso, mas era um político decente. O que ele fez? Concentrou-se no coração do problema, a prodigalidade fiscal. Mas ele não teve força política o bastante para fazer com que os poderes provinciais obedecessem.

Pergunta - O FMI indicou que está pronto a ajudar a Argentina. Quais são as condições?

Köhler - Jamais cortamos os laços com a Argentina. Oferecemo-lhes nossa assistência técnica em nossas especialidades. É legítimo que os argentinos empreguem o tempo necessário para definir uma estratégia ordenada e duradoura. O FMI está pronto a apoiar essa abordagem, no plano financeiro inclusive. Mas é preciso ser claro: o caminho do crescimento não passa pelo populismo. É um caminho doloroso. O presidente Duhalde está consciente desses problemas e devemos dar a ele o benefício da dúvida. As consequências sociais precisam ser levadas em conta de maneira especial. Mas é preciso que sejamos honestos. Não existe solução sem sofrimento. Espero que o presidente Duhalde possa organizar uma divisão justa do sacrifício entre os argentinos, os titulares das contas e os bancos. Estou otimista quanto à Argentina.

Leia mais no especial sobre Argentina
 

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