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05/02/2002 - 09h39

Análise: Hipótese de crime é cada vez mais provável em caso Enron

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KURT EICHENWALD
do ''New York Times''

O relatório divulgado na noite de sábado por um comitê especial de investigação sobre a Enron indica que a base da derrocada do grupo foi uma série de crimes multimilionários, disseram ontem especialistas jurídicos e ex-promotores públicos.

Até agora, boa parte da investigação sobre a queda livre da Enron se concentrara nas complexas transações que, embora suspeitas e mal executadas, pareciam estar de acordo com as práticas financeiras aceitáveis do mundo corporativo. Entre elas incluíam-se as hoje notórias transações mantidas fora dos balanços, que transferiam ativos e dívidas das contas da empresa para uma bizantina coleção de parcerias, muitas das quais controladas pelo ex-diretor financeiro da Enron, Andrew S. Fastow.

Com o relatório do comitê, os investigadores do colapso agora tentam provar que ocorreu no caso da Enron a mesma espécie de fraude que gerou o escândalo no setor de poupança e empréstimos imobiliários no final dos anos 80 e começo dos 90. Entre as práticas fraudulentas havia avaliação falsa de ativos, transações simuladas entre partes relacionadas e milhões de dólares embolsados pelos participantes.

"O relatório é um mapa geral para que o Departamento de Justiça conduza quaisquer ações judiciais relacionadas ao caso", diz John J. Fahy, um contador e auditor certificado que trabalhou como promotor público para o Estado de Nova Jersey.

Do balanço à receita
Com sua descrição detalhada de transações aparentemente irracionais (que serviam apenas para inflar os lucros hipotéticos da Enron), o relatório mudou o foco das investigações. A atenção saiu do balanço (que registra ativos e passivos) para se concentrar na declaração de renda (onde se relaciona receita e lucros).

Para quem se sente desconfortável com os redemoinhos internos do mundo das finanças, isso pode não fazer a menor diferença.

Mas, na verdade, a mudança permite que os inquéritos federais caminhem de uma área em que há conflito de opiniões para o terreno mais familiar dos processos criminais.

"Trocar a abordagem dos balanços pela das declarações de renda torna o caso muito mais fácil para os promotores e também faz com que sua explicação diante do júri de instrução seja muito mais simples", disse Fahy.

Para provar qualquer caso contra a Enron, os promotores teriam de estabelecer que os potenciais acusados cometeram um crime. Sob a lei, uma pessoa pode iludir o investidor com informações falsas sem que, necessariamente, cometa um crime. Considera-se que a pessoa possa, de fato, ter acreditado na informação incorreta.

É isso que cria dificuldades para um processo criminal baseado na contabilidade enganosa adotada pela Enron para suas parcerias, as quais foram tratadas como entidades separadas. Os executivos da Enron poderiam invocar a aprovação das contas pela Arthur Andersen, encarregada da auditoria do grupo, como prova de que não tinham intenções impróprias.

A conclusão do relatório muda tudo. O documento mostra que determinadas transações não serviam a outro propósito que não manipular a receita registrada da empresa. Revela também que alguns executivos receberam milhões de dólares em lucros pessoais não declarados devido às suas transações. Fica mais fácil provar a intenção criminal.

Fraudes
"Será uma tarefa hercúlea de persuasão convencer um júri de que os executivos da Enron envolvidos no caso não eram capazes de apreciar a natureza fraudulenta dessas transações", diz Christopher J. Bebel, antigo promotor público federal e advogado da Securities and Exchange Commission (SEC, a agência federal norte-americana que regulamenta e fiscaliza o mercado de valores mobiliários), e hoje sócio do escritório de advocacia Shepherd, Smith & Bebel, de Houston.

Os congressistas que acompanham o caso concordam. "Estamos encontrando o que poderia ser claramente definido como fraude financeira", disse o deputado Bill Tauzin, republicano da Louisiana e presidente do Comitê de Comércio e Energia da Câmara dos Deputados em entrevista ao programa "Meet the Press", da rede de televisão NBC.

A maior parte dos processos criminais precisa demonstrar que os participantes tinham algum motivo financeiro para participar de um esquema ilegal. Nesse caso, dizem antigos promotores públicos, há muitos exemplos desse tipo de benefício. As pessoas que tinham informações privilegiadas sobre a Enron receberam milhões de dólares em remuneração não declarada. Fastow (que preferiu não comentar essas informações quando procurado) teria recebido sozinho pelo menos US$ 30 milhões de suas transações.

"A magnitude desse retorno provoca sérias questões sobre os motivos de Fastow e Michael J. Kopper (outro executivo da companhia) ao oferecerem essa oportunidade a outros funcionários", diz o relatório.

Em última análise, se as conclusões do relatório forem confirmadas, haverá uma gama de acusação a considerar. Entre as básicas, fraude de valores mobiliários por meio da apresentação de informações falsas sobre lucros corporativos à SEC. Essa acusação, por sua vez, gera outras, como a de fraude postal e telegráfica relacionadas à transmissão das informações enganosas, tanto para a SEC quanto para o público investidor.

De fato, o retrato pintado pelo relatório é o de uma corporação na qual os fatos eram pouco sólidos, passíveis de camuflagem ou manipulação para criar qualquer que fosse o desfecho considerado mais benéfico aos executivos.

Apenas ilusões
O texto descreve, por exemplo, transações com documentos retrodatados, realizadas com o propósito aparente de tirar vantagem dos preços altos de uma ação. No momento de real concretização da transação, o preço da ação já tinha caído vertiginosamente, mas a Enron era capaz de contabilizar milhões adicionais em lucros simplesmente ao fingir que a operação tinha sido realizada semanas antes de sua data real.

Conclui o relatório: visto que a Enron estava presente nas duas pontas de todas as transações, elas podem ter representado simplesmente uma ilusão. "Não está claro se alguma coisa estava de fato sendo comprada ou vendida".

 

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