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24/02/2002 - 11h03

Redes tornam mais difícil delimitar direito intelectual

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GILSON SCHWARTZ
articulista da Folha de S.Paulo

Primeiro foi o Napster, o software que viabiliza a formação de comunidades de troca de arquivos de música digital. Essa troca não é mercantil, portanto ignora os fundamentos desse tipo de troca: a propriedade privada (que exigiria o pagamento de direitos autorais) e a definição de um preço, um "valor de troca".

Os grandes conglomerados da indústria fonográfica norte-americana reagiram com todo o vigor do "establishment", movendo montanhas numa batalha jurídica.

O compartilhamento de bens segundo uma lógica não-mercantil e mesmo sem o uso de moeda é uma das inovações tecnológicas permitida pela internet. Na prática, não se trata de algo que a internet em si propicie, mas sim decorrência do desenvolvimento de um certo tipo de software, voltado para a organização de redes cooperativas.

Essa tecnologia dá margem também a uma disseminação mais ampla de modelos de economia solidária. Na Argentina, nos últimos anos, formaram-se muitas comunidades de escambo de bens e serviços entre os sacrificados pela crise econômica. Há algumas semanas, numa lista internacional de discussão sobre informática comunitária, sugeriram que os argentinos passassem a usar mais um tipo de software para escambo, pois mesmo sem moeda a tecnologia poderia aumentar muito a velocidade e a qualidade dos inúmeros escambos e trocas não-monetárias.

Na semana passada, eclodiu mais uma batalha dessa guerra entre o "establishment" da economia monetária e financeira e os setores interessados na disseminação de novas tecnologias. Mais uma vez, no centro da disputa, está o direito à propriedade privada de produtos do intelecto humano (resumidamente, propriedade intelectual).

O caso foi aceito na Suprema Corte dos EUA, aonde a questão foi levada por Lawrence Lessig, um dos mais notáveis defensores do fim da autoria e do "copyright" (literalmente, propriedade privada do direito de copiar) e um advogado militante da causa da liberdade civil. Ele denuncia a extensão abusiva e recorrente dos prazos de validade de direitos autorais pelo Congresso norte-americano.

O desenvolvimento das redes e dos softwares que propiciam projetos colaborativos representa um desafio direto às leis de direitos autorais. A mais potente e transformadora tecnologia do nosso tempo, a tecnologia de informação e comunicação, precisa para o seu desenvolvimento, portanto da expansão de modelos de organização social que não cabem no figurino tradicional do capitalismo.

Teóricos da inovação como Jospeh A. Schumpeter (autor da idéia de "destruição criadora") já previam que a dinâmica tecnológica do capitalismo colocaria em questão recorrentemente os parâmetros institucionais do sistema. Ele previa também, no início do século passado, que o gigantismo do interesse das grandes corporações terminaria por sufocar esse dinamismo.

Nesse conflito, está em jogo o tipo de tecnologia que será possível desenvolver. A Suprema Corte dos EUA, ao menos, está dando um alerta aos interesses organizados que se fazem representar no Congresso norte-americano.

Mas está em jogo também uma dimensão mais intangível e até filosófica: afinal, qual o princípio e qual o fim dos direitos de um autor? Há algum tempo se fala da morte do autor na literatura. Com as redes e as novas formas de cooperação, fica a cada dia mais difícil delimitar a propriedade intelectual de uma inteligência coletiva.
 

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