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10/03/2002 - 08h42

Ação de Bush é cínica e eleitoreira, diz Sachs

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MARCIO AITH
da Folha de S.Paulo, em Washington

Ao restringir as importações de aço, a Casa Branca não interrompeu eternamente a abertura do comércio mundial, mas explicitou um processo torto de liberalização, que, em última análise, sufoca as exportações de países em desenvolvimento e dá lucros aos países ricos.

Desde a assinatura do último ato da Rodada Uruguai do Gatt, em 1994, as indústrias de telecomunicação, bancária, farmacêutica e de informática expandiram sua inserção mundial com a queda das barreiras e o reconhecimento da propriedade intelectual nos países em desenvolvimento.

No mesmo período, a UE, o Japão e os EUA conseguiram encontrar brechas legais para afastar produtos agrícolas internacionais e criar uma barreira de US$ 200 bilhões em subsídios.

"Em geral, o acesso aos mercados ricos melhorou, mas não em setores-chave como agricultura", disse à Folha Jeffrey Sachs, da Universidade Harvard. "A decisão deplorável da Casa Branca sobre aço mostra como há muito o que ser feito nos casos de produtos nos quais os países em desenvolvimento são competitivos."

Outros especialistas ouvidos pela Folha dizem que a decisão da Casa Branca é mais um indício de que, se o mundo vivia um protecionismo desorganizado antes da Rodada Uruguai, esse protecionismo agora tem regras.

"Os países trocaram o protecionismo tarifário pelo protecionismo das barreiras não-tarifárias, do dumping, das cotas e das salvaguardas", disse Clyde Prestowitz, presidente do Economic Strategy Institute. Segundo ele, os países em desenvolvimento que conseguiram preservar alguns instrumentos de barganha na última década poderão usá-las como moeda ao negociar com os EUA.

Um exemplo: "Agora, a possibilidade de a Coréia do Sul levantar as restrições a filmes importados dos EUA, um desejo antigo de Hollywood, é igual a zero". A indústria do aço da Coréia do Sul, que vende anualmente 2,1 milhões de toneladas para os EUA, disse que as novas restrições afetarão 80% de suas exportações.

Formalmente, a decisão da Casa Branca prejudica mais países ricos da UE do que nações em desenvolvimento. Mas a reação da UE à Casa Branca de congelar o volume de aço importado impediu que países como o Brasil e a Coréia do Sul redirecionem para a Europa o aço que deixará ser ser exportado para os EUA.

Fred Bergsten, diretor do Institute for International Economics, afirmou que a decisão norte-americana agravará o acesso aos mercados para emergentes justamente porque afeta os setores em que países como o Brasil poderiam elevar suas exportações. "A decisão de Bush dá aos franceses e a outros europeus uma boa desculpa para não agir [em direção à abertura comercial" e culpar a hipocrisia dos americanos", disse. "Bush deu a eles uma boa desculpa para não abrir seus mercados aos produtos agrícolas."

Leia, a seguir, entrevista com o economista Jeffrey Sachs:

Folha - Qual será o impacto das restrições da Casa Branca ao aço sobre a liberalização do comércio mundial?

Jeffrey Sachs - A decisão de Bush não é um evento cataclísmico, mas com certeza decepcionou. Essas restrições serão certamente desafiadas na OMC e provavelmente consideradas ilegais.

Folha - O que teria motivado o presidente Bush a tomar a decisão?

Sachs - Foi uma decisão profundamente cínica e prejudicial, baseada inteiramente em cálculos políticos domésticos com pouca atenção ao resto do mundo. Não tem mérito econômico algum, mesmo para os EUA. Foi uma medida unicamente tomada para angariar votos em Virgínia Ocidental, Pensilvânia e Ohio, Estados que poderão decidir as eleições de 2004. Fico assustado com o descaramento e com a disposição [da Casa Branca" de minar a abertura do sistema de comércio mundial.

Folha - Por que não haveria mérito econômico na medida? A indústria siderúrgica dos EUA parece contente.

Sachs - A decisão prolonga a proteção às indústrias ineficientes que existem nesse setor e repassa seus custos ao consumidor norte-americano. Por essa razão não há mérito nessas medidas.

Folha - Decisões como essa tendem a estimular o protecionismo mundial ou o sr. acha que o mundo caminha inexoravelmente para a liberalização comercial? O mundo é hoje mais aberto ou menos aberto que há dez anos?

Sachs - De maneira geral, com certeza está mais aberto por causa das reformas econômicas em economias antes fechadas, como a ex-União Soviética e a China. Em geral, o acesso aos mercados ricos também melhorou, embora não em alguns setores-chave, como agricultura. Na maior parte do mundo, o peso das exportações e das importações como porcentagem do PIB aumentou, mostrando evidências de políticas mais abertas.

Folha - Seria certo dizer que o avanço em setores de serviços (telecomunicações e financeiros), em que os ricos têm mais interesse, deu-se de forma mais rápida que nos setores que mais interessam aos países em desenvolvimento?

Sachs - Sim, é um retrato verdadeiro da realidade. Não houve acesso aos mercados agrícolas de países ricos. Políticas de abertura comercial devem ser medidas não só por tarifas, mas também pela existência de cotas, de licenças e regras antidumping.

 

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