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31/03/2002 - 10h27

"Exportamos como no século 16", diz secretário de Agricultura de SP

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da Folha de S.Paulo

O Brasil precisa perder a vergonha de ser um país rural. Os 50 anos de industrialização acelerada e de urbanização do país, que terminaram nos anos 80, criaram o preconceito de que, de alguma forma, a agricultura está ligada ao atraso. Isso apesar de hoje o país ter um dos setores agropecuários mais produtivos do mundo.

A avaliação é do secretário de Agricultura de São Paulo, João Carlos de Souza Meirelles, 67, que diz também que boa parte das soluções para os problemas sociais brasileiros, inclusive os das grandes cidades, está nos municípios agrícolas do país.

Segundo ele, é com a ajuda das áreas rurais que o país pode gerar empregos e melhorar a qualidade das exportações, substituindo as matérias-primas baratas por produtos mais acabados na pauta de vendas externas.

Em São Paulo, Meirelles lançou um programa extenso de valorização do agronegócio que, segundo ele, pode gerar emprego e renda e revitalizar a economia dos cerca de 500 municípios agrícolas do Estado. A seguir, os principais temas que abordou em entrevista à Folha, na quarta-feira passada.

URBANIZAÇÃO - Durante quase 50 anos, o Brasil adotou uma política de apoio à industrialização que, de fato, transformou a economia do país. Durante o período de crescimento, a indústria gerava empregos, os brasileiros migravam para as cidades. De 1970 a 2000, a população da Grande São Paulo cresceu 40% mais do que a população brasileira. A partir dos anos 80, no entanto, a capacidade da indústria de absorver essa mão-de-obra se esgotou. Na verdade, a indústria se robotizou e passou a demitir. As pessoas migravam e não encontravam mais emprego.

FALTA DE ESTRATÉGIA - No mesmo período, a produção do setor agropecuário também cresceu, o Brasil tornou-se um produtor competitivo. Mas hoje exportamos açúcar do mesmo jeito que exportávamos no século 16. Exportamos café da mesma maneira que há cem anos, em grão. Então perdemos a noção de algumas coisas: se eu exporto matéria-prima, não tem imposto, mas, se quero mandar o produto beneficiado, eu não posso. Não há imposto para exportar couro para a Europa, mas sapato só entra se pagar alíquota de 75%.

EMPREGO - A opção, ainda que não declarada ou planejada, de só exportar matéria-prima resultou numa deformação: o país aumentou a produção agrícola, tornou-a mais produtiva, mas não consegue gerar empregos nas áreas rurais. Mas é justamente a cadeia de produção do agronegócio que poderia gerar empregos para a população hoje excluída do mercado de trabalho. Os empregos urbanos exigem uma qualificação que essas pessoas não têm e não conseguirão ter. A própria indústria deixou de ser empregadora.

MAIS VALOR - A adoção de uma política para o agronegócio precisa interromper o fluxo migratório, o que só será possível quando houver oportunidades de trabalho nas áreas rurais. Não é volta ao campo. Não se trata do discurso de que a agricultura vai salvar o Brasil. É fazer o lógico: se eu vendo matéria-prima, o preço quem define é o grande comprador. A opção é agregar valor, vender o doce, o confeito, em vez de vender o açúcar.

INFRA-ESTRUTURA - Para criar as cadeias produtivas que podem ajudar a agregar valor aos produtos de cada região, são indispensáveis investimentos em infra-estrutura. Em São Paulo, foram criados quatro projetos para desobstruir a produção rural: recomposição de estradas, entrega de máquinas de terraplanagem a consórcios de municípios, programa de instalação de pontes metálicas e asfaltamento de trechos críticos. São Paulo tem 32 mil quilômetros de estradas asfaltadas e 240 mil quilômetros de estradas de terra municipais. As prefeituras não têm recursos para fazer a manutenção. Com os novos projetos, a previsão da secretaria é que sejam restaurados 15 mil quilômetros de estradas por ano. No ano passado, foram apenas mil quilômetros.

PROBLEMA CULTURAL - Com os investimentos, as estradas rurais deixam de ser um problema. As pessoas podem ir e vir, plantar e saber que não haverá atoleiro que impeça o transporte. Podem ir à escola, podem voltar para o sítio. O segundo grande problema será derrubar a barreira cultural que os anos de urbanização e industrialização criaram. As pessoas têm vergonha de dizer que vivem num município agrícola. Isso apesar de a cadeia do agronegócio ter gerado um saldo comercial [diferença entre exportações e importações do setor] de US$ 16,5 bilhões em 2001. Você pergunta do que vive a cidade, e as pessoas respondem: "Tem muito comércio aqui". Mas o que gera a renda no local é a agricultura.

CRÉDITO - Derrubado o preconceito, falta ainda financiamento para o produtor. Nós criamos uma linha de crédito para a agricultura familiar, o Feap [Fundo de Expansão da Agropecuária e da Pesca]. O que queremos é estimular o início de novas atividades produtivas. A diversidade de produtos ajuda a reduzir os riscos. As regiões tem de produzir segundo a sua vocação. Para isso podemos criar eixos produtores, com os institutos de pesquisa orientando os produtores. A região produz, e induzimos a criação de uma cadeia de agregação de valor. O objetivo é o de máxima agregação de valor, para produzir muita cana e ter também a fábrica de bala, bombom, confeito e chocolate. É o que temos de fazer para parar de exportar matéria-prima.
(MB e MZ)
 

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