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19/04/2002 - 05h00

Leia a íntegra do documento sobre as teles que causou polêmica

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da Folha de S.Paulo

Leia abaixo a íntegra do documento que causou polêmica no setor de telecomunicações:

Considerações acerca do sistema de telecomunicações

1. Gerais

O modelo básico criado para o setor à época da privatização (1995/1997) foi esgotado e não está sendo revitalizado. A Anatel vive ainda hoje da memória das inegáveis realizações patrocinadas pelo ex-ministro Sérgio Motta, sem conseguir agregar contribuições de valor ao modelo para adequá-lo à realidade nacional e internacional do setor. Ademais, movida por uma visão incompleta da realidade, temperada por um discurso pseudoconsumerista, coloca em risco os objetivos originais de atrair investimentos e produzir efeito multiplicador na economia. O setor corre o risco de deixar de ser um caso de sucesso para entrar na lista de fracassos.

O arcabouço básico do modelo contemplava os serviços móvel e fixo independentes, mas interconectados, cada um evoluindo em paralelo do monopólio para o duopólio e para a livre competição. Essa estrutura está sendo desmontada pelo enfraquecimento do serviço móvel como atividade econômica autônoma e hoje caminha para concentração junto com outros serviços em torno da telefonia fixa. Como diz o presidente da agência, a telefonia fixa passa a ser a "âncora" e os demais serviços simples complementos, fazendo paralelo com um shopping center. Esaa mudança, a menos de três anos do lançamento do modelo original, já está produzindo forte impacto negativo sobre investimentos feitos sob o paradigma anterior e agrega substancial incerteza regulatória ao setor.

A implantação do modelo de "espelhos" falhou (no Brasil e em outros países) por erros estratégicos de alguns operadores, mas também por omissão dos reguladores, em criar condições mais favoráveis para mitigar vantagens de "monopolista natural" das antigas operadoras do Sistema Telebrás. No Brasil, a Anatel não está enfrentando esse problema objetivamente. A Intelig, apesar do grande esforço e investimentos, está em dificuldades e foi posta à venda. A Vésper também não decolou e forçou o "write off" de dívidas com fornecedores estrangeiros na proporção de 20/100. Nem assim há modelo de negócios viável. Em vez de enfrentar as operadoras fixas no equacionamento das espelhos, a Anatel preferiu a via mais cômoda de permitir "mobilidade" às espelho, fazendo que elas concorram com as celulares, e não com as fixas como deveriam.

No Brasil, o regulador preferiu limitar seu escopo de atuação a suposta "defesa do consumidor", deixando em segundo plano seu papel fundamental de promotor do desenvolvimento econômico sustentável do setor. Nos últimos poucos anos, o Brasil experimentou melhorias expressivas de serviços e grandes reduções de preços ao consumidor, mas os resultados econômicos das operadoras brasileiras estão em níveis tão baixos que colocam em risco a possibilidade de atração de investimentos e financiamento essenciais à manutenção e continuidade das melhorias.

As duras "lições" deixadas no regime estatal pelo contingenciamento artificial de tarifas não foram aprendidas e hoje os mesmos erros se repetem, violando contratos de concessão das celulares e comprometendo a capacidade de investimento das empresas. Os ganhos políticos com essas decisões arbitrárias são limitados e efêmeros, mas os prejuízos para o setor e para a credibilidade do governo são profundos e de recuperação difícil (vide experiência Telebrás, setor elétrico).

As constantes e profundas mudanças de regras inviabilizam o planejamento de longo prazo, fator essencial para um setor intensivo em capital e aumentam a percepção de "risco regulatório" para o investidor.

2. Comunicações móveis
As tarifas de celulares têm sido contingenciadas em níveis muito inferiores aos estabelecidos nos contratos de concessão (menos de metade). Isso provoca forte impacto negativo no fluxo de caixa dessas empresas, o que afeta o cumprimento de compromissos de financiamento pelos operadores e aumenta a percepção de risco do setor por acionistas, agentes financeiros, agências de rating e mercado de capitais.

Imposição de "metas de qualidade" não previstas nos contratos de concessão, de valor questionável para o cliente e alto custo para os operadores. Essa abordagem do regulador inviabiliza o oferecimento de níveis de serviços distintos para cada segmento de mercado, cada qual com expectativas diferentes em relação ao custo/benefício dos serviços contratados. Essa situação tende a se agravar conforme anúncio recente da Anatel.

Introdução do modelo do SMP (Serviço Móvel Pessoal) fundamentalmente diferente do SMC (Serviço Móvel Celular - celulares atuais) sem qualquer razão objetiva, resulta em modificações profundas e em curtíssimo espaço de tempo na economia e na operação do único segmento do setor onde a "competição" e "expansão dos serviços" evoluíram como previsto. Isso é ainda mais grave se considerarmos que o modelo do setor falhou em criar competição no serviço fixo local via empresas espelho e o serviço móvel é de fato o único concorrente real do serviço fixo. A fragilização ainda maior das celulares atuais indiretamente fortalece o poder de mercado das fixas locais. As principais mudanças no SMP são:
  • 1. Deixa de ser um serviço de comunicação completo para ser simples acesso local móvel à rede fixa.
  • 2. Altera o principio original de "cesta de tarifas" (que foi a base para a licitação de banda B e privatização de banda A), já que elementos da "cesta" original são retirados (porção de longa distância ou VC-2 e VC-3) e a TU-M (tarifa de interconexão), que responde por aproximadamente 50% da receita das celulares, passa a ser exposta ao poder econômico da telefonia fixa.
  • 3. Expõe o serviço de longa distância a competição definida pela propaganda, não por escolha consciente, quebrando o equilíbrio econômico dos planos de venda de serviços em vigor.
  • 4. Expõe a TU-M (originalmente definida em contrato e sujeita a reajuste por inflação anual) à "livre negociação", sem qualquer garantia de que seu valor será preservado.
  • 5. Impõe regras operacionais mais custosas de valor questionável para o cliente.
  • 6. Os ditos "ganhos" proporcionados pelo SMP às operadoras não agregam valor do ponto de vista econômico: a) antecipação da permissão para fusões: Seria desejável para gerar ganhos de escala, porém tais ganhos podem ser obtidos por aquisições parciais e acordos operacionais até a liberação no cronograma original; b) espectro de frequência adicional: para um operador móvel, espectro de frequência é sempre desejável, porém não a qualquer custo. No momento a faixa de 1.8GHz oferecida pela Anatel não é uma oportunidade de investimento atrativa, considerando a situação de mercado e a provável evolução tecnológica para a terceira geração que irá operar em outra faixa.
  • 7. As operadoras não têm razões econômicas para justificar a migração para o SMP, tanto para credores como para acionistas estratégicos e mercado de capitais. No entanto, vêem-se pressionadas a fazê-lo pela agência.
  • 8. As características essenciais do SMP não encontram paralelo em outros países e inviabilizam a adoção das práticas de mercado que reconhecidamente mais contribuíram para o crescimento das comunicações móveis no mundo.

    3. Comunicações fixas
    Empresas espelhos poderiam ter evoluído melhor não fosse o 'atraso'' (reconhecido pela Anatel) em enfrentar a questão do acesso local (unbundling) e a interconexão.

    A antecipação de metas de universalização estimulada pela Anatel se provou antieconômica, com grande número de linhas desativadas e inadimplência recorde.

    O SLE - Serviço Limitado Especializado (basicamente redes de transmissão de dados) está sendo inviabilizado e isso representa menos competição com as fixas e o sucateamento de bilhões em investimentos já realizados e de empregos.

    4. A posição do regulador
    O regulador tem apresentado à mídia e ao grande público questões importantes, mas sem explicar com clareza todos os elementos relevantes para formação de juízo de valor, com isso expondo as operadoras à opinião pública de forma negativa e injusta. Questões complexas têm sido evitadas e decisões procrastinadas, prejudicando a solução de problemas e o avanço do setor.

    O pegulador não parece estar preparado para analisar (e melhor regular) o setor de forma abrangente, não avaliando e/ou não tornando públicos seus estudos sobre assuntos tais como finanças, legislação, marketing, estratégia competitiva e tecnologia. Os impedimentos legais à formação de seus quadros, aliados à pouco competitiva remuneração no setor público, enfraquecem a Anatel e colocam o direcionamento do setor sob risco.

    5. Comentários finais
    O setor tem ampla participação no PIB (movimentou US$ 33 bilhões/2001) e grande efeito multiplicador sobre a economia como um todo.

    Tanto empresas fixas como móveis apresentam desempenho operacional como o das melhores operadoras do mundo, porém com resultados medidos por retorno sobre o investimento medíocres e não atrativos para novos investimentos. O desempenho em Bolsa das operadoras celulares brasileiras é preocupante. Exemplo: price/performance 2001 em US$ America Movil (México) 5%; Telesp Celular 66%.

    A atuação do regulador ao elaborar novas regras deve concorrer também para a melhoria do retorno sobre os investimentos já realizados, pois só isso assegurará a manutenção da competição e atração de novos fluxos de capital, requisitos essenciais para manutenção sustentável da qualidade e atualidade dos serviços.

    O controle irracional e arbitrário de tarifas gera distorções com efeitos negativos muito superiores a qualquer ganho de custo prazo para o consumidor. Ao invés disso a agência deveria atuar mais firmemente no sentido de reduzir a carga tributária recordista mundial superior a 40% que recai sobre as contas dos consumidores.

    O Regulador deve analisar prévia e adequadamente, utilizando se necessário especialistas externos reconhecidos, os múltiplos impactos nas empresas, de suas decisões regulatórias. Isto inclui: estratégia competitiva, retorno de investimentos, legislação societária, direito do consumidor, tecnologia, etc. para evitar inviabilidade, inconsistências, omissões e redundâncias.

    O eventual desgaste público, se houver algum, em reconhecer a necessidade de mudar aspectos do modelo, após cuidadosa e abrangente análise, e mudá-los de fato, sem dúvida é mais prudente do que a inflexibilidade com seus alto custos futuros.

    A gravidade da situação fará com que as empresas mais afetadas busquem alternativas de defesa em outras esferas da sociedade e isto vai deteriorar ainda mais a própria imagem e credibilidade do modelo de agências reguladoras.
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