Publicidade
Publicidade
19/05/2002
-
08h21
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
da Folha de S.Paulo
Gilvan de Jesus Ferreira, 32, vigilante, foi demitido em março após trabalhar dois anos numa empresa de segurança. Na hora de acertar as contas, a decepção: levou para casa R$ 1.400, ou 27% do que tinha direito (R$ 5.104,64).
Doraci Lopes trabalhou quatro anos numa empresa que terceiriza serviços de limpeza. Demitida em setembro de 2001, recebeu da companhia R$ 593,22, ou 43% do que deveria (R$ 1.375,82).
As rescisões de contrato de trabalho de Gilvan e de Doraci foram feitas em comissões de conciliação prévia -as chamadas CCPs-, que, pela lei, podem ser criadas desde janeiro de 2000.
Assim como eles, outros trabalhadores vêm sofrendo golpes dessas comissões. É que, pela lei nº 9.958, que criou essas comissões, elas deveriam resolver conflitos trabalhistas. Só que, na prática, estão fazendo até homologações de rescisão de contrato de trabalho -o que, por lei, só é permitido às Delegacias Regionais de Trabalho e aos sindicatos de categoria. A comissão de Gilvan está ligada a um sindicato de trabalhadores associado à Força Sindical. A de Doraci, a um sindicato filiado à SDS (Social Democracia Sindical).
Só autoridade do trabalho -as Delegacias Regionais do Trabalho- e os sindicatos de trabalhadores estão aptos a fazer homologações - que é o ato de confirmar ou aprovar por autoridade judicial ou administrativa. Os sindicatos só podem homologar contratos de profissionais pertencentes às suas categorias. É o que diz o artigo 477 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
A prática mais comum dessas CCPs é chamar o trabalhador para fazer o acerto com a empresa sem que ele passe antes pela homologação do contrato de trabalho. Isto é não recebe direitos das verbas rescisórias -como FGTS, férias, 40% de multa sobre FGTS e saldo de salário - antes de ir a essas comissões. Todo esse acerto acaba sendo feito na comissão.
Advogados trabalhistas dizem que essa prática é considerada fraude, pois o pagamento de verbas rescisórias (FGTS, férias e saldo de salário) não é caracterizado como conflito trabalhista, portanto, não poderia ser quitado numa comissão de conciliação. As verbas são direitos garantidos pela Constituição aos trabalhadores.
Estima-se que 250 comissões estão atuando no Estado de São Paulo. No país, são cerca de mil. Na avaliação de juízes, advogados e entidades consultadas pela Folha, apenas 10% desse total está atuando dentro da lei.
Gilvan e Doraci são duas das milhares de vítimas das CCPs mal-intencionadas que estão espalhadas pelo país. Além de receber menos do que deviam, eles assinaram um termo de quitação geral que não lhes dá mais direito de reclamar na Justiça.
É que os acordos feitos nas CCPs têm o poder de encerrar pendências entre patrões e empregados, já que ambos os lados têm voz -ou deveriam ter voz- nas negociações que ocorrem nas CCPs. As comissões são formadas por representantes de trabalhadores e de empresários.
O que os trabalhadores que procuraram a Justiça alegam, porém, é que o acordo chega pronto para eles assinarem. No desespero de receber qualquer valor, eles fecham negócio sem saber que o acerto dá por encerradas todas as pendências trabalhistas.
As empresas tentam convencê-los, segundo a Folha ouviu de vários trabalhadores, de que é melhor receber o que está escrito no papel, que é o que elas se dispõem a pagar, do que eles procurarem a Justiça do Trabalho, que demora anos para resolver os conflitos.
Muitas das comissões, dizem eles, também estão atuando fora das suas áreas. Ligadas ao setor da construção, por exemplo, elas acabam intermediando acordos entre empresas e empregados do setor de comércio. O problema, nesse caso, é que o sindicato do trabalhador que é levado para a conciliação não está lá para defender os interesses dos empregados.
Denúncias
Uma enxurrada de denúncias de advogados, juízes e trabalhadores já chegou ao conhecimento do Tribunal Superior do Trabalho, que está investigando as CCPs. O Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, por exemplo, reuniu cerca de 50 denúncias de trabalhadores que foram lesados pelas comissões. Há entidades que atuam como falsos tribunais usando até brasões e bandeiras, segundo os relatos.
O sindicato já encaminhou toda essa documentação, em conjunto com a Comissão de Relações do Trabalho da Assembléia Legislativa, à Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, que também investiga as denúncias.
Ricardo Gebrim, advogado trabalhista, diz que, se a procuradoria confirmar que as CCPs estão envolvidas em irregularidades, ela pode até entrar com ação civil pública para dissolvê-las. "Nós, de qualquer forma, vamos entrar na Justiça, porque entendemos que as CCPs praticam crime contra a organização do trabalho."
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) encaminhou relatório ao governo com irregularidades constatadas em comissões de cinco Estados: SP, AM, RJ, RS e RN.
Acordo de conciliação lesa trabalhadores
Publicidade
CLAUDIA ROLLI
da Folha de S.Paulo
Gilvan de Jesus Ferreira, 32, vigilante, foi demitido em março após trabalhar dois anos numa empresa de segurança. Na hora de acertar as contas, a decepção: levou para casa R$ 1.400, ou 27% do que tinha direito (R$ 5.104,64).
Doraci Lopes trabalhou quatro anos numa empresa que terceiriza serviços de limpeza. Demitida em setembro de 2001, recebeu da companhia R$ 593,22, ou 43% do que deveria (R$ 1.375,82).
As rescisões de contrato de trabalho de Gilvan e de Doraci foram feitas em comissões de conciliação prévia -as chamadas CCPs-, que, pela lei, podem ser criadas desde janeiro de 2000.
Assim como eles, outros trabalhadores vêm sofrendo golpes dessas comissões. É que, pela lei nº 9.958, que criou essas comissões, elas deveriam resolver conflitos trabalhistas. Só que, na prática, estão fazendo até homologações de rescisão de contrato de trabalho -o que, por lei, só é permitido às Delegacias Regionais de Trabalho e aos sindicatos de categoria. A comissão de Gilvan está ligada a um sindicato de trabalhadores associado à Força Sindical. A de Doraci, a um sindicato filiado à SDS (Social Democracia Sindical).
Só autoridade do trabalho -as Delegacias Regionais do Trabalho- e os sindicatos de trabalhadores estão aptos a fazer homologações - que é o ato de confirmar ou aprovar por autoridade judicial ou administrativa. Os sindicatos só podem homologar contratos de profissionais pertencentes às suas categorias. É o que diz o artigo 477 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
A prática mais comum dessas CCPs é chamar o trabalhador para fazer o acerto com a empresa sem que ele passe antes pela homologação do contrato de trabalho. Isto é não recebe direitos das verbas rescisórias -como FGTS, férias, 40% de multa sobre FGTS e saldo de salário - antes de ir a essas comissões. Todo esse acerto acaba sendo feito na comissão.
Advogados trabalhistas dizem que essa prática é considerada fraude, pois o pagamento de verbas rescisórias (FGTS, férias e saldo de salário) não é caracterizado como conflito trabalhista, portanto, não poderia ser quitado numa comissão de conciliação. As verbas são direitos garantidos pela Constituição aos trabalhadores.
Estima-se que 250 comissões estão atuando no Estado de São Paulo. No país, são cerca de mil. Na avaliação de juízes, advogados e entidades consultadas pela Folha, apenas 10% desse total está atuando dentro da lei.
Gilvan e Doraci são duas das milhares de vítimas das CCPs mal-intencionadas que estão espalhadas pelo país. Além de receber menos do que deviam, eles assinaram um termo de quitação geral que não lhes dá mais direito de reclamar na Justiça.
É que os acordos feitos nas CCPs têm o poder de encerrar pendências entre patrões e empregados, já que ambos os lados têm voz -ou deveriam ter voz- nas negociações que ocorrem nas CCPs. As comissões são formadas por representantes de trabalhadores e de empresários.
O que os trabalhadores que procuraram a Justiça alegam, porém, é que o acordo chega pronto para eles assinarem. No desespero de receber qualquer valor, eles fecham negócio sem saber que o acerto dá por encerradas todas as pendências trabalhistas.
As empresas tentam convencê-los, segundo a Folha ouviu de vários trabalhadores, de que é melhor receber o que está escrito no papel, que é o que elas se dispõem a pagar, do que eles procurarem a Justiça do Trabalho, que demora anos para resolver os conflitos.
Muitas das comissões, dizem eles, também estão atuando fora das suas áreas. Ligadas ao setor da construção, por exemplo, elas acabam intermediando acordos entre empresas e empregados do setor de comércio. O problema, nesse caso, é que o sindicato do trabalhador que é levado para a conciliação não está lá para defender os interesses dos empregados.
Denúncias
Uma enxurrada de denúncias de advogados, juízes e trabalhadores já chegou ao conhecimento do Tribunal Superior do Trabalho, que está investigando as CCPs. O Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, por exemplo, reuniu cerca de 50 denúncias de trabalhadores que foram lesados pelas comissões. Há entidades que atuam como falsos tribunais usando até brasões e bandeiras, segundo os relatos.
O sindicato já encaminhou toda essa documentação, em conjunto com a Comissão de Relações do Trabalho da Assembléia Legislativa, à Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, que também investiga as denúncias.
Ricardo Gebrim, advogado trabalhista, diz que, se a procuradoria confirmar que as CCPs estão envolvidas em irregularidades, ela pode até entrar com ação civil pública para dissolvê-las. "Nós, de qualquer forma, vamos entrar na Justiça, porque entendemos que as CCPs praticam crime contra a organização do trabalho."
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) encaminhou relatório ao governo com irregularidades constatadas em comissões de cinco Estados: SP, AM, RJ, RS e RN.
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Ministério Público pede bloqueio de R$ 3,8 bi de dono de frigorífico JBS
- Por que empresa proíbe caminhões de virar à esquerda - e economiza milhões
- Megarricos buscam refúgio na Nova Zelândia contra colapso capitalista
- Com 12 suítes e 5 bares, casa mais cara à venda nos EUA custa US$ 250 mi
- Produção industrial só cresceu no Pará em 2016, diz IBGE
+ Comentadas
- Programa vai reduzir tempo gasto para pagar impostos, diz Meirelles
- Ministério Público pede bloqueio de R$ 3,8 bi de dono de frigorífico JBS
+ EnviadasÍndice