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30/07/2002 - 09h40

Análise: Bancos já não representam mais o porto seguro do mercado

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GRETCHEN MORGENSON
do "The New York Times"

Desde que os mercados entraram em queda, em março de 2000, os investidores foram informados de que, mesmo que a economia sofresse, o risco de investir em ações de bancos era muito inferior ao da recessão de 1990. Novas práticas de administração de riscos permitiriam que os bancos descarregassem parcela maior de seus riscos de empréstimos sobre outros participantes do mercado, enquanto a capacidade de geração de honorários das instituições não se alteraria.

Mas um risco que os bancos simplesmente não têm como evitar é o medo que vem tomando conta dos investidores dos EUA quanto ao fato de que as maiores instituições financeiras do país tiveram papel central no financiamento da bolha do mercado de ações que estourou de forma tão espetacular. Essa percepção não só vem punindo as ações dos bancos, vistas há pouco como porto seguro, como prejudicando todo o mercado. Se for constatado que os bancos facilitaram os delitos das empresas -por exemplo, o acobertamento dos prejuízos da Enron-, danos severos terão sido causados à já abalada confiança no sistema financeiro.

"Os bancos foram a um só tempo os menos visíveis e os mais importantes componentes do financiamento da nova economia ao longo dos dez anos passados", diz Jonathan H. Cohen, administrador de carteiras de investimento da JHC Capital, de Greenwich.

"Os investidores sabem que a maior parte das empresas de internet e telecomunicações eram parte de uma bolha e que muitas corretoras estavam envolvidas na sustentação dessa bolha. Agora, as pessoas começam a se concentrar no papel dos bancos."

As ações dos bancos, medidas pelo índice da Bolsa de Valores de Filadélfia/KBW Banks, caíram 10,4% só nas últimas duas semanas. O índice consiste de 24 bancos de primeira linha. Os maiores protagonistas foram o Citigroup e o J.P. Morgan Chase, cujas ações caíram em 15% na semana passada, em ambos os casos.

Tradicionalmente parte do grupo de instituições financeiras mais respeitadas, o Citigroup e o J.P. Morgan Chase se viram sob ataque quando seus executivos foram questionados no Congresso na semana passada sobre o caso Enron. Ambos os bancos negaram que tivessem facilitado o acobertamento das dívidas da Enron, mas, dias depois do depoimento, a Securities and Exchange Commission (SEC, agência federal norte-americana que regulamenta e fiscaliza os mercados de valores mobiliários) anunciou que estudaria as atividades dos dois bancos com relação à Enron.

Até maio, as ações dos bancos eram um porto seguro em meio à tempestade dos mercados. O que segurava essas ações em boa cotação era a crença de que a curta duração da recessão significava não só que os grandes bancos em breve encontrariam demanda crescente por parte dos clientes corporativos, mas também que os consumidores pesadamente endividados não deixariam de pagar seus empréstimos, como poderia ter acontecido caso a recessão fosse prolongada.

"Até recentemente, o sentimento entre os investidores era o de que os bancos são fiscalizados e isso os manteria livres de problemas", afirma David A. Hendler, analista da CreditSights, uma empresa de pesquisa de Nova York. "Mas ninguém estava pensando que os bancos de uma certa forma permitiam os problemas do restante do mundo dos negócios, e que isso terminaria por se refletir de alguma maneira no desempenho operacional dos grupos financeiros", declara.

Com as ações dos bancos apresentando desempenho superior ao restante do mercado, o peso do setor no índice de ações Standard & Poor's 500 (S&P 500) cresceu. Isso significa que a recente desaceleração prejudicou os investidores nos maiores e mais populares fundos mútuos que espelham o desempenho do S&P 500.

No pico do mercado, por exemplo, a tecnologia era o maior componente isolado do S&P 500. Mas à medida que as ações do setor despencaram, as empresas financeiras passaram a responder por 20% do peso do índice.

O segundo maior setor é o de tecnologia da informação, com 14%, no momento.

As ações dos bancos sempre foram vulneráveis, em momentos de crise econômica, porque terminam por estar vinculadas a empréstimos que em geral deixam de ser pagos à medida que a economia se deteriora.

Isso voltará a ser o caso se a economia enfraquecer, a despeito da alegação de que as técnicas de administração de risco hoje em dia são mais avançadas. Mas o papel dos bancos como potenciais facilitadores de atividades indevidas em empresas como a Enron ou a WorldCom, ou até como intermediários que tenham ajudado a inflar a bolha, é mais um motivo de preocupação para os investidores do mercado.

Alguns dos maiores e mais respeitados bancos dos Estados Unidos estão nessa situação em parte devido ao seu alcance ampliado em todas as áreas de serviços financeiros, nos últimos anos. A Lei de Modernização Financeira de 1999 eliminou a maior parte das barreiras quanto à realização de determinadas atividades de negócios pelos bancos estabelecidas pela Lei Glass-Steagall, um código financeiro adotado na era da Grande Depressão. Isso permitiu que os bancos comerciais passassem a competir com os bancos de investimentos pelo direito de vender títulos aos investidores.

E os bancos maiores abordaram essa atividade com grande agressividade. Por exemplo, em maio de 2001, a WorldCom levantou quase US$ 12 bilhões em uma emissão de bônus administrada pelo Citigroup.

A emissão foi colocada no momento em que a WorldCom ainda tinha excelente classificação de crédito e foi apresentada aos investidores como uma emissão que serviria de padrão para outras colocações de títulos, um dos chamados "benchmarks" [referencial de rentabilidade].

Porque a emissão da WorldCom era um bônus "benchmark", qualquer administrador de carteira em posição de comando de um fundo mútuo de bônus se sentia obrigado a ter o papel. Quando a empresa entrou em queda livre, muitos detentores de bônus sentiram o baque. A venda de bônus permitiu que a empresa liberasse muitas de suas linhas de crédito bancário, e alongasse o vencimento de seus empréstimos.

Agora, com o pedido de concordata da empresa pouco mais de um ano depois que os bônus foram vendidos, os investidores começam a questionar até que ponto os bancos que venderam os títulos investigaram a situação.

Agravando as dúvidas dos detentores de bônus quanto à realização da transação, está a crescente consciência quanto à proximidade entre Jack B. Grubman, o analista de telecomunicações do Salomon Smith Barney, divisão do Citigroup, e a WorldCom. Diz-se que Grubman participava de reuniões do conselho da empresa. Seus pronunciamentos incansavelmente otimistas sobre o grupo ajudaram na colocação fácil dos US$ 12 bilhões em bônus.

Existem riscos consideráveis no crescimento dos conglomerados de serviços financeiros. Um é o de que os executivos de primeiro escalão e o conselho supervisor talvez não saibam o que os funcionários de nível médio estão fazendo no banco. "Os executivos de primeiro escalão e o conselho supervisor precisam ter orientação muito abrangente, conhecimento e compreensão quanto ao que estiver acontecendo", diz o economista Henry Kaufman, da Henry Kaufman & Company, de Nova York.

E o sistema financeiro norte-americano, diz ele, fica em risco quando essas empresas se tornam imensos conglomerados. "Esses conglomerados tendem a caminhar na direção de práticas monopolistas", diz Kaufman.

Segundo a avaliação do economista, "isso não só reduz a concorrência, mas cria instituições que são grandes demais para falir, porque, se falissem, representariam um risco sistêmico.
Alguns analistas dizem que no interesse de conquistar maior parcela do lucrativo mercado de subscrição de emissões, que era dominado pelos bancos de investimento, os bancos comerciais podem ter aconselhado empresas sobre como contornar regras tributárias e contábeis, ou sobre como funcionar com endividamento mais pesado. Embora estratégias como essas possam ter parecido aceitáveis ainda um ano atrás, agora atraem a atenção do Congresso e dos fiscais e a ira dos investidores.

O trabalho que o J.P. Morgan Chase realizou para a Enron e agora está sendo examinado pelos fiscais era completamente regular, segundo os executivos do banco. "Trata-se de arranjos normais de financiamento", disse William B. Harrison Jr., o executivo-chefe do banco, em entrevista coletiva telefônica, na semana passada. Depois do colapso da Enron, arranjos financeiros normais como esse se tornaram questionáveis.

Talvez fosse previsível que a corrida dos bancos comerciais para gerar honorários por meio de trabalho de subscrição de emissões de ações e bônus tivesse como contrapartida um aumento das dificuldades entre as empresas que emitiram esses papéis.

De acordo com um estudo divulgado pelo Moody's Investors Service, um total de 89 empresas que emitiram bônus corporativos estavam inadimplentes no primeiro semestre de 2002, com um total de emissões de US$ 64 bilhões. Vinte e uma dessas empresas deixaram de honrar emissões de valor superior a US$ 1 bilhão cada uma.

Nenhum desses números inclui o pedido de concordata da Enron, que aconteceu em julho.

"Um nível teimosamente alto de inadimplência, auxiliado pelo número e tamanho espetaculares das quebras no setor mundial de telecomunicações e pelos problemas de emissores de bônus localizados fora dos Estados Unidos fizeram do segundo trimestre de 2002 um dos piores períodos de pressão de crédito desde a depressão dos anos 30", afirma David T. Hamilton, o autor do estudo.

A Moody's anunciou que espera que o nível de inadimplência dos "junk bonds" fique em 8,8% até o final deste ano, ante o pico de 10,7% atingido em janeiro, mas ainda assim um total elevado.

Se a economia voltar à recessão, os bancos podem sair seriamente feridos.

 

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