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14/08/2002 - 09h40

Análise: Bush está perdido no rancho em Crawford

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PAUL KRUGMAN
Especial para o ''The New York Times''

Em seu fórum econômico em Waco [cidade próxima ao rancho de Bush, em Crawford, no Texas], o governo dos EUA tenta convencer o país de que tudo está sob controle -que a economia está se recuperando, que as práticas empresariais "ligeiramente desonestas" não são mais um problema. Para esse fim, uma platéia cuidadosamente selecionada ouvirá discursos de funcionários do governo e modelos de probidade corporativa escolhidos a dedo. Entre os palestrantes anunciados na semana passada estava o executivo-chefe da Cisco Systems, John T. Chambers.

Ele não entendem, não é mesmo? Dificilmente poderia ter sido escolhido um melhor exemplo de o que está errado em toda a abordagem do governo.

Dois anos atrás, a Cisco era a empresa mais valiosa do mundo, com valor de mercado de mais de US$ 500 bilhões. Chambers era um dos executivos mais bem pagos do mundo, tendo recebido US$ 157 milhões em 2000. A Cisco era vista como empresa que unia o brilho da nova economia à solidez à moda antiga, empresa que estava na vanguarda tecnológica, mas que fabricava produtos reais e ganhava lucros verdadeiros.

Em outras palavras, as pessoas enxergavam a Cisco como enxergavam a Enron.

Não é uma comparação forçada. Mesmo quando a Cisco estava em alta, uma análise na Barron's a descreveu como "Exemplo de Contabilidade Criativa da Nova Economia". A especialidade dela era utilizar suas próprias ações sobrevalorizadas como moeda forte -pagando seus funcionários com opções sobre ações e emitindo mais ações para usá-las para adquirir outras firmas. Graças a brechas nas regras de contabilidade -defendidas com um trabalho intenso de lobby-, essas transações permitiram que os executivos fossem progressivamente diluindo o valor da participação de seus acionistas originais, sem jamais declarar essa diluição como custo da empresa.

A ilusão de lucratividade resultante disso mantinha o preço das ações, possibilitando outras transações dúbias. Alguns analistas chegaram a descrever a Cisco como um esquema de pirâmide.

Quando o castelo de cartas financeiro da Enron ruiu, US$ 80 bilhões em valor de mercado desapareceram. A Cisco não desabou, mas seu valor de mercado caiu em mais de US$ 400 bilhões. Ninguém da direção da empresa -incluída, na 13ª posição, na lista das "Empresas gananciosas" da revista "Fortune"- foi preso. Mas também não foi preso nenhum representante da Enron.

Alguns cínicos atribuem a ausência, até agora, de indiciamento de alguém da Enron ao código de lealdade da família Bush. Mas a explicação alternativa é ao mesmo tempo inocente e assustadora: os executivos da Enron podem haver enganado e defraudado seus acionistas sem, na realidade, infringir a lei. O que a Cisco fez estava dentro da lei, sem dúvida.

Desde que a Enron entrou em colapso, funcionários do governo vêm insistindo que não são necessárias novas leis para reformar o mundo das grandes empresas americanas -é preciso apenas implementar as leis que já existem. O governo Bush endossou um projeto de lei que impõe reformas modestas na contabilidade, mas apenas depois de fazer tudo o que pôde para bloquear o projeto. E, assim que ele foi aprovado, a administração começou a emitir "diretrizes" aos promotores federais que vão solapar a intenção da nova lei de proteger as pessoas que fazem denúncias, coibir a destruição de documentos e outros pontos. Fica claro que o governo ainda acha que a lei antiga era o bastante.

Mas a história da Cisco, assim como a ausência de indiciamentos no caso Enron, deixa claro até que ponto os executivos das empresas podem enriquecer pessoalmente sem deixarem de cumprir a lei. Os poucos executivos detidos não são inteligências superiores -pelo contrário, quando se leva em conta as maneiras legais pelas quais outros executivos enriqueceram enquanto os acionistas da empresa perdiam bilhões de dólares, esses poucos que foram presos deveriam figurar numa edição especial, relativa a empresas, de "Os Criminosos Mais Imbecis da América".

Agora o governo está dando o sinal de que está tudo resolvido. Aprovamos uma lei, prendemos cinco pessoas, está tudo terminado. Mas o trabalho de reconstruir as grandes empresas americanas mal começou.

O próximo passo certamente terá que ser lidar com as opções sobre ações. Não é apenas que as empresas declarem lucros maiores do que realmente tiveram, na medida em que deixam de contabilizar essas opções sobre ações como despesa. Grandes concessões de opções sobre ações também conferem a executivos o incentivo necessário para fazer o que for preciso para gerar um impacto de curto prazo no preço das ações. Se um ano de sucesso ilusório pode lhe render US$ 157 milhões, quem se importa com o que possa acontecer mais tarde?

Byron Wien, da Morgan Stanley, disse recentemente a um grupo de analistas de títulos que a "malevolência das opções sobre ações" está na origem dos escândalos nas grandes empresas e que "qualquer pessoa que disser que opções sobre ações não constituem uma despesa destrói sua credibilidade em todas as outras questões". A empresa de Chambers continua a recusar-se a contabilizar as opções sobre ações como despesa. O governo já disse que é contra a criação de normas que exigiriam que a Cisco mudasse sua contabilidade. A escolha de Chambers como palestrante parece ser uma reafirmação dessa posição.

Como eu disse, eles simplesmente não entendem.

Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton e colunista do "The New York Times".
 

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