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17/11/2002 - 06h57

Governo tem poucas armas antiinflação

da Folha de S. Paulo

O governo assiste à alta da inflação sem mecanismos eficazes para combatê-la no curto prazo.

O consumidor continuará a ver, nos próximos meses, os preços dos produtos subirem nas gôndolas dos supermercados e as tarifas públicas ficarem mais caras.

Diante de uma inflação provocada fundamentalmente pela depreciação do real, uma elevação de juros -principal instrumento do Banco Central para evitar aumentos de preços- teria efeito limitado.

Juros altos servem para anular aumentos de preços provocados por excesso de demanda, o que não é o caso.

A inflação neste ano, ao contrário dos primeiros anos do Plano Real, punirá sobretudo as camadas de renda mais baixa.

Os alimentos, que estão entre as grandes altas de preços, representam a maior parcela no orçamento das famílias carentes.

No primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (95/98), a inflação se concentrou no setor de serviços, como escola e saúde.

A Folha ouviu os economistas Delfim Netto (deputado pelo PPB-SP), Paulo Nogueira Batista Júnior (professor da FGV-SP), Gesner Oliveira (Tendências Consultoria), Geraldo Biasoto e Luiz Gonzaga Belluzzo (professores da Unicamp) e Cornélia Porto (Dieese).

Também foi entrevistado o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Claudio Considera.

Os economistas avaliam que, se o dólar recuar, a inflação tende a voltar a níveis mais baixos.

Mas ressaltam que tanto o atual governo como o próximo não podem tratar o assunto com leniência.

Dizem que é preciso tomar medidas para prevenir a propagação dos aumentos de preços no ano que vem.

Limitações
São muitas as limitações do governo para evitar o aumento da inflação. Não se pode contar, por exemplo, com a concorrência dos importados para inibir aumentos de preços da indústria local, como ocorreu nos últimos sete anos.

Motivo: a desvalorização do real ao longo de 2002 fez com que as importações ficassem muito caras.

A grande concentração no setor de supermercados é apontada como outra agravante. A concorrência no varejo é tida como insuficiente para garantir preços mais baixos ao consumidor.

Para frear a atual alta de preços, seria preciso uma desvalorização do dólar, o que parece não estar ao alcance da equipe econômica, como ficou comprovado nos últimos meses.

Para piorar a situação, os preços internacionais, em dólar, de alguns alimentos estão em alta.

É o caso da soja. Levantamento do Fundo Monetário Internacional mostra que no último ano o preço dos alimentos subiu mais de 20% em dólar.

Mesmo que os custos de produção internos sejam em reais, o preço que o produtor cobra do consumidor é baseado na cotação internacional do produto.

Os contratos de reajustes das tarifas públicas, como telefonia e energia elétrica, também colaboram para alimentar a inflação. As tarifas são reajustadas pelo IGP-M, que é fortemente influenciado pelo dólar.

Os analistas concordam, no entanto, que a estagnação econômica e o desemprego ajudarão a conter a escalada de preços no médio prazo.

Quando o país deixa de crescer, o consumo diminui, e os empresários perdem espaço para aumentos. Taxas elevadas de desemprego reduzem o poder de barganha dos trabalhadores para negociar reajustes salariais.

"O trabalhador vai perder poder de compra", diz Belluzzo.

Segundo o professor da Unicamp, será preciso conter os reajustes salariais para evitar uma espiral inflacionária. Como salário é custo para os empresários, aumentos elevados provocam uma nova onda de reajustes dos preços finais.

Biasoto alerta que o próximo governo, que tem bases eleitorais em vários sindicatos, terá de tomar cuidado para não permitir negociações salariais que colaborem para o aumento de preços.

Custo de vida
"Quem perde mais com a inflação atual é a população de baixa renda, pois o alimento pesa muito na sua cesta de consumo", lamenta Cornélia, coordenadora do Índice de Custo de Vida do Dieese.

O custo da cesta básica em 9 das 11 capitais pesquisadas pelo Dieese subiu mais de 10% no acumulado do ano até outubro. No mesmo período, o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe ficou em 5,14%.

No mês passado, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) -índice usado pelo governo- ficou em 1,31%. O aumento de preços do grupo alimentação e das bebidas, no entanto, foi mais do que o dobro, de 2,79%.

Expectativas
Para Gesner, o problema da inflação vai além do dólar. Ele diz que os agentes do mercado não têm confiança de que o governo eleito controlará a inflação. Pela primeira vez em 2002, a projeção de inflação do mercado financeiro para 2003 superou a deste ano.

"Parece que estamos deixando ir longe demais essa discussão. Temos uma longa experiência de expectativa inflacionária. Uma vez começada, ela não é facilmente controlada. Aí o sofrimento é muito maior", disse Delfim.

Gesner ressalta que o novo governo pode reverter esse quadro, ao anunciar o nome de quem vai comandar o BC e ao deixar claro como vai segurar a inflação.

Em sua opinião, é preciso se precaver para que o país não retorne à cultura inflacionária do passado.

"Quem já foi alcoólatra pode voltar, num momento difícil, a beber."

A maioria dos entrevistados não acha que a elevação dos juros possa resolver o problema do aumento de preços.

Para Nogueira, como a inflação não é decorrência do excesso de demanda, o BC não deveria aumentar os juros básicos da economia.

"Não há sintomas claros de que a economia esteja saindo da estagnação. É prematuro falar em conter demanda [via aumento de juros]."

Controle de preços
O governo não tem como coibir supostos aumentos de preços abusivos, segundo Considera.

Nos últimos dias, os supermercados alegaram que alguns fornecedores aproveitaram o momento para elevar excessivamente seus preços.

"O que é abuso? Quando se fala em abuso, pressupõe-se que existe preço justo. Mas não existe preço justo quando se fala de livre mercado", afirmou o secretário.

"Os supermercados se colocaram numa posição em que são um oligopsônio (pequeno número de compradores) diante do fornecedor e um oligopólio (pequeno número de vendedores) diante do consumidor. Se permitiu um tipo de concentração em que se reduzem as margens de quem produz, aumentam-se os preços para quem consome e elevam-se as margens de comercialização", afirma Delfim.
 

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