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26/11/2002 - 21h44

Leia a íntegra do discurso de Lula na reunião com sindicalistas


da Folha de S.Paulo

Confira abaixo a íntegra do discurso do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na reunião com sindicalistas.

"Eu acho que, pela primeira vez na história do Brasil, o movimento sindical assumiu definitivamente, sem abandonar a sua função primeira e prioritária, que é o de defender os interesses da classe trabalhadora, apresentando e lutando pelas suas reivindicações.

O movimento sindical entendeu que estava na hora de meter a mão na política. Eu demorei muito para aprender, e até 1978, eu tinha ojeriza à política, que há um contra-senso na cultura do movimento sindical brasileiro.

Nós passamos o ano inteiro reivindicando melhores salários e melhores condições de vida para os trabalhadores e quando chega na época da eleição, que a gente pode eleger um vereador, um prefeito, um deputado estadual ou federal, um senador, um governador ou um presidente da República, a gente finge que não é com a gente, ou seja, pode eleger qualquer um que não tem nenhuma importância.
Esse contra-senso, eu quero crer, que começou a mudar, a partir dessas eleições. O movimento sindical ele até pode não ir na porta da fábrica de ver quem é o melhor candidato, mas ele tem, no mínimo, obrigação de ir para a porta da fábrica ou para a loja ou para o banco de ver quem é que o povo não deve eleger.

(Aplausos).

Se ele fizer isso já estará prestando um enorme serviço à sociedade. Mas, eu aprendi apanhando, porque muitas vezes se a gente não educa a categoria que a gente representa a fazer política, muitas vezes, apenas o discurso do dirigente sindical, de uma hora para outra, falando de política, não tenha a ressonância que a gente imagina que tenha.

Eu lembro que em 1978, por obra do destino, levado por alguns companheiros, que eu era muito inocente na época, eu, depois de fazer toda uma greve, ficar até o mês de junho dizendo que era contra a política, em outubro, estava nas ruas para eleger o Fernando Henrique Cardoso, senador da República.

E não me arrependo disso. Não me arrependo disso porque nós, muitas vezes, cometemos o erro, o equívoco de ficar nos martirizando por coisas que nós fizemos no passado, sem analisar o momento histórico em que a gente tomou determinadas posições. Eu tinha um companheiro - não participa mais do PT -, em Diadema, que eu não vou citar o nome dele, que era muito sectário.

Ele era tão sectário, que eu ia para uma reunião com ele e ele concordava comigo, depois, ele me ligava dizendo que não tinha dormido à noite porque tinha concordado comigo (risos). Ele estava errado. Sabe? Tem gente que ainda diz assim: eu não mudei de idéia. Só pode dizer que não muda de idéia quem não tem idéias. Quem tem idéias, às vezes, muda e muda para melhor.

Se mudar para pior, pode rever a sua posição e voltar ao patamar inicial e começar tudo outra vez. É assim que é a vida humana. Eu estava o Ribas falar ali e o Ribas falou: porque eu tenho certeza absoluta, eu, há muito tempo, deixei de falar que tenho certeza absoluta. Há muito tempo, e, eu dizia muito isso no movimento sindical. Quantas vezes eu disse: eu tenho certeza absoluta de tal coisa e a minha certeza não era tão absoluta porque não prevaleceu.

(aplausos)

Nessa eleição, eu tinha certeza absoluta que eu ia ganhar as eleições (risos), porque as derrotas serviram para me ensinar. Não tem nada para uma pessoa ajuizada aprender mais do que as derrotas. Eu gostaria que toda pessoa que fosse candidato a alguma coisa se prestasse a assistir uma pesquisa qualitativa sobre o que ele fala e, possivelmente, todos que assistissem iam ter noção de quanto, muitas vezes, nós somos medíocres. Quantas vezes a gente faz um pronunciamento na televisão achando que abafou e quando você coloca numa qualitativa 90% do povo rejeita o que você falou.

Quantas vezes a gente fala alguma coisa na televisão ou num comício, onde a gente fica mais entusiasmado ou numa assembléia de dirigentes sindicais e, de repente, a gente percebe que as pessoas nem entenderam bem o que a gente falou. Numa pesquisa qualitativa, às vezes, você descobre que as pessoas entenderam ao contrário do que você queria dizer.

E, foi com base nesse entendimento, que eu aceitei sair candidato pela quarta vez. Eu saí candidato com a certeza que eu tinha 30% dos votos no Brasil, o que não é pouco, porque individualmente ninguém tem isso no país.

É um patrimônio que não é meu, é um patrimônio de milhões e milhões de anônimos por esse país afora, que foram construindo ao longo do tempo (aplausos), mas eu saí com a convicção que eu tinha que arrumar os outros 20% e os outros 20% não estava dentro do PT, não estava dentro da CUT, não estava dentro da base da igreja que, historicamente, me apanhou, estava em outro segmento da sociedade, que não são melhores nem piores do que os que já estavam comigo.

Muitas vezes pensam diferente, compreendem diferente e quero dizer a vocês, que na minha opinião, o grande achado da minha campanha foi ter o meu companheiro José Alencar de vice na minha chapa. Aliás, o movimento sindical não perderia nada se convocasse o José Alencar para fazer debate no movimento sindical. Iria deixar muitos dirigentes sindicais que pensam que são de esquerda no chinelo, porque muitas vezes ele é mais esquerdista do que a média dos dirigentes sindicais que eu conheço por essa país afora.

É, sobretudo, um homem nacionalista e quando nós fomos procurar o José Alencar, nós fomos procurar com o objetivo de quebrar barreiras num segmento da sociedade que, historicamente, não gostava de mim sem me conhecer ou não gostava de mim porque tinha ouvido falar. Não tem nada pior na vida humana do que você não gostar de alguém porque você ouviu dizer que a pessoa não presta, que a pessoa não é boa, quantas pessoas fazem juízo de valores de vocês sem nunca ter apertado a mão de vocês, sem nunca terem conversado com vocês.

Quantas vezes a gente encontra com uma pessoa que a gente não gostava - em seguida, tive uma surpresa, não vou dizer o nome aqui para não comprometer, a imprensa está toda ligada ali(risos) e eu também estou aprendendo a lidar com a imprensa, porque nem sempre a gente pode falar tudo o que a gente quer, mas aquilo que a gente pode falar -, mas, tinha uma pessoa que participou numa reunião comigo, esses dias, que eu vinha há anos - há anos - gratuitamente dizendo que não gostava dela - não gostava, não gostava - e, depois de duas horas de reunião, eu saí me perguntando, mas por que eu dizia que não gostava dessa pessoa? É porque alguém tinha me dito tal pessoa não presta e eu percebi que possivelmente que não prestava era quem me falou que a outra não presta, porque vocês não podem fazer prejulgamentos. Até pode ser que uma pessoa não presta para um, mas presta para o outro. Se não fosse assim os ex-maridos e as ex-mulheres não casavam mais(risos). Imaginem se os futuros maridos e as futuras mulheres fossem perguntar para o ex tal pessoa é boa? Não casaria nunca (risos).

Então, eu agora ganhei da sociedade brasileira um mandato, um mandato que cada um de vocês tem que analisar de duas formas: primeiro, tão importante ou mais importante de ter sido eleito presidente da República, eu quero que a minha eleição desperte em milhões e milhões de brasileiros, que não tiveram acesso aos bens materiais que deveriam ter. Que não tiveram acesso à escolaridade que deveriam ter, que por mais humilde que sejam, eu quero que essas pessoas, a partir da minha eleição comecem a compreender que eles também podem chegar onde eu cheguei. Está ao nosso alcance. Basta a gente querer e se preparar para isso. Marcelo Gato, que daqui talvez seja o que tenha mais convivência comigo, porque eu sou da idade dele, porque eu comecei muito novo a minha vida sindical.

O Marcelo Gato sabe, eu não conseguia falar numa assembléia do sindicato. Se tivesse numa plenária como essa e alguém citasse meu nome lá atrás, eu já começava a tremer. O Marcelo Gato sabe o dia que eu fui ler o meu primeiro discurso na minha posse, em 1975, ele teve que segurar na minha mão, porque o papel fazia assim.

E, depois, eu fui aprendendo, eu fui me preparando, eu fui ouvindo as pessoas, eu tenho bons ouvidos. Eu tenho facilidade de aprender, de compreender, de perceber que eu não tenho mais a verdade absoluta dentro de mim, eu tenho a minha verdade, mas eu tenho que compartilhar com a verdade dos outros e quem sabe a minha só seja meia e com a do outro eu completo outra verdade que eu não estava enxergando.

Então, eu acho que isso é primeira coisa: despertar nas pessoas a idéia de que pode chegar lá, de que pode alcançar seu objetivo, porque se tem alguma coisa que nós precisamos fazer no Brasil é levantar o moral da tropa. A tropa estava com a moral baixa, um pouco sem auto-estima, porque ao longo desses anos todos nós fomos aprendendo a ser quase pedintes dos governantes. Eu lembro que antes do Sistema Financeiro de Habitação, a gente não tinha o hábito de ficar esperando que o governo construísse casa para a gente. Eu lembro que a gente comprava um terreninho de 25 por 5, a gente construía um quarto, cozinha e um banheiro sem rebocar, entrava dentro e depois a gente ia construindo as outras coisas.

A casa ficava parecendo uma colcha de retalhos, mas era nossa, feita com o nosso suor, com o nosso trabalho. Não tinha gente dormindo em baixo de ponte. Não tinha gente morando em lugares inadequados ou aqueles conjuntinhos habitacionais bem longe das cidades porque pobre perturba o centro das cidades no Brasil inteiro. Então, nós já tivemos mais auto-estima, já fomos mais donos, sabe, do nosso nariz. Mas, ao longo desses anos, nós fomos aprendendo que tudo a gente tinha que pedir. Tudo a gente tinha que pedir e sempre agimos como se ao invés de um mandato a gente desse uma varinha de condão para a pessoa e que a gente pudesse, num toque de mágica resolver cada um dos problemas que muitas vezes levam décadas e décadas para resolver.

Se vocês forem em Cuba e perguntar ao presidente Fidel Castro como está o socialismo em Cuba, depois de 40 anos, ele vai dizer: está em construção. Porque na política, na administração e na própria casa da gente, nós vamos fazendo as coisas de acordo com as nossas próprias possibilidades. Quantos de vocês aqui tem vontade de trocar de carro, por que não troca? Alguns, a vontade de possuir o primeiro. Quantas, quantas vezes em casa marido e mulher se reúnem e falam: olha, nós precisamos trocar a televisão. Quero comprar uma grande. E por que não compra? Porque primeiro tem que saber se tem dinheiro no bolso. Primeiro, tem que saber se pode pagar a prestação, porque se a gente agir de forma irresponsável, a gente compra e no mês seguinte vem o cara buscar e leva embora e ainda vai o nosso nome para o tal do SPC e aí leva um trabalho desgramado para a gente limpar o nome de coisas que a gente nem tinha culpa.

Eu estou dizendo isso para chegar num outro assunto que eu quero falar com vocês. Não tem, na história recente do povo no mundo inteiro o exemplo que vocês deram. Não existe. Não existe nenhum exemplo de uma pessoa com a minha origem, com a minha história, chegar à Presidência da República e muito menos se imaginava que pudesse chegar num país da importância que o Brasil tem no cenário internacional.

Num país com uma elite empresarial altamente moderna do ponto de vista político. Uma elite que nunca permitiu que os trabalhadores tivessem acesso a muita coisa. Isso desde a década, ou melhor, desde dois séculos atrás, ou seja, e por que nós chegamos lá? Porque foi um processo de construção. Não foi pouco tempo. Foi muito tempo, foram derrotas e as derrotas são sempre amargas. Eu não sei, sabe, como é que vocês já se sentiram nas derrotas, mas quando a gente perde a gente não recebe nem telefonema de amigos (risos).

Eu já troquei o telefone de casa quatro vezes em um mês, mas quando a gente perde não aparece ninguém para falar ocha companheiro, perdeu. Ocha companheiro, sabe, o que vai ser da tua vida e tal. Ninguém pergunta. E, isso nunca me fez baixar a cabeça. Nunca. Ou seja, cada vez que eu perdia eu falava: tem outra e vamos nos preparar e vamos trabalhar mais e vamos conversar mais e vamos abrir o nosso leque de aliança mais. Vamos tentar pegar outros setores da sociedade. Vamos pegar outra gente que pensa que não gosta de mim e eu penso que não gosto delas, mas vamos conversar. Bom, conclusão: nós chegamos. Até agora foi fácil. O difícil vai ser daqui para a frente.

E vocês sabem, porque vocês são dirigentes sindicais, vocês não são base como a gente costuma dizer: eu sou base. Aqui cada um já tem alguns anos fora da base(risos). Vocês sabem que nem sempre vocês conseguiram atender as reivindicações dos trabalhadores do sindicato de vocês. Nem sempre vocês puderam atender aquilo que a Associação dos Funcionários dos sindicatos reivindicam. Em alguns sindicatos, eu vejo até, muitas vezes, vontade de mandar embora o dirigente. Eu estou dizendo isso porque o pepino e o Brasil que nós vamos herdar não é pequeno. Nós temos um problema cultural enorme para enfrentar porque as reformas não são efeitos de lei, reformas são efeitos de evolução cultural na cabeça das pessoas. E aí eu entro na questão que vocês começaram a discutir. Eu não tenho idéia e nem tenho pretensão de querer decretar ou por decreto ou por medida provisória ou fazer a toque de caixa qual o tipo de modelo sindical que nós queremos para o Brasil. Eu tenho um, mas como eu não sou dono da certeza absoluta, eu quero partilhar esse que eu tenho com os outros para ver se a gente constrói não a minha verdade absoluta, mas a minha verdade construída de preferência num debate democrático e sadio. Não quero fazer nenhuma reforma a toque de caixa. Umas tem mais pressa do que outras.

E por que a Reforma Tributária tem pressa? Porque uma boa Reforma Tributária é uma forma de você fazer justiça social, arrecadando mais de quem tem mais para fazer políticas públicas para quem tem menos.

Por que a Reforma Política é necessária? E também não vai ser feita a toque de caixa porque é uma coisa complicada lidar com partidos políticos. É porque você não pode dizer, sabe, o que aconteceu no Brasil, recentemente, nessas eleições. Você não pode ficar dependendo do financiamento de empresários para uma campanha. Então, que se tenha o financiamento público e que o povo saiba que ele está pagando a eleição e que ninguém pode aceitar dinheiro da iniciativa privada para poder fazer campanha(aplausos).

Agora, essas reformas, elas serão feitas da forma mais sadia e mais tranquilas possíveis. Nós vamos criar fóruns de debates para as mais diferentes coisas que nós vamos precisar fazer. Vamos reunir sindicalistas, vamos reunir o governo, vamos reunir os empresários, vamos reunir os inativos, vamos reunir o pessoal da Previdência do setor público, que é onde a coisa está pegando e vamos discutir. Há sempre um jeito de nós encontrarmos uma forma de fazermos as coisas acontecer sem precisar fazer nenhuma agressão maior a quem quer que seja. Em política eu aprendi que, na marra, as coisas não acontecem. Não sei quem tem filhos aqui. Antigamente, quando o pai da gente pegava o chinelo, no meu tempo nem isso, no meu tempo se meu pai estivesse na cozinha conversando e eu entrasse na cozinha e ele olhasse para mim, eu sabia que eu tinha que cair fora. Hoje, quantas vezes um pai dá palmada num filho, uma coisa que era natural ou dá uma chinelada e o filho encara e fala: eu não tenho medo. Pode bater. E você pode matar de bater porque ele não arreda o pé daquilo que ele acredita. Política é exatamente isso: ou você vai criando um processo de convencimento e as coisas vão acontecendo ou na marra você sabe que ninguém faz absolutamente nada. Aqui tem muitos dirigentes sindicais e vocês sabem o seguinte: eu sempre achei que a forma mais eficaz de alguém mostrar que é pelego, não é não fazer greve. É começar uma greve e não saber como parar a greve. Porque não tem nada mais covarde do que você ter coragem de ir para cima de um caminhão e dizer: greve e depois de uma semana você percebe que ela se esvaiu e você continua falando greve, mesmo sabendo que a maioria da categoria está trabalhando? E você não tem coragem de ir lá e falar: gente, vamos voltar a trabalhar. Nós estamos fazendo que papel aqui? Quem militou comigo no movimento sindical sabe que eu recusava decretar greve quando alguém vinha falar tive que parar minha fábrica. Se precisasse parar vocês não estão preparados para a greve. Eu acho que vocês tem que ter a compreensão do quê?

O desafio que está colocado para mim não é para mim é para vocês. Porque não pensem que eu vou deixar vocês de fora, falando o que vocês quiserem.(Risos). Vão ser chamados à responsabilidade. Vão ter que dizer também como fazer e por que fazer. Porque senão nós não vamos fazer as coisas acontecer no país. Nós temos que aproveitar este momento, em que há uma vontade extraordinária na sociedade brasileira. Vocês sabem que há muitos e muitos anos o povo não estava com a auto-estima para cima como está agora.

As pessoas estão acreditando que alguma coisa vai acontecer neste país e nós temos que fazer alguma coisa acontecer neste país e a primeira coisa que nós temos que fazer acontecer é saber o tamanho do passo que a gente tem que dar para cada coisa, porque se a gente der o passo maior do que a perna dá uma distensão. E, parece fácil, mas não é fácil. Acabamos de perder o governo do Rio Grande do Sul e nós vamos ter que fazer uma grande discussão: por que nós perdemos um governo como o do Olívio Dutra? Que possivelmente tenha sido uma das melhores administrações públicas deste país? Não foi porque erramos na administração, foi porque erramos na política.

(Aplausos).

Da mesma forma, sabe, que perdemos em 92 a Luíza Erundina. Por que nós perdemos Santos pouco tempo atrás? Não essa eleição agora, quando Davi era prefeito. Por que o eleitor não gostava mais do PT? Ou por que nós estabelecemos uma luta fratricida entre nós, em que nós mesmos tratamos de dizer para o povo o que nem o povo tinha coragem de dizer de nós?

Então, quando a gente chega ao governo, o povo não espera mais discurso, o povo espera fazer. E aí começa a discussão do salário mínimo, na minha opinião, de forma muito antecipada, sabe? Agora, as pessoas encontraram até um jeito de mexer no orçamento e arrumar dinheiro. Mas, se era fácil mexer, por que não arrumaram antes?(Aplausos). Por que não fizeram antes? Sabe, eu tenho dito para os nossos deputados, ou seja, por que brigar por isso agora? Ora, se a gente tiver condição de dar R$ 240 vai dar R$ 250, mas se não tiver condições, vamos ter que dizer que não temos como dar.

Uma coisa eu quero que vocês saibam, nada, nada, absolutamente, nada, me fará deixar de conversar com o povo e dizer a verdade a ele por mais dura que ela seja.(Aplausos).

Vocês me deram quatro anos de mandato, eu sei a responsabilidade que pesa nas minhas costas e não vou brincar com esse mandato. Vou fazer o que de melhor alguém já fez neste país. Vou ser leal, como jamais alguém foi leal nos bons momentos e nos maus momentos, mas não posso vender facilidades, principalmente, num ano em que a gente vai tomar posse e vai começar a perceber que tem muita coisa que a gente não sabe nem como é que está. É como a gente alugar uma casa e mudar sem levar alguém para fazer uma reforma. Na primeira vez que você vai ao banheiro percebe que a descarga está entupida.(Risos). O primeiro prato que a gente vai lavar percebe que está entupida a pia, ou seja, pisa forte no chão solta, sabe, a lajota. Sabe, nós não temos consciência de como está o Brasil. E eu vou contar uma coisa para vocês: há quanto tempo vocês sindicalistas, preocupados com os problemas dos trabalhadores brasileiros se preocuparam com o delegado Regional do Trabalho aqui em São Paulo? Quem é que sabem quem é? Sabe, são 20 e poucos mil casos que nós temos, segundo a imprensa, que nós temos que ver por este país e nós ainda estamos num processo de fazer um levantamento dos braços do governo federal nos estados e nós não temos clareza de todos os cargos ainda, portanto, não é uma coisa simples. É uma coisa que nós vamos ter que juntar tudo aquilo que a gente tem de melhor, tudo aquilo que a gente tem de bom e começar a mapear essa coisas, para ver o que a gente faz para melhorar. Sabe, quantos casos estão sendo indicado agora no final do mandato? Pessoas que a gente não pode mexer? E, eu resolvi fazer uma transição pacífica, tranquila, por quê? Porque a economia brasileira está muito vulnerável, ou seja, o Corinthians derrota o Atlético o dólar cai, mas se ele perde o dólar teria subido(risos). O Aluízio Mercadante fala o dólar sobe, o Zé Dirceu fala o dólar sobe, sabe? Então, alguém tem que ter mais cuidado do que outros e eu tenho que ter todo cuidado do mundo. Tenho ponderado, começamos as coisas corretamente, eu ia montar uma comissão de transição, mas depois eu percebi que ia ter uma disputa política enorme com um monte de gente que ia estar na comissão de transição. Então, não tem mais comissão. Eu vou indicar um companheiro que vai montar um grupo técnico para fazer a transição. O que é a transição? É pegar informações. Coloquei o companheiro Zé Dirceu e o Duci para cuidar da agenda política de conversar com as pessoas e fiquei com a responsabilidade de montar o governo. Pode ficar tranquilo que eu não estou sofrendo nenhuma pressão - nenhuma pressão -, e não vou sofrer. Todo dia a imprensa coloca ministro, tira ministro, coloca ministro, tira ministro (risos), ou seja, eu até agora, que tenho que indicar, não indiquei nenhum (risos), sabe, e, vou indicar no momento certo, na hora certa. Porque antes das eleições diziam para mim: você tem que indicar o presidente do Banco Central para acalmar o mercado. Você tem que indicar o ministro da Fazenda para acalmar o mercado. Já faz 30 dias que eu ganhei e não indiquei ainda e nem vou indicar, enquanto não achar que é o momento de indicar(aplausos).

Afinal de contas, o mínimo que vocês me deram o direito é de montar o governo, sabe? E estou trabalhando, todo dia estou vendo nomes e nomes ponho o nome no papel, rasgo, telefono, sabe? Estou fazendo aquilo que tem que fazer, sabe por quê? Porque eu sei a quantidade de toneladas que eu estou carregando nas costas. E, eu sei quanta gente no Brasil pode estar pensando: não, tem que dar errado - tem que dar errado, tem que dar errado -, e vai dar certo. (Aplausos). E podem ficar certos sindicato, mas você pode ficar tranquilo, que você pode abusar do meu mandato e dizer : Lula, você não fez tudo o que eu queria, mas fiz muito mais do que os outros fizeram ao longo da história deste país. (Aplausos). Podem ficar certos disso. Mas tem muita coisa para fazer no Brasil, muita. Por que nós colocamos a fome como coisa principal? É porque sem comer nada mais é possível. Se a pessoa não come a pessoa não estuda, a pessoa não trabalha, a pessoa fica doente, mas esses são os problemas da fome. É, ou seja, garantir que as pessoas comam as calorias e as proteínas necessárias à sobrevivência humana é o primeiro passo. Aqueles que já comem acham que não é prioritário, mas no Brasil é assim, sabe?

Nessa sala aqui, representada de forma extraordinária, aqui não tem representação dos excluídos, sabe? Dos milhões e milhões que nem chegaram perto do sindicato ainda. Sabe, dos milhões e milhões que não tem acesso a nada, que estão perambulando por esse país afora, atrás de uma oportunidade e que não nos toca, porque nós somos a parte organizada da sociedade. Só que é essa parte organizada que precisa começar a ter a responsabilidade de ajudar a organizar a outra. É muito mais revolucionário do que pedir 5% de aumento. É muito mais digno a gente estender a mão para milhões que não tem nada. Eu lembro que quando a gente começou com a campanha da fome em 96, mas isso é proselitismo. É proselitismo. Quem nasce em rua asfaltada não sabe a importância que tem uma simples guia e uma sarjeta. Não sabe. Eu morava no Parque Bristol, na rua Beirão e eu tinha um carrinho que quando chovia, ele não subia e eu tinha que subir a pé com uma galocha, chegava na padaria tirava a galocha, a barrinha da calça já estava cheia de barro, guardava a galocha na padaria e pegava um ônibus com o pezinho limpo. Saía da cidade às 18 horas, pegava minha galocha e eram milhões de pessoas passando fome.

Chega. Será que a grande discussão que nós temos que estar fazendo no país é se o salário mínimo será R$ 211 ou R$ 220? Ou será que a gente teria que colocar como prioridade como garantir que essas pessoas tenham acesso ao café da manhã, ao almoço e a uma janta?

Sem nada sofisticado. Sabe, eu sou do jeito que eu sou assim meio taludozinho, mas até os sete anos de idade o café que eu conheci era uma cuia de farinha, com leite preto e sobrevivi. Significa que o povo não precisa de muito luxo. É uma coisa que está ao nosso alcance.

Eu estou há cinco anos dizendo ao movimento sindical: É preciso acabar com essa história do movimento sindical só funcionar em época de data base, faz uma pauta de reivindicação e depois ficam um ano sem ter o que fazer. Quando eu falo em fazer um sindicato cidadão, é o movimento sindical começar a se preocupar e discutir política tributária é mais importante do que reivindicar 5% na época da data base. De que fazer reforma da Previdência Social é importante não para uma categoria é para o país. Como é que nós vamos colocar, no sistema de Seguridade os milhões que nunca tiveram oportunidade de ter carteira profissional assinada? De trabalhadores rurais, que não conseguem provar que trabalharam, mas você olha na mão dele, na cara dele, você percebe que ele trabalhou a vida inteira?(Aplausos). Mas, muitas vezes isso não está no nosso alcance. Ah, porque eu estou acostumado na porta da Volkswagen, estou acostumado na porta da GM, estou acostumado na porta do Massey, estou acostumado na porta disso. Lá não tem isso. Se não tem isso, eu não sinto isso.

Mas que diabo de sindicalistas revolucionários somos nós? Sabe, que só sabemos pedir o bem bom e o menos bom. E não vamos a fundo tentar resolver esse problema e achar que é só o governo?

Se for o governo, podem ficar certos, se puder fazer tudo por decreto lei, eu farei. Mas, não é, vocês sabem que não é. Como fazer a economia brasileira voltar a crescer? Vocês sabem? Não é fácil. Mudar a estrutura sindical e a legislação trabalhista é importante e é um processo que vocês vão ter que discutir.

Ah, vou ter que perder horas, dias. Afinal de contas o que é a vida de um dirigente sindical senão discutir? Discutir, aperfeiçoar. Sabe, errar num dia, acertar no outro. Não é assim que a gente faz? E essa é a nossa vida. O que vocês precisam compreender é que, desta vez, vai acabar a moleza. Esse negócio de ver a Maria esticada em caminhão de Sol? Porque não vem números.

Você vai ser chamado para ir lá discutir com outras forças políticas o que você quer. Vai ser chamado. Sabe, o Neto vai ser chamado, o João Felipe vai ser chamado. Eu ouvi esses dias um bate-boca do João Felipe e do Paulinho Imposto Sindical, não Imposto Sindical, Imposto Sindical? é coisa menor para a gente estar ocupando o tempo da imprensa. Só coisa menor. Até porque, na classe, os sindicatos que tiveram coragem de acabar com o imposto sindical já acabaram. Já acabaram. Sabe, então, eu acho que nós estamos num momento em que nós precisamos de menos bravata e mais competência agora. Muito mais competência.

É hora, eu lembro sempre da luta do Cassius Clay com o Foreman, realizada na África e eu lembro que o Cassius Clay era derrotado por 80% das pesquisas e o Foreman era muito mais forte do que ele.

Ele era muito mais inteligente do que o Foreman e tem letra daquela luta, que é a luta do século. O Foreman bateu nele exatamente durante 11 assaltos. Não havia quem estivesse na frente da televisão que não entendesse que o Cassius Clay ia cair. E o Cassius Clay dizia - isso quem vir o filme vai perceber - o Cassius Clay provocando o Foreman bate que você vai cansar, bate que você vai cansar. Não deu outra, no 12º assalto o Foreman cansado, o Cassius Clay deu um murro nele, ganhou a luta por nocaute.

Nós, temos que saber daqui para a frente o desafio que está colocado para nós pela sociedade brasileira. Nós temos reformas profundas para fazer. Veja qual é o desafio que nós temos aqui, companheiro. Veja qual é o desafio que nós temos aqui. Você pode confirmar ou não esses dados Maneco. Hoje, 4.000 assentamentos que tem no Brasil, dos 4.000 se o governo deixar de dar dinheiro 80% morrem. Não sobrevive. Apenas 20% possuem condições de sobrevivência. Nós vamos ter que discutir claramente quantas famílias hoje Maneco estão na agricultura familiar? Três milhões? Três milhões e meio? Quatro milhões? Sei lá.

Pega três milhões, são três milhões de pessoas que já tem a terra e que se a gente não discutir corretamente como financiar, com as várias facções do movimento sem terra, com a CPT, com quem estiver dando e falar escuta aqui, olha, vamos encontrar uma solução. Vamos encontrar uma solução definitiva.

Nós queremos saber como resolver o problema de quem já (...) O dinheiro disponível que nós encontramos, vamos participar da discussão do orçamento. Vamos ter acesso à contabilidade, [as coisa serão] ditas com naturalidade. E aí meu caro, diante do tamanho que a gente dá a gente vai ter que fazer e vai ter que fazer direito. Porque não pensem que nós ganhamos as eleições - vocês viram o jogo de domingo Corinthians e Atlético? (Risos). Vocês viram? Vocês viram aquele lateral esquerdo do Atlético
...(INTERRUPÇÃO)...

É assim, não é? de posto de gasolina e outras categorias, e outras para não citar todas. Resolvi ir a Brasília ser contra. Convocamos desde dirigentes sindicais (...) que fez um pronunciamento, dizendo o seguinte: o dirigente sindical que for a Brasília vai ser cassado. Por ir a Brasília protestar contra uma lei. O que eu fiz? Eu fiz uma carta para a vice-presidente do sindicato, eu e meus companheiros e fomos para Brasília.

Chegamos em Brasília, nós encontramos só dois deputados, na época, vinculados à gente. Eu acho que eu cheguei no momento mais importante da minha vida, quando eu declarei na campanha que eu estava vivendo a fase Lula paz e amor era porque eu estava.

Estava de bem com a vida, estava de bem com a família, estava de bem com a campanha, tinha encontrado o eixo da campanha, tinha encontrado o rumo, sabe? Porque eu estava percebendo que tudo ia concluir para o nosso lado. Houve um momento em que os nossos companheiros diziam: vamos bater na Roseana, que ela está crescendo.

Não, não vamos bater na Roseana, que não é problema nossa. Não batemos e acertamos. E eu tenho dito isso para os empresários ouviu Neto, João Felício?

Vocês têm participado. Eu tenho dito para os empresários: vocês nunca serão pegos de surpresa, porque se tem uma coisa que eu aprendi a fazer na minha vida é fazer política de rosto erguido, olhando na cara das pessoas, dizendo o que pode fazer, o que não pode fazer e como fazer.

Nós vamos enfrentar barreiras muito grandes. Eu já vi nesse um mês que eu ganhei as eleições mais do que os outros fizeram a vida inteira. Eu já me reuni praticamente com 20 governadores de Estado e faltam apenas sete para eu me reunir. Não quero reunir mais, mas tem muitos [ainda] para reunir.

Eu já fiz reuniões com todos os partidos políticos. Já fiz reuniões com vários setores empresariais e vou continuar fazendo e eu não quis fazer separado porque era chamado a Força Sindical para ir na Granja do Torto, a CUT para ir na Granja do Torto, o Neto para ir na Granja do Torto, a (...incompreensível...) para ir na Granja do Torto.

Acontece que se eu faço isso, cada vez que você faz, você teria indicado um ministro pela imprensa. Sabe, e como as conversas comigo não são ainda para fazer isso eu preferi fazer o seguinte: vamos dar o exemplo, sabe, primeiro da força e da coesão do movimento sindical. Segundo, um apelo para o alto comando dos dirigentes sindicais: por favor, sentem em torno de uma mesa, pensem e comecem a ter o seguinte: o que nós temos de consenso? Isso? Então isso está [ [acertado] O que nós não temos de consenso? Vamos primeiro acertar coisas que nós consensuamos e depois então vamos discutir as coisas que nós divergimos (aplausos).

Porque se a gente não fizer assim, a gente perde mais tempo discutindo as coisas que nós divergimos e alguns companheiros têm participado de reuniões, outros vão ser chamados a participar. Há muita coisa em comum a ser feita no Brasil, sabe. Agora ou nós retomamos o crescimento da nossa indústria, do nosso comércio, da nossa agricultura, do nosso turismo ou a gente vai ficar brigando e a gente percebendo que a situação está cada vez pior.

É assim, vamos imaginar que a gente está num trem, que esse trem descarrilou, sabe, então, está o Lula dizendo que é da primeira classe, companheiros dizendo que são da segunda, outros dizendo que são melhores que a primeira, mas gente, vamos primeiro colocar o trem nos trilhos para depois a gente brigar qual é o nosso lugar nesse trem, porque se ele estiver descarrilado, sabe, não vai ter para todo mundo. Não vai ter. Então, vejam, qual era o compromisso que eu tinha?

Dobrar o poder aquisitivo do salário mínimo em quatro anos. Sabe, eu nunca prometi ah, que eu vou. E não vou falar de salário mínimo em dólar, porque o povo ganha em real. E quero dobrar o poder aquisitivo e vou dobrar em quatro anos. E não estou dizendo isso agora não da campanha, eu estou dizendo isso desde 1985, que era preciso ter uma política de recuperação do poder aquisitivo. Vai ter um ano que você pode dar dez? Vai ter outro que você pode dar 25, ou seja, o que é importante é que no final do mandato você tenha o trabalhador podendo comprar mais do que ele comprava no começo do governo.

E isso, no meu compromisso de campanha é uma obrigação moral e ética que nós temos com essa parte da sociedade, como nós temos o compromisso de colocar no mercado esses milhões que estão desempregado. Esses milhões. Vocês precisavam andar no Brasil para vocês verem quantas terras que tem irrigadas em vários estados em poder produzir. Vocês vão ter que ver. Vocês vão ter que ver barragens e mais barragens em que não tem uma adutora para irrigar um pé de tomate. (...) precisam andar para ver como é que está esse país, que não vem deste governo não. é um processo para daqui 20 ou 30 anos de abandono.

A ferrovia do Aço, que já gastou 45% do custo final dela, sabe, está paralisada há 20 anos. Angra 3 só de equipamentos parados há nove anos tem quase US$ 900 milhões de dólares. Parados, daqui a pouco joga fora. Ou seja, e assim vamos olhando pelo Brasil a quantidade de pepinos que têm para a gente poder consertar. Quem é que viaja de estrada para saber como estão as estradas deste país? Não é?

Você não precisa ir longe não. Você vai aqui em Minas Gerais na região de Poços de Caldas e pega uma estrada federal que tem ali, ou seja, é uma coisa alucinante, ou seja, não significa que a gente não tenha dinheiro para fazer coisas novas, significa que nós não tivemos competência de manter o que a gente já tinha e fazer manutenção das coisas que a gente já tinha. Então, o país tem quase que passar por um processo de reconstrução e aí, meus companheiros, eu posso garantir a vocês o seguinte: vocês nunca, nunca na vida de vocês, vocês imaginaram ser tão provocados, não provocados no sentido pejorativo, mas provocados a ajudar a encontrar solução.

A começar a encontrar desde o orçamento companheiro, porque eu não sabia que o orçamento era tão [apertado]. Eu não sabia. Porque de repente os caras falam estou mexendo um pouco no orçamento vai sobrar 14 bilhões daquilo, 13 bilhões daquilo, 8 bilhões daquilo, que raio de orçamento é esse? Um orçamento elástico, ou seja, inflável, ou seja, sabe? Aí eu acho que não dá para ser assim. Não dá para ser assim. Então vai ser um processo. E não pensem que eu estou dizendo isso porque eu estou achando ruim, não, cara. Estou achando ótimo.

Pode ter certeza que eu estou otimista. Acho que na esfera do Brasil nunca teve ninguém com o otimismo que eu estou, podem ficar certo. Vou ajudar 24 horas por dia neste país. Vou fazer peregrinações. Eu acho que o Brasil tem jeito se a gente souber utilizar aquilo que a sociedade já tem organizada dentro de si. As iniciativas que a sociedade já tem, pequenos exemplos, que se a gente tentar utilizar aquilo, quantificar e colocar em prática a gente pode fazer miséria neste país.

Portanto, companheiros, eu quero terminar, não sei se vou ter mais alguma reunião com vocês, mas gostaria de convidar vocês para ir na posse no dia 1º".
 

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