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01/01/2003 - 07h55

Futuro ministro da agricultura quer criar "renda mínima" rural

CÍNTIA CARDOSO
da Folha de S.Paulo

O futuro ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, 60, se define como um ministro sem nenhum pendor partidário. "Não tenho filiação partidária. Nunca tive. Não tenho vocação para ser político", afirma.

Segundo ele, essa "falta de vocação" permitiu que tivesse acesso livre em todas as esferas partidárias. Foi secretário de Agricultura de São Paulo durante o governo de Luiz Antônio Fleury Filho e ocupou uma função consultiva no próprio Ministério da Agricultura entre 1988 e 1989, no governo do presidente José Sarney. Rodrigues afirma que o seu apartidarismo declarado também conferiu neutralidade para criticar o que não considerava correto nos programas de governo dos candidatos à Presidência.

As suas propostas para o programa de governo, que ele afirmou ser muito bom, dizem respeito à ampliação de linhas de crédito para pequenos e médios produtores rurais e a criação de um Renda Mínima rural para assegurar rendimentos em períodos de problemas de produção. Porém, diante de um 2003 com pouca flexibilidade orçamentária, Rodrigues planeja que as alternativas à escassez de crédito estatal venham de uma maior articulação dos próprios produtores e de parcerias com bancos cooperativos estrangeiros.

Com relação à polêmica envolvendo irregularidades administrativas durante o governo Fleury, o futuro ministro nega todas as acusações. Em 1997, o futuro ministro teve seus bens bloqueados pela Justiça em decorrência de acusações de improbidade administrativa. Ele foi acusado de ter participado de um conselho que autorizou concessão de US$ 3,6 milhões em verbas públicas para uma empresa fabricante de calçados que estaria à beira da falência. Ele afirma, porém, que o fórum que coordenava apenas autorizou estudar as condições para o empréstimo. Leia a entrevista concedida telefone:

Folha - Durante a campanha presidencial o senhor criticou os programas de governo para a área agrícola de todos os candidatos ao afirmar que eles traziam propostas vazias. Quais as suas principais críticas ao programa do governo Lula e que mudanças o senhor pretende implementar?

Roberto Rodrigues - O programa do governo é muito bom. A minha principal crítica, entretanto, é que faltavam políticas de renda rural definidas, sobretudo para o pequeno produtor. A minha proposta para superar essa deficiência é a criação de uma espécie de renda mínima rural. Com esses recursos, os pequenos produtores e os agricultores familiares, por exemplo, teriam uma renda assegurada em ocasiões adversas, como durante períodos de quebra de safra, queda da produção e outros como esses.

Folha - De onde viriam os recursos para esse programa?

Rodrigues - Uma parcela viria do próprio Tesouro Nacional. Mas, primeiramente, precisaríamos definir quem serão os atendidos pelo programa. Temos que traçar o perfil do produtor por cultura e por região do país, definindo quais as prioridades e necessidades de cada um. Porém, para 2003, não há verba no Orçamento para incluir esse projeto.
A outra fonte de recurso seria uma tributação compensatória de produtos agrícolas importados que recebem subsídios no país de origem. Essa é uma regra admitida pela OMC (Organização Mundial do Comércio) e de fácil implantação. A terceira fonte seria um fundo arrecadado entre os próprios produtores contemplados pelo programa.

Folha - A sua trajetória profissional tem sido ligada principalmente ao cooperativismo agrícola. Como essa característica vai estar presente na sua gestão?

Rodrigues - O cooperativismo é o braço econômico da sociedade. Um dos pontos principais da minha administração vai ser a expansão de linhas de crédito para o setor cooperativo, especialmente para as cooperativas de pequenos e médios produtores. No Brasil, hoje, só existem dois bancos cooperativos, o Bancicred e o Bancoop.
É preciso aumentar esse número e também a oferta de crédito oferecida. Pretendo usar a experiência e os contatos que acumulei durante a minha gestão à frente da OIC (Organização Internacional de Cooperativas) para trazer investidores para o Brasil. Há grande interesse dos principais bancos cooperativos europeus de fazerem parcerias com bancos cooperativos de mercados emergentes, como o brasileiro, já que na Europa não há mais espaço para expansão dessas instituições. Se houver interesse dos bancos cooperativos brasileiros, o ICBA [órgão da OIC que reúne os mais importantes bancos cooperativos do mundo] pode servir como ponte nas negociações entre eles e as instituições estrangeiras.

Folha - Além da clara ênfase na questão cooperativa, quais as linhas gerais da sua gestão no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento?
Rodrigues - São três grandes caminhos. O primeiro é a busca de políticas públicas que garantam competitividade para os produtores. Nesse ponto é fundamental priorizar a questão do seguro rural. O Brasil é o único entre os grandes países produtores agrícolas que não tem uma política consolidada nessa área. O segundo é a melhor organização das cadeias produtivas, como a do milho e a do leite, por exemplo, e por último a negociação internacional.

Folha - Nesse ponto, vários especialistas apontam o número ainda insuficiente de negociadores e a pouca experiência para tratar de contenciosos agrícolas, por exemplo. Como o governo Lula pretende lidar com esses assuntos, especialmente no âmbito da Alca (Área de Livre Comércio das Américas)?

Rodrigues - De fato, as negociações do comércio exterior brasileiro precisam de mais coordenação. Na semana passada, ainda na presidência da Abag [Associação Brasileira de Agronegócio], foi criado o Instituto de Comércio Exterior Agrícola, em parceria com várias entidades do setor agrícola e com a Fiesp. O instituto vai produzir periodicamente "position papers" para municiar os negociadores brasileiros. O Ministério da Agricultura vai se articular melhor com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e com o Ministério das Relações Exteriores.
Com relação à Alca, a posição do futuro governo é clara: queremos que a abertura se dê por meio da agricultura. No dia 2 de janeiro, tenho um encontro agendado com Robert Zoellick, secretário de Comércio dos Estados Unidos, e no final do mês, me encontro com Pascal Lamy, comissário de Comércio da União Européia. As duas reuniões são para discutir esses assuntos.

Folha - Ainda sobre a coordenação entre os ministérios, qual vai ser a participação do Ministério da Agricultura no programa Fome Zero?

Rodrigues - A nossa participação ainda vai ser desenhada. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) vai fornecer os dados da produção para a direção do Fome Zero. A idéia inicial é casar a produção de alimentos básicos com as necessidades do Fome Zero e o fomento da produção da agricultura familiar.

Folha - Outra questão polêmica é a adoção de transgênicos no Brasil. Com a diminuição na área plantada de milho, provavelmente haverá necessidade de importação do produto. No entanto, os principais produtores_ EUA e Argentina_ cultivam transgênicos. Como resolver o impasse?

Rodrigues - Nós não vamos importar milho transgênico. A prioridade é aumentar a produção de produtos alternativos como sorgo, aveia, milheto para compensar a falta do produto.

Folha - Qual a sua posição na questão dos transgênicos?

Rodrigues - Primeiro é importante que haja uma definição científica da questão. Enquanto não houver indícios que os transgênicos não representam perigo para a saúde, para o ambiente etc., não se mexe na legislação. É preciso estudar também como o mercado internacional aceita esse produto.
Se o prêmio pago para o produto convencional for maior, vamos priorizar a manutenção da produção de não-transgênicos. Caso sejam iguais, e se os transgênicos forem de fato seguros, não há por que não adotá-los.

Folha - Qual o legado da gestão do seu antecessor [Marcus Vinicius Pratini de Moraes]? Quais as suas críticas? Os programas criados durante a gestão dele, como o Moderfrota, serão mantidos?

Rodrigues - Não tenho críticas. Pratini fez uma gestão extraordinária. Pretendo não apenas manter o Moderfrota, como também estendê-lo para a pequena atividade rural e para a agricultura familiar. Mas falta analisar se teremos recursos.
 

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