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16/03/2003
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08h33
A solução para a estagnação econômica européia passa por um relaxamento do pacto de estabilidade acordado entre os países da União Européia no Tratado de Maastricht, em 1992, e por reformas drásticas no mercado de trabalho, sobretudo na Alemanha.
Essas são as considerações de Charles Jenkins, 53. O economista britânico é diretor para assuntos europeus da EIU (Economist Intelligence Unit), centro de estudos econômicos sediado em Londres que pertencente ao mesmo grupo da revista "The Economist".
Para Jenkins, a despeito do crescimento lento empreendido pela UE nesta década, o bloco econômico não vive uma recessão.
Porém, um eventual conflito prolongado no Iraque, somado às divergências entre os países-membros no tocante ao apoio à empreitada militar americana, deterioraram as perspectivas de superação do quadro europeu.
Leia entrevista concedida por telefone
Folha - Recentemente a França reviu as suas previsões de crescimento do PIB para este ano, passando de uma estimativa inicial de 2,5% para 1,5%. A Alemanha fechou 2002 com um crescimento de apenas 0,2%. Levando esses aspectos em consideração, podemos afirmar que a economia da União Européia entrou em recessão?
Charles Jenkins - Não vejo recessão, mas, sim um terceiro ano de crescimento lento. Em 2002, crescimento da zona do euro foi de 0,7%. Para este ano, prevemos 1,2%. De fato essas taxas não impulsionam a economia, não geram empregos, mas o foco da desaceleração da economia européia está na Alemanha. É importante frisar também que os problemas europeus vêm de longa data e são centrados em questões estruturais.
Folha - Quais seriam esses problemas?
Jenkins - Na Alemanha, a queda da demanda dos consumidores é o principal fator da desaceleração. Outro ponto é a retração da construção civil. O fim da demanda por infra-estrutura, que foi a tônica da economia alemã no pós-unificação, dragou a economia alemã. Isso levou ao aumento de desemprego e à queda da confiança dos consumidores. Também contribuiu para esse quadro o colapso do mercado alemão de ações de tecnologia, que havia expandido no final dos anos 90. Tudo isso repercutiu severamente na economia alemã e acabou gerando um efeito em cascata nos outros países da zona. O consumo nos últimos três anos permaneceu praticamente estagnada.
Folha - E a França?
Jenkins - A França manteve uma taxa acelerada de crescimento nos últimos cinco anos, o que atraiu uma gama de investimentos estrangeiros. O resultado é que, com isso, ela cresceu o dobro da economia alemã no período. Mas as contas públicas francesas foram negligenciadas.
A gestão anterior [do ex-primeiro-ministro do Partido Socialista Lionel Jospin] não aproveitou o momento de aceleração econômica para efetuar o ajuste das contas e reduzir o déficit. Agora, com um cenário internacional menos favorável, o setor público foi o primeiro a ser afetado, ameaçando as regras do pacto de estabilidade.
Folha - O cenário pode ser agravado por um conflito no Iraque?
Jenkins - As incertezas com relação à guerra têm de fato prejudicado a economia em escala mundial. O temor de um conflito abala a confiança dos consumidores e puxa a alta dos preços, especialmente o do petróleo. A deflagração de uma guerra não levaria necessariamente a uma deterioração da situação da UE. Uma guerra rápida não teria um impacto negativo duradouro.
Folha - Qual seria o pior cenário no caso de uma guerra?
Jenkins - O pior cenário imaginável seria um no qual houvesse um racha entre os países do bloco europeu entre os pró e os contra a guerra, com uma guerra que se estendesse por mais de três meses. Nesse contexto, a coesão política que tem mantido os países da UE unidos nos últimos 50 anos poderia ser dissolvida. Isso não afetaria imediatamente a UE, mas, no longo prazo, poderia pôr em risco a união econômica do bloco.
Folha - Diante da possibilidade de guerra e do evidente crescimento lento da UE, seria recomendável flexibilizar as regras do pacto de estabilidade?
Jenkins - Alemanha e Portugal romperam as regras do pacto, mas se comprometeram a ajustar suas economias, pelo menos no que tange à limitação dos déficits públicos a 3% do PIB, apesar de saberem que um ajuste severo agora só tende a piorar a situação no curto prazo. A França indica que vai romper essas regras neste ano. Mas isso pode ser de fato necessário para promover crescimento do país e evitar uma derrocada da economia. Acredito que, se as economias européias permanecerem estagnadas, o pacto terá que ser relaxado. Ainda que as economias consigam retomar o crescimento, as bases para um novo pacto teriam que ser lançadas. Porém ainda precisamos pensar na lista de quais novas regras devem ser implementadas.
Folha - Haveria alguma solução de curto prazo para tentar estimular o crescimento da economia européia? Uma redução da taxa de juros, por exemplo?
Jenkins - Infelizmente essa medida pouco ajudará a levantar a economia na Europa ou na Alemanha. Uma redução teria um impacto mínimo e poderia causar inflação em outros países.
Folha - Então parece que a UE está num beco sem saída.
Jenkins - Os instrumentos para recuperar a economia européia são de longo prazo. Por exemplo, tentar recriar artificialmente maneiras para alavancar a construção civil alemã não vai adiantar. Minha percepção é que o mercado de trabalho tem que ser flexibilizado para ajudar setores da economia alemã que são fortes, como a indústria. O encorajamento de pequenas e médias empresas também é uma solução viável. A abolição das regras rígidas de proteção ao emprego também seria fundamental, mas isso só teria impactos a médio prazo. Mas é difícil implementar essas reformas, porque o governo enfrentaria muita oposição.
Folha - Se nenhuma dessas reformas for feita, a recessão é o destino da UE? A Alemanha pode terminar como o Japão?
Jenkins - Recessão, na acepção técnica do termo, é um crescimento negativo. Não vejo isso. A principal questão é identificar quais os pontos dinâmicos podem nos tirar dessa estagnação. Há algumas similaridades entre a situação japonesa e a alemã. Entretanto a economia japonesa tem como principal fragilidade o setor bancário, que até o momento não conseguiu se reestruturar. Na Alemanha, diferentemente do Japão, as empresas estão saldando as dívidas e se reestruturando.
Para EIU, Europa só decola com reformas estruturais
da Folha de S.PauloA solução para a estagnação econômica européia passa por um relaxamento do pacto de estabilidade acordado entre os países da União Européia no Tratado de Maastricht, em 1992, e por reformas drásticas no mercado de trabalho, sobretudo na Alemanha.
Essas são as considerações de Charles Jenkins, 53. O economista britânico é diretor para assuntos europeus da EIU (Economist Intelligence Unit), centro de estudos econômicos sediado em Londres que pertencente ao mesmo grupo da revista "The Economist".
Para Jenkins, a despeito do crescimento lento empreendido pela UE nesta década, o bloco econômico não vive uma recessão.
Porém, um eventual conflito prolongado no Iraque, somado às divergências entre os países-membros no tocante ao apoio à empreitada militar americana, deterioraram as perspectivas de superação do quadro europeu.
Leia entrevista concedida por telefone
Folha - Recentemente a França reviu as suas previsões de crescimento do PIB para este ano, passando de uma estimativa inicial de 2,5% para 1,5%. A Alemanha fechou 2002 com um crescimento de apenas 0,2%. Levando esses aspectos em consideração, podemos afirmar que a economia da União Européia entrou em recessão?
Charles Jenkins - Não vejo recessão, mas, sim um terceiro ano de crescimento lento. Em 2002, crescimento da zona do euro foi de 0,7%. Para este ano, prevemos 1,2%. De fato essas taxas não impulsionam a economia, não geram empregos, mas o foco da desaceleração da economia européia está na Alemanha. É importante frisar também que os problemas europeus vêm de longa data e são centrados em questões estruturais.
Folha - Quais seriam esses problemas?
Jenkins - Na Alemanha, a queda da demanda dos consumidores é o principal fator da desaceleração. Outro ponto é a retração da construção civil. O fim da demanda por infra-estrutura, que foi a tônica da economia alemã no pós-unificação, dragou a economia alemã. Isso levou ao aumento de desemprego e à queda da confiança dos consumidores. Também contribuiu para esse quadro o colapso do mercado alemão de ações de tecnologia, que havia expandido no final dos anos 90. Tudo isso repercutiu severamente na economia alemã e acabou gerando um efeito em cascata nos outros países da zona. O consumo nos últimos três anos permaneceu praticamente estagnada.
Folha - E a França?
Jenkins - A França manteve uma taxa acelerada de crescimento nos últimos cinco anos, o que atraiu uma gama de investimentos estrangeiros. O resultado é que, com isso, ela cresceu o dobro da economia alemã no período. Mas as contas públicas francesas foram negligenciadas.
A gestão anterior [do ex-primeiro-ministro do Partido Socialista Lionel Jospin] não aproveitou o momento de aceleração econômica para efetuar o ajuste das contas e reduzir o déficit. Agora, com um cenário internacional menos favorável, o setor público foi o primeiro a ser afetado, ameaçando as regras do pacto de estabilidade.
Folha - O cenário pode ser agravado por um conflito no Iraque?
Jenkins - As incertezas com relação à guerra têm de fato prejudicado a economia em escala mundial. O temor de um conflito abala a confiança dos consumidores e puxa a alta dos preços, especialmente o do petróleo. A deflagração de uma guerra não levaria necessariamente a uma deterioração da situação da UE. Uma guerra rápida não teria um impacto negativo duradouro.
Folha - Qual seria o pior cenário no caso de uma guerra?
Jenkins - O pior cenário imaginável seria um no qual houvesse um racha entre os países do bloco europeu entre os pró e os contra a guerra, com uma guerra que se estendesse por mais de três meses. Nesse contexto, a coesão política que tem mantido os países da UE unidos nos últimos 50 anos poderia ser dissolvida. Isso não afetaria imediatamente a UE, mas, no longo prazo, poderia pôr em risco a união econômica do bloco.
Folha - Diante da possibilidade de guerra e do evidente crescimento lento da UE, seria recomendável flexibilizar as regras do pacto de estabilidade?
Jenkins - Alemanha e Portugal romperam as regras do pacto, mas se comprometeram a ajustar suas economias, pelo menos no que tange à limitação dos déficits públicos a 3% do PIB, apesar de saberem que um ajuste severo agora só tende a piorar a situação no curto prazo. A França indica que vai romper essas regras neste ano. Mas isso pode ser de fato necessário para promover crescimento do país e evitar uma derrocada da economia. Acredito que, se as economias européias permanecerem estagnadas, o pacto terá que ser relaxado. Ainda que as economias consigam retomar o crescimento, as bases para um novo pacto teriam que ser lançadas. Porém ainda precisamos pensar na lista de quais novas regras devem ser implementadas.
Folha - Haveria alguma solução de curto prazo para tentar estimular o crescimento da economia européia? Uma redução da taxa de juros, por exemplo?
Jenkins - Infelizmente essa medida pouco ajudará a levantar a economia na Europa ou na Alemanha. Uma redução teria um impacto mínimo e poderia causar inflação em outros países.
Folha - Então parece que a UE está num beco sem saída.
Jenkins - Os instrumentos para recuperar a economia européia são de longo prazo. Por exemplo, tentar recriar artificialmente maneiras para alavancar a construção civil alemã não vai adiantar. Minha percepção é que o mercado de trabalho tem que ser flexibilizado para ajudar setores da economia alemã que são fortes, como a indústria. O encorajamento de pequenas e médias empresas também é uma solução viável. A abolição das regras rígidas de proteção ao emprego também seria fundamental, mas isso só teria impactos a médio prazo. Mas é difícil implementar essas reformas, porque o governo enfrentaria muita oposição.
Folha - Se nenhuma dessas reformas for feita, a recessão é o destino da UE? A Alemanha pode terminar como o Japão?
Jenkins - Recessão, na acepção técnica do termo, é um crescimento negativo. Não vejo isso. A principal questão é identificar quais os pontos dinâmicos podem nos tirar dessa estagnação. Há algumas similaridades entre a situação japonesa e a alemã. Entretanto a economia japonesa tem como principal fragilidade o setor bancário, que até o momento não conseguiu se reestruturar. Na Alemanha, diferentemente do Japão, as empresas estão saldando as dívidas e se reestruturando.
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