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23/03/2003 - 07h06

EUA já não são hegemônicos, diz especialista

CÍNTIA CARDOSO
da Folha de S.Paulo

O desrespeito dos Estados Unidos à oposição da ONU (Organização das Nações Unidas) à guerra tem suscitado o temor de que essa atitude unilateral se estenda para outras instituições como a OMC (Organização Mundial do Comércio), por exemplo.

Segundo Mark Weisbrot, 48, co-diretor do Centro para Pesquisa Econômica e Política em Washington, entretanto, a ofensiva militar no Iraque é um sintoma de enfraquecimento do poderio do império americano.

Diante da impossibilidade de coagir comercialmente os países para assegurar seus interesses, os EUA utilizam o poderio bélico como último recurso.

Se a realpolitik_ doutrina política que afirma que todos os meios são válidos para assegurar os interesses do Estado_ não é novidade na política externa dos EUA, há, para Weisbrot, um novo fato no cenário mundial. "Ainda que o Iraque seja conquistado, pela primeira vez nos últimos 50 anos vemos uma oposição tão forte e tão clara aos EUA. Não apenas as grandes potências como a França, a Alemanha, a Rússia, mas também México, Chile, Angola, Guiné e Camarões mantiveram firmes as suas convicções a despeito de ameaças de sanções e retaliações econômicas", afirmou o especialista norte-americano em economia internacional.

A seguir a entrevista concedida à reportagem por telefone.

Folha - Essa guerra pode ser interpretada como um renascimento da realpolitik nos EUA?

Mark Weisbrot - Na verdade esse ataque é uma continuidade de uma tradição de unilateralismo nos EUA. O fato novo é a mudança na reação global a esse comportamento. Eu observo que há uma tendência de crescimento da resistência, a exemplo do que aconteceu no Conselho de Segurança da ONU, por parte de países que se opõem à imposição dos interesses comerciais ou financeiros dos EUA. Para mim, isso sinaliza o princípio do fim do "império norte-americano". Ainda que o Iraque seja conquistado, pela primeira vez nos últimos 50 anos vemos uma oposição forte e clara aos EUA de grandes potências como a Alemanha e a França e até mesmo de países menores, como o Chile, que se manifestou no Conselho de Segurança. O "império" é sustentado pelo poder de coerção comercial norte-americano, sobretudo pelo FMI, que é, na verdade um cartel do crédito. O fato de os EUA terem entrado em guerra contra o Iraque mostra o enfraquecimento do uso do poderio econômico para submeter os países aos seus interesses.


Folha - O desprezo dos EUA pela decisão da ONU contrária à guerra pode significar que essa atitude unilateral vai se estender a outras áreas do cenário internacional, como o comércio?

Weisbrot - Eu acho que as coisas já acontecem dessa forma. O FMI [Fundo Monetário Internacional], para citar apenas um exemplo, já é controlado pelo Tesouro americano, apesar de tecnicamente alguns países europeus e o Japão também poderem tomar decisões. Mas isso não é o que temos visto nos últimos 50 anos. Os EUA já têm uma política externa comercial baseada no unilateralismo, já que além do FMI também controlam o Banco Mundial.

Folha - O senhor mencionou o crescimento de resistência global aos EUA. Mas países emergentes e economicamente dependentes dos EUA teriam condições de resistir a pressões econômicas ou eventuais retaliações comerciais?

Weisbrot - Eu acho que o cenário mais provável é o aparecimento cada vez maior de países dispostos a defender seus interesses, ainda que contrários aos dos EUA. Chile e México [membros não-permanentes do Conselho de Segurança da ONU e que votaram contra o ataque dos EUA ao Iraque] foram submetidos a uma enorme pressão americana, que incluiu ameaça de não ratificar um acordo bilateral de comércio com o Chile. Quanto ao Brasil, vitória brasileira na última Rodada da OMC, em Doha, na questão da quebra de patentes mostra que o mesmo exemplo poderia ser seguido por outros países.
A política externa americana nos últimos tempos pode ser comparada às ações da máfia: quem atravessa o caminho norte-americano é eliminado. Essa atitude não tem sido usada apenas como um ato de vingança, mas também para manter a ordem. Só que agora há um sentimento global de oposição. Os EUA não terão como impor retaliações comerciais a todos. Isso já revela o enfraquecimento do sistema de dominação americano.

Folha - Quais seriam os outros sintomas do enfraquecimento do "império"?

Weisbrot - Temos a eleição de Hugo Chávez, na Venezuela, como uma forte oposição política aos EUA. Na Argentina, o colapso econômico, que revelou o fracasso do Consenso de Washington, também pode ser visto como um sintoma. Além disso, o fato de a Argentina ter sobrevivido por um ano sem a ajuda do FMI mostra que há outros caminhos alternativos a doutrinas econômicas defendidas pelos EUA. No caso do Brasil, mais cedo ou mais tarde haverá uma confrontação com o FMI, simplesmente porque é impossível para o Brasil e demais países latino-americanos continuarem a adotar o receituário do Fundo. Com isso, o poderio econômico exercido pelos EUA na região será enfraquecido. A médio prazo, a dívida brasileira terá que ser renegociada ainda que prejudique os interesses de boa parte de setores dos EUA.
 

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